sábado, 8 de julho de 2023

Francisco Doratioto: um tesouro sobre a diplomacia do Rio da Prata

 A página do historiador e professor Francisco Doratioto é constituída por um oceano de bons textos sobre diplomacia platina do Brasil e dos paises do Rio da Prata

Paulo Roberto de Almeida


ACTIVITY

Francisco Doratioto hasn't posted lately. See what your network is talking about.

Explore conversations

UPLOADS

Books
Papers
História (São Paulo), 2022
RESUMO Este artigo analisa a política da Argentina quanto a Segunda Guerra Mundial e sua repercus... more 
8 Views
Navigator, 2015
This article analyzes three attempts to reach an armistice during the Paraguay War in order to br... more 
5 Views
Navigator, 2010
The article analyzes the politics of the Empire of Brazil in Rio de la Plata, from 1822 to 1852, ... more 
9 Views
Revista Eletrônica da ANPHLAC, 2017
Apresentação do dossiê "Américas: guerra e paz"
15 Views
Oxford Research Encyclopedia of Latin American History, 2016
In 1863 and 1864, historical and political contradictions in the River Plate region led to civil ... more 
9 Views
Textos De Historia Revista Do Programa De Pos Graduacao Em Historia Da Unb, Dec 24, 2009
O artigo analisa a politica externa do Imperio do Brasil em relacao a Argentina, de 1822 a 1889. ... more 
23 Views
Res gesta, 1998
Información del artículo Brasil, Argentina y la guerra civil paraguaya de 1911/1912.
1 View
A Abertura Para O Mundo 1889 1930 2012 Isbn 978 85 390 0386 0 Pags 133 172, 2012
4 Views
The article shows that, after the war against the Triple Alliance (1865-1870), Paraguay became ec... more 
3 Views
Um dos conflitos mais sangrentos da America Latina, a guerra entre a Triplice Alianca —Argentina,... more 
31 Views
O objetivo do presente artigo e apresentar o vetor geografico como um determinante da politica ex... more 
5 Views
História Econômica & História de Empresas
A Guerra do Paraguai constitui um marco na história do Brasil. Foi o primeiro acontecimento histó... more 
13 Views
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 2020
The article analyses the Paraguayan and Uruguayan foreign policies in relation to World War II an... more 
11 Views
Análise das políticas das diplomacias argentina e brasileira quanto à disputa entre a Bolívia e o... more 
419 Views
Analisis de la política exterior paraguaya, entre 1920 y 1925, en relación a Brasil y Argentina.
132 Views
Breve análise da evolução das relações Brasil-Paraguai do século XIX até 2014.
164 Views
El nacionalismo paraguayo, predominante durante el siglo XX, se confunde con la exaltación de la ... more 
327 Views
In 1863 and 1864, historical and political contradictions in the River Plate region led to civil ... more 
26 Views
This article analyzes three attempts to reach an armistice during the Paraguay War in order to br... more 
612 Views
O objetivo do presente artigo é apresentar o vetor geográfico como um determinante da política ex... more 
187 Views
Revista Brasileira De Politica Internacional, 2000
This article focus on the Brazilian foreign policy in the Rio Branco years. From 1902 to 1912, th... more 
267 Views

Por que a tal de ‘nova ordem mundial’ é uma má ideia? - Paulo Roberto de Almeida

Um dos artigos já publicados na revista Crusoé:  

1511. “Por que a tal de ‘nova ordem mundial’ é uma má ideia?”, Brasília, 26 abril 2023, 4 p. Artigo publicado na revista Crusoé (9/06/2023; link: https://oantagonista.uol.com.br/mundo/crusoe-por-que-a-tal-de-nova-ordem-mundial-e-uma-ma-ideia-2/). Relação de Originais n. 4374.

Por que a tal de 'nova ordem mundial' é uma má ideia?

 

Paulo Roberto de Almeida, Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Publicado na revista Crusoé (9/06/2023; link: https://oantagonista.uol.com.br/mundo/crusoe-por-que-a-tal-de-nova-ordem-mundial-e-uma-ma-ideia-2/).

  

Qualquer sugestão, proposta, imposição ou surgimento de uma nova ordem política e econômica, a mais forte razão, uma ordem que seja global, implica, necessariamente, a ruptura com a ordem pré-existente, em curso ou vigência num determinado período ou região. Normalmente, quaisquer ordens existentes são naturalmente transformadas ao cabo ou progressivamente a partir de mudanças estruturais nos sistemas econômicos e regimes políticos sobre os quais se sustentavam durante certo tempo. Mudanças “transformacionais” sempre ocorreram ao longo de toda a história humana, mesmo naqueles impérios mais solidamente estabelecidos ao longo de séculos. As rupturas são mais raras, sobrevindo como resultados de grandes catástrofes, guerras civis ou de agressão por um império mais forte.

 

Quais foram as grandes rupturas da ordem mundial na história?

