quinta-feira, 19 de maio de 2016

Movimentos politicos e crise politica no Brasil: um debate no IDP (Brasilia), 18/05/2016 - Paulo Roberto de Almeida

Como anunciado nesta minha postagem: 
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/manifestacoes-politicas-partir-de-2013.html
participei ontem, 18/05/2016, de uma palestra-debate, no Instituto de Direito Público, em Brasília, sobre os chamados "movimentos de rua", e suas manifestações políticas, como "causa ou sintoma" da crise brasileira recente, ainda em curso, aliás, embora já numa fase de governo transitório.

O poster feito a propósito do evento, como acima reproduzido, serve para esclarecimento de seus termos, que já delimitavam os objetivos da palestra-debate, e foram por mim desenvolvidos no texto que segue abaixo, como informação do que penso a respeito desses velhos (que não são "de rua", mas que podem estar na rua) e novos movimentos (que estes sim, são de rua), que tiveram, os últimos, um papel decisivo no processo de impeachment (junto com a chamada "República de Curitiba"), e que têm, os primeiros, um papel igualmente relevante na luta de "retaguarda" (ou de resistência ao que eles designam como "golpe", o que é uma farsa) mantida pelo grupo hegemônico afastado agora do poder para não ser escorraçado de vez do governo.
Creio que o que eu escrevi abaixo revela claramente o que penso sobre uns e outros movimentos, mas permito-me agregar, nesta curta introdução que, por falta de tempo (e eu não sabia dessas limitações), não pudemos responder a todas as demandas da audiência. Como eu sempre me comprometo com respostas a perguntas efetuadas pelos presentes, vou postar, sequencialmente, minhas respostas a algumas dessas perguntas que me foram dirigidas.
Paulo Roberto de Almeida


Velhos e novos movimentos políticos na crise brasileira recente

Paulo Roberto de Almeida
 [Notas para participação de debate sobre “Manifestações políticas, a partir de 2013, e a crise brasileira recente”, para debate no Instituto de Direito Público, em 18/05/2016]


