Elas já eram paranoicas. Com os companheiros deram um passo à frente... na paranoia...
Paulo Roberto de Almeida
Folha de S.Paulo, 2/06/2014
Brasil e EUA precisam resolver suas "paranoias" recíprocas se quiserem ter uma parceria mais produtiva. "Hoje, quando os dois presidentes se encontram, só falam de ninharias", diz o publisher da revista "Foreign Policy", influente publicação americana sobre assuntos internacionais, David Rothkopf, 58.
Crítico duro do governo Barack Obama, apesar de ser democrata, Rothkopf acha que Brasil e EUA têm visões "caricaturais" um do outro e que a memória da Guerra Fria tem peso excessivo.
"Se a China desacelerar, se houver uma seca de capitais rumo aos emergentes, o que [a presidente Dilma Rousseff] vai fazer?", pergunta.
Seu próximo livro, a ser lançado em outubro, será sobre a política externa de Bush e Obama "na era do medo".
Ele recebeu a Folha em seu escritório em Washington.
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David Rothkopf, especialista em relações internacionais, ressalta relação difícil entre Brasil e EUA
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Folha - O Brasil pode ficar isolado se os dois blocos comerciais estimulados pelos EUA, com a Europa e com os países do Pacífico, saírem do papel?
David Rothkopf - Não parece que ninguém do governo brasileiro esteja preocupado com isso, senão fariam algo.
Dilma vai enfrentar muitos problemas domésticos em relação à economia. Se a China desacelerar, se os estímulos à economia americana forem reduzidos, se houver seca de capitais rumo aos emergentes, o que ela vai fazer?
Ela não mostrou apetite pela arena global. O Brasil tem seguido a política de fazer seus próprios negócios, desde que não sejam negócios com os Estados Unidos.
Por quê?
Todo país é colorido por sua história e tem suas paranoias. O Brasil é paranoico em ser dominado pelos EUA. Tem uma reação negativa anormal a qualquer projeto de cooperação com os EUA.
Como meu irmão é casado com brasileira, minha mulher já trabalhou lá e tenho muitos amigos brasileiros, acho que posso ser franco. Já os EUA são paranoicos com a ascensão brasileira e regularmente suas políticas na região querem deixar o Brasil de fora.
Depois da crise causada pela espionagem da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA), o sr. vê a possibilidade de reconstruir a confiança?
Se hoje os dois líderes se encontram, vão falar sobre o quê? Só de ninharia. Não conseguimos falar nem de liberar os vistos reciprocamente, nem de facilitar alfândega.
O melhor momento recente foi a relação entre [George W.] Bush e Lula. Veja só. Lula fez algo admirável, construindo em cima das fundações deixadas por Fernando Henrique Cardoso, que estabilizou a economia. Transformou o Brasil em um ator global.
Se eu fosse os EUA, cansado de guerras e querendo ter novos aliados no mundo, priorizaria essa gigante democracia no nosso hemisfério, com quem compartilhamos a diversidade cultural. Mas Dilma não é Lula.
É comum detectar antiamericanismo de um lado e um antiesquerdismo do outro. Vai demorar essa aproximação?
A memória da Guerra Fria tem um papel grande demais nos dois lados. Temos um problema aqui nos EUA: muitos dos nossos latino-americanistas foram educados na Guerra Fria e têm uma atitude automática contra a esquerda. Tratam igual, seja Cristina [Kirchner], [Evo] Morales, [Rafael] Correa, seja quem estiver à frente da Venezuela.
Onde estão hoje os líderes inovadores da América Latina? Na esquerda. Lula foi talvez o mais importante lider latino-americano dos últimos cem anos, e a reação inicial a ele foi negativa. Hoje, há um líder mais inovador do que [José] Mujica?
Do lado americano, é comum a reclamação de que o Brasil não se comporta como aliado, abstendo-se na crise da Ucrânia ou da Síria. O acordo com o Irã é lembrado até hoje.
O Irã foi "nonsense" (absurdo), mas Brasil e Turquia estavam por trás do acordo, e fizemos as pazes com a Turquia rapidinho por termos interesse. E olha que [Recep Tayyip] Erdogan não era tão legal quanto pensávamos.
Mas, se Dilma for reeleita, ela tem de pensar em como será a relação com Hillary Clinton ou com Jeb Bush, os favoritos para a sucessão de Obama. Há oportunidades para cooperação em ciência, energia, mudança climática.
Mas não parece que a América Latina esteja entre as prioridades do governo Obama.
Há 20 crises simultâneas, então só o que é problema vira prioridade. É a política velha, por inércia.
O mundo parece dar um suspiro de alívio quando um presidente americano, como Obama, diz preferir a diplomacia ao uso da força. Por que o sr. acha que não devemos comemorar?
Podemos celebrar o fim do uso exagerado da força dos anos Bush, mas Obama faz um governo minimalista. A menor ação possível, criando a ilusão de fazer muita coisa. Precisamos de uma combinação de diplomacia, pressão política e econômica, cooperação militar, ação legal, ação multilateral.
Obama não está de mãos atadas por uma opinião pública que não quer saber de guerra nem de intervenções no exterior e por um Congresso onde ele não tem maioria?
Não precisava ser binário –ou usamos força ou não fazemos nada. O povo americano não quer mais guerra, mas quer que o país lidere, que o mundo não se torne mais perigoso, que não sejamos cúmplices por inação pelo massacre na Síria. Ou pelo crescimento do terrorismo, ou por encorajar [Vladimir] Putin, ou por a China invadir vizinhos ou ilhas.
Falta liderança, energizar a opinião pública, identificar objetivos, convencer aliados. Obama é cauteloso demais e sem experiência de política externa. Sua equipe se tornou ainda mais fraca, com menos poder, no segundo mandato que no primeiro. Centraliza tudo na Casa Branca.
Quando os EUA falam em contenção de China ou Rússia, não acaba provocando reação de ambos, por se sentirem "cercados" pelos EUA?
A "contenção" é maior que os EUA admitem, mas menor do que os chineses reclamam. Os vizinhos da China não têm uma relação tão boa e não a querem como chefe por lá. É uma questão de avançar nossos interesses, de proteger nossos aliados. A China tem uma estratégia, dá a volta ao mundo com o talão de cheques na mão, cria interdependência. Nós não temos estratégia.
Os EUA perderam a moral para denunciar a pirataria cibernética chinesa?
Ambos espionam e admitem. Os EUA dizem "vocês roubam segredos industriais para dar às suas empresas, nós cuidamos da segurança nacional", mas a China retruca que os EUA querem benefícios comerciais e que espionaram a [empresa] Huawei.
Na Guerra Fria, o preço do conflito ficou tão alto com a possibilidade de guerra nuclear que não lutamos porque seria a destruição. Já os ataques cibernéticos, assim como os drones, sem humanos, são baratos demais. O perigo é não pararem nunca. Em que ponto veremos que fomos longe demais?
A crise da NSA também demonstrou como os governos ainda conhecem pouco a segurança digital?
Não há tanta gente no governo, especialmente em altos cargos, que entenda o mundo cyber. Sete bilhões de pessoas terão celular, e o fluxo de dados já é mais importante que o de capital. Privacidade é uma nova prioridade, e não temos uma doutrina cibernética, nem debate, nem normas globais.
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