Estados-nacionais constituem um tipo de organização estatal relativamente recente na história da humanidade. Anteriormente, povos, etnias, religiões, reinos e comunidades de diversas origens e formação viviam, sobreviviam ou se transformavam em ritmos e interações relativamente erráticas, mais frequentemente sob o domínio de impérios, que sempre foram mais resilientes do que pequenas unidades políticas. O conceito de Estado nacional deriva dos acordos de Westfália, em 1648, que passaram a reconhecer certos direitos e soberanias dos poucos Estados que deles participaram no século XVII. Eles são quase contemporâneos da expansão e consolidação de um dos mais longevos impérios desde a era moderna: o império otomano, que quase conquistava Viena por essa época e que durou cerca de 600 anos até ser dissolvido ao final da Grande Guerra de 1914-18. Antes disso, os impérios com maior destaque na história do mundo foram o romano (seis séculos desde 300 a.C.) e o chinês, que se arrastou por 26 dinastias desde 2 mil anos a.C. até o início do século XX. 

Cada um dos impérios relativamente organizados e resilientes nasceram, perduraram e desapareceram em meio a grandes rupturas da ordem que eles tinham conseguido estabelecer nos seus períodos respectivos de dominação bem-sucedida. O próprio Império Celeste foi por duas vezes transformado por invasões de povos estrangeiros: os mongóis, no século XII, que formaram o maior império do mundo nos 300 anos seguintes, e os manchus, que substituíram a dinastia Ming no século XVII. O grande Império Mughal, da Índia, foi conquistado pela Companhia Britânica das Índias Orientais, antes de ser cedido/vendido, ao Império britânico, o maior império da era contemporânea até seu desmembramento no pós-Segunda Guerra. As rupturas mais evidentes numa história mais regional do que global são relativamente poucas.

Na sequência da dissolução do Império romano do Ocidente – o do Oriente durou mil anos mais, como relatou Edward Gibbon –, os territórios atuais da Europa ocidental e central se fragmentaram em contínuas guerras, aparentemente unificadas pela fé cristã e por uma aparência de Sacro Império Romano-Germânico e pela dominação tanto espiritual quanto temporal da Santa Sé. A primeira ruptura da ordem política nas comunidades cristãs se deu a partir do revisionismo protestante, contra o império católico comandado a partir de Roma, por papas nem sempre muito cristãos. As guerras de religião que se disseminaram a partir do desafio de Lutero (e de outros exegetas da fé cristã) foram responsáveis por imensas destruições no coração da Europa até que o respeito à soberania respectiva de cada Estado cristão foi consagrado pelos tratados de Westfália. 

O Sacro Império Romano-Germânico sobreviveu precariamente durante quase dois séculos, até ser declarado extinto por Napoleão, cujas invasões (Itália, Prússia, países ibérios, até a Rússia) alteraram completamente o mapa da Europa e até do mundo (independências das colônias ibero-americanas). Uma nova ordem, quase global, foi então estabelecida formalmente em Viena, em 1815, no seguimento das guerras napoleônicas, num contexto de domínio generalizado das novas potências europeias sobre grande parte do mundo. Essa ordem, apenas ligeiramente perturbada pela primeira guerra da Crimeia (1853-55), persistiu por quase um século, até ser desmantelada completamente na Grande Guerra de 1914-18, quando pela primeira vez se tentou estabelecer um sistema multilateral, a Liga das Nações, para garantir a paz e a segurança internacionais. A experiência não foi das bem-sucedidas, pois que três tentativas de restabelecer o equilíbrio de potências e a cooperação econômica sob o signo do padrão ouro fracassaram completamente em seus objetivos: a conferência monetária de Gênova (1922), a comercial de Genebra (1927) e a econômico-financeira de Londres (1934). A partir daí, o mundo entrou num vórtice de guerras locais até o precipício.

O fracasso se deu basicamente em função das potências revisionistas do entre guerras, todas elas de tendências autoritárias e expansionistas: depois do desafio bolchevique à ordem capitalista, a tentativa mussolinista de reconstruir a grandeza do antigo império romano, o ímpeto revanchista da Alemanha hitlerista, desejosa de se vingar das humilhações infringidas pelo Tratado de Versalhes (1919) e o desejo dos militaristas fascistas do Japão de estabelecer o seu próprio domínio na Ásia Pacífico e na China, em substituição ao imperialismo das potências ocidentais, todos esses processos precipitaram a maior catástrofe bélica e humana jamais vista na história. Ela deu lugar a uma nova ordem mundial, forjada em Bretton Woods, formalizada em San Francisco e que se manteve num contexto de bipolaridade geopolítica e nuclear até 1991. Essa ordem durou algumas décadas, mas já tem desafios.

 

O que são potências revisionistas? Qual a experiência histórica com elas?

Potências revisionistas costumam ser impérios ascendentes, ou Estados nacionais fortes o bastante para elevar a sua voz no plano externo, e que, descontentes com a estrutura de poder que encontraram em seu processo de ascensão, decidem contestar a ordem existente. Em quase todas as ocasiões, o resultado de ambições não acomodadas numa acomodação e num confronto interimperial, o resultado foi o deslanchar de conflitos bélicos que podem chegar a um equilíbrio de forças total ou parcialmente novo. Assim ocorreu no contexto das guerras napoleônicas, do início do século XIX, assim como no fracasso do equilíbrio de potências europeias um século depois, que redundou na primeira tentativa de estabelecimento de um sistema multilateral para administrar, ainda que de forma oligárquica, paz e segurança internacional. A Liga das Nações era uma promessa de gestão de conflitos que jamais chegou a ser eficaz para os objetivos a que se propunha: não conseguiu responder a contento nem na invasão da Manchúria pelo Japão em 1931, nem na da Abissínia (o único Estado africano membro da Liga) massacrada pela Itália em 1937, nem nas crises sucessivas criadas por Hitler desde sua ascensão ao poder, inclusive no apoio bélico ao general Franco na guerra civil que destruiu a República espanhola entre 1936 e 1939.

