Algumas idéias simples sobre o Brasil e o seu povo
Paulo Roberto de Almeida
(4 de abril de 2004; www.pralmeida.org)
O Brasil já empreendeu, em
sua história contemporânea, várias “revoluções”, algumas voluntárias, outras
involuntárias. Um sistema oligárquico foi jogado na lata do lixo da história e
o País começou, em 1930, um processo de modernização social e econômica,
infelizmente pela via autoritária, o que foi “corrigido” por um golpe militar
quinze anos depois.
Ele tentou então criar, a
partir de 1946, uma democracia restrita, quase censitária, à base de
voluntarismo econômico, o que acabou resultando em alto crescimento e em
grandes desequilíbrios, inclusive monetários, uma maldição que se prolongou
durante quarenta anos. Mas, foi uma experiência de democracia.
Os militares tentaram corrigir
esses desequilíbrios mediante sua “revolução” e adotaram uma concepção
“nazista” de economia, recheada de muita autosuficiência material e pouca
participação social: foi o tal de modelo excludente e concentrador, que no
entanto completou o processo de industrialização iniciado duas décadas antes.
Eles tentaram criar uma sólida infra-estrutura econômica e uma boa
superestrutura científica, mas falharam em criar uma simples infra-estrutura da
educação de base e a bem mais complexa superestrutura institucional. Os
militares aumentaram o PIB, mas diminuiram a coesão social e tiveram de sair
(algo desajeitadamente) de cena.
A “revolução” da
redemocratização política expandiu a participação social, consolidou um regime
democrático algo pletórico na afirmação dos direitos cidadãos e criou vários
impasses na execução orçamentária, o que comprometeu a estabilização econômica.
O que foi ganho no terreno das liberdades foi perdido na voragem inflacionária.
O povo apostou então na
miragem do caçador de marajás e aniquilador da inflação: foi a maior fraude
política da história do Brasil, em qualquer época. Seguiu-se uma fase de ensaio
e erro que desembocou na primeira grande revolução econômica do Brasil moderno.
O ajuste orçamentário, a moeda estável, a abertura econômica, a
responsabilidade fiscal são conquistas que não podem ser jogadas na lata do
lixo e no entanto tudo isso passou por “estelionato eleitoral”. Em todo caso, a
euforia da estabilização não suportou o choque das crises financeiras externas
e o acúmulo de desequilíbrios internos, aliás criados em grande medida pelo
acúmulo anterior de planos frustrados de estabilização. O balanço ainda está
sendo feito.
A próxima revolução foi a
“revolução pelo voto”, já que já tinha passado de moda assaltar o palácio de Inverno
e criar o homem novo. Porém, é difícil fazer inclusão social a partir de um
Estado disfuncional, um ogre devorador de dois quintos do PIB e incapaz de
criar chances iguais para cidadãos desiguais, pois que ele mesmo gera
desigualdades. O duplo preconceito contra o mercado e a extração de mais-valia
alimenta uma anti-revolução microeconômica que torna extremamente difícil dar a
partida a um processo sustentado de investimentos produtivos e de crescimento
apoiado no conceito de interdependência econômica, que é também recusado em sua
plenitude (só sendo aceitável nos casos restritos situados nas mesmas
latitudes).
O que o Brasil necessitaria,
agora, seria uma “revolução das reformas”, um pacto pela correção dos
desajustes mais gritantes de sua estrutura social e da sua arquitetura
institucional. O fim da fome, o crescimento e mais igualdade virão em
consequência dessa revolução, bem mais difícil de conceber do que de aplicar, é
verdade, pois que ela vai contra o senso comum e as verdades reveladas.
As reformas não passam por
políticas setoriais nem pela luta contra a vulnerabilidade externa, mas por
políticas universais de inclusão via educação e de diminuição da fragilidade
profissional do trabalhador brasileiro. Esta é a “revolução” da produtividade
social.
O Brasil já fez a sua
“revolução pelo voto” e lhe resta agora fazer a revolução da inclusão social, o
que passa pelas “reformas de base”: educação, educação, educação e mais
educação, mas não qualquer uma. A reforma passa pela formação de professores
primários e pela sua qualificação social via salários. Ela vai ao ensino médio
pela mesma via e termina na formação técnico-profissional da população
economicamente ativa. A universidade talvez possa ser parte da solução, mas
isso teria de passar por mais mercado e um pouco menos de retórica.
O povo brasileiro tem idéias
muito simples sobre as condições de sua felicidade bruta: emprego (renda),
segurança, saúde, filhos criados com educação e novas oportunidades de emprego,
apenas isso. Todo o resto da agenda a burguesia, as elites universitárias e as
elites “populares” sabem fazer: competitividade industrial, progresso
científico, presença do Brasil no mundo, afirmação da identidade cultural e dos
valores nacionais, defesa da soberania etc. Não há qualquer perigo de perdermos
essas batalhas mais simples. O difícil mesmo é fazer a revolução das reformas
em prol do bem estar da maioria da população. Mas isso é uma questão de visão!
Paulo Roberto de
Almeida, Brasília, 1240: 4 de abril de 2004.
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