Não foi possível, a despeito de todas as concessões, contentar todas as potências ascendentes, possuindo novas aspirações de um lugar ao sol, no quadro da dominação de poucos imperialismos europeus sobre a maior parte das periferias fornecedoras de matérias primas. O resultado traduziu-se na espiral agônica dos fascismos expansionistas que engolfou quase todo o mundo entre 1937 (invasão do resto da China pelo Japão) e entre 1939-1945, até sua derrota completa na maior conflagração bélica da história, com destruição generalizada na Europa e na Ásia e consequências para o resto do mundo. 

Não obstante oito décadas de paz relativa – não esquecendo as guerras por procuração no intervalo –, o mundo parece aproximar-se de um novo período de tensões causada por potências revisionistas: a Rússia, desejosa de se vingar das humilhações sofridas depois do desmantelamento do império soviético, em 1991, a China, descobrindo que o império americano deseja conter sua ascensão, e disposta a nunca mais sofrer as humilhações impostas pelas potências ocidentais e pelo Japão desde o declínio do Celeste Império, na dinastia Qing. Estaríamos chegando perto de uma nova ruptura da ordem mundial? 

 

O Brasil precisa de uma nova ordem global? Tem algo a ganhar com isso?

O Brasil foi um dos países “periféricos” e “subdesenvolvidos” que mais se beneficiou com a nova ordem surgida nos estertores da Segunda Guerra, em Bretton Woods, para sua estrutura econômica, San Francisco para seu sistema (precário) de preservação da paz e da segurança internacionais, além de mecanismos próprios para a cooperação entre Estados. Mesmo sem ser um grande comerciante global, soube aproveitar as possibilidades de explorar suas vantagens comparativas para se tornar, atualmente, um dos grandes celeiros globais. Também acolheu enormes volumes de investimentos diretos estrangeiros para dinamizar sua pobre indústria do início do século XX. E também completou a “substituição de importações” no campo científico ao importar muitos cérebros para suas universidades e mandar milhares de estudantes graduados completarem especializações no exterior. 

Que razões teria para o projeto de substituir a ordem que garantiu razoavelmente sua gradual ascensão a uma das mais importantes economias do mundo por uma outra ordem global que resultasse de um novo conflito geopolítico de resultados imprevisíveis? Algum interesse maior de natureza tão fundamental que não permitisse acomodar suas aspirações nos quadros existentes da ordem de Bretton Woods e da ONU? Estruturas orgânicas à parte, essa nova ordem, tal como vem sendo proposta por duas grandes autocracias não ocidentais, teria condições de preservar seus outros vetores no terreno dos valores e princípios que fundamentam sua adesão a um regime democrático, a um Estado de Direito garantidor das liberdades e de adequada defesa dos direitos humanos, numa sociedade aberta às diferenças e ao respeito das individualidades? Trata-se de uma aposta arriscada, que não deveria ser sequer considerada por um governo representativo de nossas aspirações democráticas.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4374: 26 abril 2023, 4 p.

Publicado na revista Crusoé (9/06/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/267/por-que-a-tal-de-nova-ordem-mundial-e-uma-ma-ideia/?utm_source=crs-site&utm_medium=crs-login&utm_campaign=redir).



A “neutralidade” sempre ajuda o opressor, prejudicando a vítima - Elie Wiesel, Paulo Roberto de Almeida

Sobre a tal de “neutralidade” na “guerra da Ucrânia”

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre argumentos de Elie Wiesel e de Rui Barbosa.

  

O Brasil de Bolsonaro foi assim, o Brasil de Lula 3 está sendo assim, o Brasil de muita gente, provavelmente a maioria, e com ela também a maioria do chamado “Sul Global”, uma entidade diáfana, inventada por acadêmicos e gente bem pensante (mas que formalmente não existe), todo esse povo, oficialmente ou apenas declaradamente, sem qualquer outra explicação mais explícita, é objetivamente, abertamente ou implicitamente NEUTRO em relação à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, evitando fornecer armas e outros materiais bélicos para um ou outro lado daquilo que eles chamam de “conflito”, ou apenas “guerra” da ou na Ucrânia (uma expressão banida na Rússia de Putin, podendo render vários anos de prisão para quem assim se referir ao que o tirano de Moscou apenas chama de “operação militar especial”), mas aproveitando para continuar a manter relações comerciais e outras, com uma ou outra parte no “conflito”, o que ocasionalmente pode render algum lucro ou vantagem temporária na “contenda”, algum desconto na aquisição, grandes lucros na revenda de materiais com valor de mercado, embora continuando a apregoar a sua “neutralidade” em relação ao “conflito” em si.

Pois bem, não preciso me referir novamente ao famoso discurso feito em Buenos Aires pelo eminente jurista, politico e intelectual brasileiro Rui Barbosa, por ocasião do primeiro centenário da independência argentina, em 1916, quando, ao mencionar a invasão da Bélgica neutra pelas tropas do Império alemão no curso da Grande Guerra, ele proclamou solenemente que não se pode ser neutro entre a Justiça e o crime, ante a injustiça, a violência e a opressão, entre um opressor e o oprimido, e que não há imparcialidade possível nessas circunstâncias.

Esse famoso discurso, mais popularmente conhecido como “os deveres dos neutros”, justamente, pode ser encontrado numa publicação da Fundação Casa de Rui Barbosa, de 1983, formalmente intitulada Conceitos Modernos de Direito Internacional. Ele fundamentou em parte o abandono pelo Brasil da sua postura oficial de “neutralidade” em relação à guerra europeia (e mundial), mas apenas depois que submarinos do Reich torpedearem barcos brasileiros no Atlântico, o que também ocorreu antes do rompimento de nossa neutralidade em circunstâncias semelhantes no curso do que já tinha ficado conhecido como Segunda Guerra Mundial. 

Esse mesmo discurso de Rui Barbosa e seus argumentos irrespondíveis foram fundamentais para que o então chanceler Oswaldo Aranha apoiasse sua tomada de posição em favor da cessação da postura oficial de neutralidade em relação ao “conflito” em curso, rompendo relações diplomáticas comas potências do Eixo (ou “Pacto de Aço”), a Alemanha nazista, a Itália fascista e o Japão militarista, e depois declarando guerra aos agressores (mas, também, só depois que submarinos nazistas afundaram navios brasileiros em nossas costas, comperdas humanas e materiais, além dos próprios crimes de guerra).

Esse discurso de Rui Barbosa, assim como diversos dos seus outros discursos por ocasião da segunda Conferência da Paz da Haia, em 1907, constituem um marco conceitual relevante na formulação jurídica e na implementação prática da doutrina diplomática brasileira, integrando nosso patrimônio político e moral na tomada de posição em relevantes questões da agenda internacional, sobretudo em problemas atinentes à paz e a segurança internacionais, tal como modernamente regulamentadas pelos principais dispositivos da Carta das Nações Unidas (contra a guerra e a opressão, justamente), assim como em diversos outros instrumentos do Direito Internacional. Ou pelo menos constituíam, pois que desde a invasão violenta e a anexação ilegal, pela mesma Rússia, em 2014, da península ucraniana da Crimeia, tais princípios de Direito Internacional e do sistema político multilateral parecem ter deixado de fazer parte de nossa doutrina diplomática, pois que o Brasil do governo Dilma Rousseff não tomou oficialmente posição, ou declarou informalmente sua “neutralidade” em relação àquela violência perpetrada contra um Estado soberano, membro das Nações Unidas. Naquela ocasião, diversos estados membros da Organização das Nações Unidas, tomaram oficialmente posição, mas não o Brasil, na defesa dos princípios da Carta da ONU, acusando a violação do Direito Internacional e adotando sanções contra o agressor, sanções inteiramente conformes ao espírito e à letra dos artigos 41 e 42 da Carta, apenas “unilaterais” em virtude do uso abusivo do “direito de veto” pela Rússia, então como agora, em circunstâncias similares e até semelhantes, mas de natureza muito mais grave, pois que estamos falando da invasão unilateral, não provocada, do território soberano de um Estado parte por outro membro, inclusive em situação ainda mais ilegal, pois que formalmente responsável pela garantia da lei e da ordem, da paz e da segurança internacionais, em conformidade com os princípios que regem a atuação dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, como é o caso da Rússia.

Voltando ao tema da “neutralidade” brasileira, e retomando princípios e valores que já pareciam consagrados em nossa doutrina jurídico-diplomática desde Rui Barbosa, hoje aparentemente esquecidos pelos governos de Bolsonaro e de Lula, gostaria de remeter a argumentos de natureza simplesmente moral, ou de cunho apenas humanos, expostos pelo sobrevivente do Holocausto nazista, o judeu polonês Elie Wiesel, tal como transcritos abaixo:

“We must take sides. Neutrality helps the oppressor, never the victim. Silence encourages the tormentor, never the tormented. Sometimes we must interfere. When human lives are endangered, when human dignity is in jeopardy, national borders and sensitivities become irrelevant. Wherever men and women are persecuted because of their race, religion, or political views, that place must — at that moment — become the center of the universe.”

Elie Wiesel

 

Tradução livre:

“Precisamos tomar partido. A neutralidade ajuda o opressor, jamais a vítima. O silêncio encoraja o torturador, nunca o torturado. Em algumas ocasiões, precisamos interferir. Quando vidas humanas estão em perigo, quando a dignidade humana está sob ameaça, quando as fronteiras nacionais e as sensibilidades se tornam irrelevantes. Onde quer que homens e mulheres são perseguidos por causa de sua raça, religião ou posturas políticas, aquele lugar precisa — naquele momento — tornar-se o centro do universo.”

Este é o caso, este é o momento, em relação à guerra de agressão, ilegal, desumana, contra o país e o povo da Ucrânia, violadora do Direito e da consciência universais. Os princípios e valores da nossa tradição diplomática, as cláusulas de relações internacionais de nossa própria Constituição assim o pedem. Assim deveríamos fazer: tomar partido, como recomendava Rui Barbosa, cono aquiesceu Oswaldo Aranha, como apelou Elie Wiesel. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4431, 8 julho 2023, 3 p.


sexta-feira, 7 de julho de 2023

Grandezas e misérias da diplomacia presidencial: o caso do Brasil - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 Meu artigo mais recente publicado na revista Criusoé: 

4414. “Grandezas e misérias da diplomacia presidencial: o caso do Brasil”, Brasília, 11 junho 2023, 4 p. Artigo para a revista Crusoé. Publicado em 7/07/2023 (link: https://oantagonista.uol.com.br/opiniao/crusoe-grandezas-e-miserias-da-diplomacia-presidencial/). Relação de Publicados n. 1515. 


Grandezas e misérias da diplomacia presidencial: o caso do Brasil

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre uma ferramenta muito delicada: a diplomacia feita por chefes de governo. 

Revista Crusoé (7/07/2023; link: https://oantagonista.uol.com.br/opiniao/crusoe-grandezas-e-miserias-da-diplomacia-presidencial/). Relação de Publicados n. 1515.

  

A diplomacia foi inventada para que os soberanos não tivessem de recorrer à guerra cada vez que surgisse uma desavença qualquer entre duas nações vizinhas. Nem sempre foi exercida por diplomatas profissionais, sendo que a existência e a continuidade de enviados permanentes, acreditados junto a Estados estrangeiros, são fenômenos relativamente recentes na história da humanidade, começando a se desenvolver na idade moderna, mais exatamente a partir das grandes navegações, e tomando uma forma mais elaborado no Congresso de Viena de 1815, ao final das guerras napoleônicas. Antes, e mesmo depois desse famoso congresso – objeto de uma tese de doutorado do mais famoso diplomata contemporâneo, o agora centenário Henry Kissinger –, o mais usual era o envio de enviados extraordinários, ou ministros plenipotenciários, junto às cortes e governos dos países amigos, com os quais havia interesse em negociar tratados de comércio e navegação ou para tratar de questões delicadas surgidas nessas relações. Na Europa do Antigo Regime, esse intercâmbio de representantes dos soberanos adquiriu certa amplitude e intensidade, com o que a “troca” de embaixadores passou a ser mais frequente.

Eram bem mais raros, todavia, os encontros entre os próprios soberanos, não apenas pela dificuldade de comunicações, como pela pompa que um deslocamento real exigia. Nas democracias burguesas do século 19, tais encontros começaram a frutificar, mas apenas por ocasião de visitas bilaterais, visando os mais altos interesses dos Estados. Nem no Congresso de Viena isso ocorreu, pois os assuntos mais relevantes da Europa pós-napoleônica foram tratados entre os chanceler dos Estados mais importantes ou seus designados especiais. As negociações de paz de Paris, em 1919, contaram com a presença do presidente americano Woodrow Wilson, que ali apresentou seus famosos “14 pontos” – onde figurava a criação da primeira organização multilateral voltada para a paz e a segurança, a Liga das Nações –, mas os demais participantes foram representados por seus ministros das relações exteriores ou, no máximo, pelos primeiros-ministros, dado o formato quase geral de regimes parlamentares. 

A partir daí, a configuração das relações diplomatas passa a ser objeto de regras bastante minuciosas, até que estas fossem finalmente formalizadas nas duas convenções de Viena do início dos anos 1960, sobre relações diplomáticas e consulares. Mas, os encontros de cúpula permaneciam ainda assim muito raros, sendo mesmo excepcionais, ...

(...)

Um dos problemas da diplomacia presidencial é justamente esse, o entusiasmo do dirigente máximo pelos seus próprios projetos pessoais, sem que eles tenham sido estudados e avaliados pela corporação dos profissionais da diplomacia e por outros assessores especializados da burocracia estatal, de maneira a mapear devidamente o caminho que o chefe de Estado, e de governo, pretende trilhar nas relações exteriores, como forma de evitar surpresas desagradáveis, como essa de ficar falando sozinho sobre um tal de “Clube da Paz”. Outro tema constrangedor, para diplomatas e responsáveis econômicos, é ver o presidente deblaterar contra o dólar, ao pretender “libertar” o Brasil, o Mercosul, o Brics, e quem mais quiser, dessa incômoda “dependência” do dólar, propondo sua substituição por uma “moeda comum”, cuja viabilidade é próxima de zero nos anos de seu mandato. Diplomacia presidencial pode ser útil, em determinadas circunstâncias, mas exercida em excesso pode ter efeitos inesperadas para quem pretende voltar triunfalmente aos cenários globais.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4014, 12 junho 2023, 4 p.

Revista Crusoé (7/07/2023; link: https://oantagonista.uol.com.br/opiniao/crusoe-grandezas-e-miserias-da-diplomacia-presidencial/)



Agonia e desastre no Mercosul? Via Lula???!!!

  Lula divide o Mercosul e pode causar o fim do bloco


Lula está ficando cada vez mais isolado no Mercosul. O petista assumiu, na última terça-feira, 4, a presidência temporária do bloco até dezembro deste ano, sob uma série de pressões dos vizinhos, em especial do Uruguai e do Paraguai, ambos governados por líderes de centro-direita que discordam das aspirações do líder brasileiro no que diz respeito à política e economia dos países membros da aliança comercial.

Em mais de 30 anos, essa é a primeira vez que a crise diplomática coloca em risco real a existência do grupo.

O Mercosul surgiu em 1991, depois de décadas de negociações entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, mas outros países da região juntaram-se ao bloco.

O mais recente foi a Bolívia, que tenta a adesão, mas ainda não foi aprovada pelos demais membros. O principal ponto de discordância, que coloca Lula em choque com os presidentes do Paraguai e Uruguai, no entanto, está na estratégia do petista de incluir, a todo custo, a Venezuela no bloco.

O país governado pelo ditador Nicolás Maduro, contudo, está suspenso da entidade desde 2017, por causa da “ruptura na ordem democrática”, mediante violações aos direitos políticos e humanos a opositores venezuelanos, mas o petista quer mudar esse cenário, mesmo sem ter apoio dos colegas.

Os presidentes Mario Abdo Benítez, do Paraguai e Luis Lacalle Pou, do Uruguai, rechaçam, com veemência, a disposição de Lula na inclusão de Maduro no grupo.

fechar acordos paralelos de livre comércio com a China, por exemplo.

Na abertura da 62ª reunião de cúpula do bloco, realizada em Puerto Iguazú, na Argentina, na terça-feira, Lacalle Pou foi contundente. “O Mercosul tem que dar sinal claro para que o povo venezuelano caminhe para uma democracia plena.”

Benítez endossou a posição do uruguaio. “O único limite razoável para a integração dos países deve ser o respeito à democracia e aos direitos humanos”, declarou o dirigente paraguaio.

Lula estende o tape a Maduro
Em maio, quando Lula recebeu Maduro com pompa em Brasília, acompanhando-o na subida à rampa do Planalto, Lacalle já havia ficado indignado com a deferência concedida por Lula ao venezuelano.

O que mais irritou o uruguaio e o paraguaio naquela oportunidade foi o fato de o petista ter dito que a Venezuela era vítima de narrativas de que o país vive sob uma ditadura. Na época, até o presidente do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, rebateu o brasileiro, argumentando que a questão “não é uma construção de narrativa, é uma realidade, e é séria”.

No encontro em Puerto Iguazú, onde está localizada a tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai, Lula evitou falar em Maduro para impedir que a reunião azedasse de vez.

Mesmo assim, o assunto foi mantido revigorado por Lacalle e Benítez, que protestaram contra a decisão da ditadura de Maduro ter declarado a inelegibilidade da opositora Maria Corina Machado, na última sexta-feira, 30.

Corina tem o maior potencial para enfrentar Maduro nas eleições do ano que vem.

“Está claro que a Venezuela não vai virar uma democracia saudável, e quando há um indício de possibilidade de uma eleição, uma candidata como Maria Corina Machado, que tem um enorme potencial, é desqualificada por motivos políticos, não jurídicos”, disse Lacalle.

Lula, no entanto, preferiu desconversar, dizendo que não sabia dos detalhes que barraram a candidatura de Corina.

Antes dela, Maduro já havia vetado as candidaturas presidenciais de Henrique Capriles e Juan Guaidó. “Em relação à Venezuela, todos os problemas que a gente tiver de democracia, a gente não se esconde, a gente enfrenta. Não conheço os pormenores dos problemas com os candidatos, mas pretendo conhecer”, disse Lula, esquivando-se.


“O Mercosul tem que dar sinal claro para que o povo venezuelano caminhe para uma democracia plena.”
Luis Lacalle Pou, presidente do Uruguai
Uma Amazônia no calcanhar de Lula
Além do mal-estar por causa da Venezuela, Lula tem outro grande desafio para enfrentar. Ele precisa destravar o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, cujas negociações estão paralisadas desde 2019.

O texto que prevê a cooperação entre os dois blocos de comércio está sendo negociado há duas décadas, mas, até agora, não saiu do papel, por causa de exigências que acabaram de ser feitas, de forma unilateral, pela União Europeia.

Para assinar o acordo, os europeus exigem que o Brasil assuma o compromisso de preservar a Amazônia.

Lula ficou revoltado com essa exigência. O presidente brasileiro criticou, durante a reunião de Puerto Iguazú os termos impostos pelos europeus, afirmando que se tratavam “de cláusulas abusivas”.

A União Europeia não quer só atingir o Brasil, mas também os demais países sul-americanos, exigindo que invistam em políticas efetivas de preservação ambiental, sob pena de sanções aos produtos vendidos com base no acordo.

Por outro lado, não haveria nenhum tipo de compensação, caso as nações do Velho Continente descumprissem algum acordo internacional no mesmo sentido. Para o petista, é inaceitável assinar um acordo sob essas circunstâncias.

Acordo com a União Europeia
O posicionamento de Lula, contudo, não é acompanhado pelos demais presidentes, em especial Lacalle Pou. O uruguaio defende que o bloco realize logo o acordo com os europeus e flexibilize as regras para novos entendimentos bilaterais.

. Há dois anos, o governo de Montevidéu tenta firmar uma parceria com a China, mas é impedida por cláusulas do Mercosul, nas quais ou entram todos ou não entra ninguém.

Lacalle Pou tem afirmado que o Uruguai está disposto a deixar o Mercosul, caso as demandas do país não sejam atendidas. Ele defende que o bloco precisa se modernizar, além de reclamar que a balança comercial do Uruguai com os vizinhos está em déficit.

Ao final do encontro, ele se recusou a assinar um documento em que Brasil, Argentina e Paraguai se colocam dispostos a perseguir um entendimento com os europeus, mas não cita os pedidos de Montevidéu.

No Uruguai, a imprensa local elogiou a postura do presidente em defender os interesses nacionais e criticar a demora do bloco em firmar acordos internacionais. O jornal El País afirmou que um eventual “Uruexit” não seria algo caprichoso, muito pelo contrário.

Para o professor de Relações Internacionais da USP, Amâncio Jorge de Oliveira, a situação em que Lula assume o Mercosul é bastante desfavorável.

Ele acredita que será muito difícil para o brasileiro reverter a situação nos seis meses que terá à frente do Mercosul e que, provavelmente, não encerrará o acordo com os europeus, a principal demanda do bloco no momento.

“Lula considerou que é uma carta protecionista e que o Mercosul deveria dar uma resposta contundente, mas não tem o respaldo do Paraguai e Uruguai. Existe um desalinhamento no interior do bloco, com posições heterogêneas. A realidade de Lula nos primeiros governos tinha uma harmonia maior. Hoje temos dois governos de centro-direita, que desalinham o bloco”, explica Oliveira.

https://istoe.com.br/lula-divide-o-mercosul-e-pode-causar-fim-do-bloco/

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Formação do capital humano na diplomacia brasileira: de 1995 a 2021 - Paulo Roberto de Almeida, in: Albuquerque-Uehara: 25 Anos de Política Externa Brasileira

 Mais recente capítulo de livro publicado: 

1514. “Formação do capital humano na diplomacia brasileira: de 1995 a 2021”, In: Albuquerque, José Augusto Guilhon de (org.); Uehara, Alexandre (ed.), 25 Anos de Política Externa Brasileira, 1996-2021. São Paulo: Fonte Editorial, 2023; ISBN: 978-65-00-74044-8, p. ). Relação de Originais n. 4160. 


Formação do capital humano na diplomacia brasileira: de 1995 a 2021 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor; diretor de publicações no IHG-DF.

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

[Colaboração à obra 25 Anos de Política Externa Brasileira, 1996-2021; José Augusto Guilhon de Albuquerque (org.); Alexandre Uehara (ed.); São Paulo: Fonte Editorial, 2023] 

  

Sumário: 

1. Introdução: a formação do capital intelectual do Itamaraty

2. O contexto político-diplomático do Brasil a partir de 1995

3. O Instituto Rio Branco vinte anos depois de sua instalação em Brasília

4. Mudanças curriculares, aperfeiçoamentos institucionais: o rito de iniciação do CAE

5. Reflexos das inflexões políticas na política externa e no processo de formação

6. Reflexos da formação do capital humano na formulação-execução da política externa

7. Conclusões: o Bildung do diplomata brasileiro, não isento de interferências 

Bibliografia e referências

 

1. Introdução: a formação do capital intelectual do Itamaraty

Discorrer sobre a formação do capital humano do Itamaraty no último quarto de século implica dissertar brevemente sobre o que foi e como evoluiu o ambiente político doméstico, como isso se refletiu na diplomacia e repercussões no recrutamento, formação e treinamento da mão-de-obra com que conta o serviço exterior brasileiro, seu principal ativo e quase único instrumento de trabalho. Não é uma novidade reafirmar que a diplomacia é basicamente capital intelectual, uma vez que todo o resto do seu “patrimônio” é constituído de meios técnicos – escritórios, computadores, meios de comunicação, recursos para manutenção e o desempenho das tarefas – que são indiferentes aos objetivos a que servem. O Itamaraty é a expressão do trabalho dos seus diplomatas enquanto agentes do Estado.

A diplomacia é descrita por três funções principais: informação, representação e negociação. Mais importante, contudo, é a qualidade do pessoal que manipula, transforma e se serve das informações com o fito de oferecer aos negociadores insumos indispensáveis ao desempenho das duas outras tarefas, o que requer um pessoal especializado, seletivamente recrutado, treinado e testado. O foco é o conhecimento, isto é, pessoal capacitado e preparado para cumprir as atividades externas ao ambiente burocrático doméstico no qual trabalha.

Tal conhecimento já vinha “embutido” na antiga categoria dos diplomatas do Império e da velha República, que permaneciam no exterior, antes da unificação das três carreiras na era Vargas. O pessoal diplomático passou a ser recrutado e formado pelo Instituto Rio Branco a partir de 1945, quando foi criado o “monopólio” legal da seleção e formação dos candidatos à carreira, através do processo seletivo para o seu curso, além de poucos “concursos diretos”. 

Este ensaio discutirá algumas questões pertinentes a essa formação, em conexão com a evolução da política externa e da própria diplomacia no último quarto de século, ou seja, desde a administração Fernando Henrique Cardoso até o início do governo Bolsonaro. Ele tem por base uma consulta detida aos relatórios anuais do IRBr, cabendo registrar, entretanto, uma lacuna dessas publicações anuais entre 1991 e 2012, período parcialmente suprido com consultas temáticas (professores, concursos) em outras fontes ou anos. 

 

2. O contexto político-diplomático do Brasil a partir de 1995

(...)


O império econômico chinês em construção: resenha de livro de Agustin Barletti

 China y su camino a la hegemonía mundial - Libro

Diario La Prensa

https://www.laprensa.com.ar/531559-China-y-su-camino-a-la-hegemonia-mundial.note.aspx

El hambre del dragón

Por Agustín Barletti

De los Cuatro Vientos. 350 páginas

“Dejad dormir al gigante. Cuando China despierte, el mundo temblará”, aseguran que dijo Napoleón hace más de dos siglos. En las últimas décadas también se habla y opina mucho acerca del gigante asiático, pero poco se sabe realmente, con datos precisos, sobre las políticas implementas para lograr el liderazgo mundial y el orden interno impuesto en esa dirección, muchas veces reñido con los derechos humanos y la democracia.

Basada en una amplia bibliografía y heterogéneas y confiables fuentes, El hambre del dragón ofrece una muy completa visión de la realidad china que incluye un acercamiento en profundidad a las principales características de aquella impronta que emana desde Pekín hacia el exterior, y también un análisis equilibrado sobre le régimen que lidera Xi Jinping desde 2013.

Su autor Agustín Barletti -escritor, periodista e historiador- sostiene que en la actualidad China tiene más de 220 proyectos en curso en los cinco continentes y que las instituciones chinas apoyan esas iniciativas con capitales por aproximadamente 300.000 millones de dólares. Los planes para expandirse a nivel mundial se realizan, en gran medida, en secreto y con el objetivo principal de logar una expansión económica pero también cultural y geopolítica. “Cuando Pekin -explica Barletti- procede como prestamista alternativo de último recurso y rescata a un país en dificultades, es común que no le exija disciplina en la política económica ni se interese por la legitimidad del gobernante en turno”. La gran duda que surge es que exige a cambio de su ayuda.

Este “peligro” que representa la “amenaza china para el mundo” se puede ver reflejado, por ejemplo, en el continente africano que Barletti define como “el laboratorio donde China ensayó su modelo colonizador”. Un dato concreto: la deuda pública africana no para de crecer. Desde el año 2000, pasó del 35% del PBI al 50% y China es por lejos el principal acreedor.

En esta carrera, el gigante asiático luego de consolidar su influencia en el continente africano, apuntó a extender su dominio en América Latina. Hoy, es el segundo mayor destinatario de inversión directa china con más de 2.700 empresas propias operando en la región, especialmente en infraestructura de transporte y energía. Los recursos naturales son parte esencial dentro de los objetivos orientales en Sudamérica.

La investigación también desarrolla los intentos de Occidente (Estados Unidos y sus aliados) para ponerle un freno a esta expansión, marco en el que la llamada “guerra fría tecnológica” se lleva adelante durante los últimos años. Incluido los planes de conquista del espacio exterior. Un ejemplo claro sobre este tema fue el acuerdo firmado en 2014 con la Argentina para la construcción de una estación espacial en la provincia de Neuquén.

En otra parte de su trabajo, destaca Barletti -especialista en transporte marítimo y logística- que casi el 30% de todo el tráfico mundial de contenedores registrado en 2022 recaló en algún momento en uno de los puertos operados total o parcialmente por empresas con sede en Pekín, Shanghai o Hong Kong.

También despliega esta investigación, de manera amplia, temas como la corrupción de ciertas empresas chinas, la organización de la pesca ilegal, la violación de los derechos humanos llevada adelante por el régimen de Xi Jinping, la censura y vigilancia que realizan el Partido Comunista a sus ciudadanos, las quejas internacionales al respecto y el rechazo y respuesta desmedidas del régimen.

Todas estas características que hacen a la realidad de China, asegura Barletti, persiguen un doble objetivo: “la recuperación de su lugar histórico para cumplir con el mandato impuesto por un nacionalismo alimentado con las heridas del pasado y la grandeza abortada. Y, en segundo lugar, desafiar la supremacía mundial de occidente que tiene principalmente Estados Unidos”.

Concluye el autor: “Claramente su ambición hegemónica busca que ningún otro país pueda emprender nada sin antes tener en cuenta los intereses chinos”.

Más allá de las opiniones, los datos y números concretos que ofrece, esta investigación invita a reflexionar sobre las políticas chinas que durante los últimos años han tenido y siguen teniendo una cercanía y preocupante influencia en nuestro país.


Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...