O objetivo geral deste evento foi descrito como sendo o de “analisar os movimentos de rua (sic) como causa ou sintoma da crise política”. Em outros termos, os chamados “movimentos de rua” estariam de alguma forma associados à presente crise política, o que me parece apenas parcialmente correto. Para isso vou fazer qualificações aos conceitos de “movimentos” e de “de rua”, bem como aos de “causa ou sintoma”, e por fim a isso que chamamos de “crise política”. Cada um desses termos merece uma qualificação muito bem feita, se é que eu preciso atender ao que se anunciou como “objetivo geral”, deste encontro, cuja organização eu agradeço a meu amigo Danilo Porfírio, o nosso Pancho Villa do Direito, não que ele seja um revolucionário radical, mas que ele tem o perfil do mexicano, embora armado apenas das pistolas do Direito.
Movimentos, de rua ou não, são geralmente identificados a ONGs, ou seja, organizações não governamentais, o que redundaria a dizer que são associações de interesses específicos que brotam da própria sociedade civil e que, no mais das vezes, são independentes do, quando não opostas ao Estado. Mas, no Brasil, país da mil jabuticabas em profusão, essas ONGs tem uma curiosa tendência a virarem quase que imediatamente ONGGS, ou seja, organizações não governamentais governamentais, no sentido em que elas vivem em função de recursos do Estado, não da sociedade que as viu supostamente brotar, e algumas, aliás, são constituídas expressamente com esse objetivo: sugar recursos dos cidadãos através do Estado, que as patrocina e as mantém.
A maior parte dos movimentos assim constituídos não tem nada a ver com a atual crise política, pois estão na paisagem há algum tempo já, sugando os recursos do Estado há muitos anos, talvez décadas. Foi por isso que eu fiz a distinção entre velhos e novos movimentos políticos, pois os que surgiram supostamente no bojo da atual crise política, e que ainda estão usando fraldas e tomando mamadeira, têm muito pouco a ver com seus congêneres já de barba e bigode, várias de cabelos brancos, quando não com muitos militantes aposentados nas “lutas sociais”.
Impossível catalogar todos os movimentos ditos sociais, ou “de rua”, que existem no Brasil: eles são centenas, milhares, tanto mais números quanto é generoso o governo que arranca dinheiro do Estado, ou seja, de todos os cidadãos, para distribuir esse maná apenas para alguns cidadãos que são mais iguais que outros, ou seja, os membros de ONGGs que possuem essa faculdade especial de manter boas relações com membros de um determinado governo.
Nem todas as ONGs são oportunistas a esse ponto: muitas são efetivamente sociais ou se dedicam a finalidades sociais relevantes, causas humanitárias, ou até salvar o planeta de seu muitos males causados, como não poderia deixar de ser, pela ambição e ganância capitalista por mais lucros, em detrimento do bem estar dos trabalhadores, do meio ambiente e até da paz social, concentradores perversos como são todos os sistemas capitalistas existentes neste nosso planetinha redondo.
Uma consulta a uma rede, ou associação-guarda-chuva de organizações sociais “velhas”, ou seja, constituídas em fases bem anteriores à atual crise política, a REBRIP, Rede Brasileira pela Integração dos Povos, criada em 2001 para lugar contra esses mesmos capitalistas perversos, permite verificar que sua lista de membros ou associados conta com não menos de setenta outras ONGs, associações, sindicatos, movimentos, ou grupos de interesses muito diversos, e que coincidem justamente na luta pelos direitos coletivos, da natureza social ou política, com uma forte nas ações anticapitalistas e anti-imperialistas. Segundo seu próprio site, a REBRIP é apoiada pela OXFAM, Oxford Famine Relief (em sua origem, na Inglaterra da Segunda Guerra), pela sempre tão generosa Comissão Europeia e pela Ford Foundation, uma organização capitalista anticapitalista como se vê. Por acaso, sua secretaria executiva é abrigada pela CUT nacional, com sede em São Paulo.
Esses “movimentos de rua” não são todas as associações ou grupos que se mobilizam em torno do governo, do governo petista em especial: são muitas outras que comparecem, para ser mais exato, na folha de pagamentos do governo, entre elas as mais famosas, como MST, MTST, UNE, sem mencionar as dezenas, talvez centenas de entidades que se situam no plano da mobilização em redes virtuais e que se dedicam, justamente, à conexão de todas essas entidades em favor das mesmas causas que favoreciam o governo suspenso do lulopetismo, em especial na área de comunicação: são os chamados blogueiros sujos, além de alguns importantes veículos digitais ou mesmo impressos, que também figuram entre os beneficiários do maná governamental. No lado oposto, ou seja, movimentos contrários a essas correias de transmissão do mesmo arquipélago da esquerda, não existem forças similares ou sequer equivalentes.
Sabe-se que existe uma associação mais recente de organizações que poderiam ser classificadas como de direita, elas sim produtos ou sintomas da crise política, a Aliança Nacional dos Movimentos Democráticos em cuja lista figuram cerca de meia centena, mais exatamente 48 organizações de orientações diversas, mas todas elas centradas na luta contra a corrupção, em favor da reforma política-eleitoral, pela responsabilidade fiscal, pela escola sem ideologia e outros objetivos assemelhados. Mas, sintomaticamente, dela não fazem parte os dois principais movimentos que organizaram, com a ajuda de várias outras organizações – inclusive seres bizarros que pediam uma intervenção militar constitucional para acabar com o governo corrupto e inepto do PT –, as gigantescas manifestações que mobilizaram milhões de pessoas em todo o Brasil, o MBL, Movimento Brasil Livre, e o VPR, que não é a antiga Vanguarda Popular Revolucionária do finado capitão Lamarca, mas o Vem Prá Rua.
Se quisermos ser maniqueístas poderíamos chamar os primeiros de mortadelas e os segundos de coxinhas, mas esses dois termos, aparentemente pejorativos (mas o de coxinhas foi bem absorvido pelos próprios), não refletem todos os matizes dessas duas grandes agrupações de movimentos que são classificados, grosso modo, pela imprensa burguesa (ou golpista, à escolha), como sendo, de um lado, “progressistas”, ou de esquerda, e, de outro, direitistas ou conservadores. Não vamos entrar aqui num debate sobre esses termos, mas voltar para aqueles do nosso objetivo geral.
Os coxinhas são indiscutivelmente movimentos de rua, pois expressam a santa indignação da classe média, ou das elites, como quiserem, pela situação de crise econômica, e de impasses políticos, a que o Brasil foi conduzido desde o primeiro mandato de Dilma Rousseff, e com maior acuidade e dramaticidade, a partir de sua vitória apertada em 2014. O desenlace atual não restabeleceu a paz social, ou um entendimento político, pois os movimentos ditos progressistas prometem continuar se opondo ao governo transitório, ou temporário, de Michel Temer, e o próprio PT acaba de declarar que vai opor-se terminantemente ao governo golpista deste último. Os coxinhas, por sua vez, continuam a pedir a punição dos políticos corruptos, mas ainda não programaram nenhuma grande manifestação para esta estação outonal. Eles estão, aparentemente satisfeitos com o que foi alcançado até aqui, mas continuam vigilantes para o que der e vier. As ruas, no momento, estão sendo ocupadas pelos chamados movimentos de esquerda, pelo menos enquanto houver mortadela e dinheiro dos sindicatos, o que durar mais.
O processo de impeachment vai ser provavelmente confirmado pelo Senado, com o que diminuirá sensivelmente o financiamento de muitas ONGGs, e de vários movimentos que viviam de transferências públicas algo obscuras, mas não parece capaz de reduzir a divisão política entre os muitos movimentos, velhos ou novos, que se organizam de acordo aos dois polos antinômicos herdados do Iluminismo europeu e da Revolução Francesa, a saber, de um lado o liberalismo de corte individualista, de outro as demandas por igualdade de cunho social ou coletivista. Esta divisão, que toma apoio em filosofias claramente opostas quanto às formas possíveis de organização econômica e social, promete durar pelo futuro indefinido: numa ponta se situam os partidários dos livres mercados e da iniciativa privada, na outra os proponentes de uma forte ação estatal para corrigir o que é percebido como desigualdades criadas naturalmente pela ação desses mercados livres, e que portanto necessitam do Estado para domar mercados e diminuir as desigualdades por via de uma ação distributiva a partir do alto.
Não creio que essa divisão fundamental venha a diminuir no futuro previsível, ainda que os antigos partidários do coletivismo econômico, especificamente em sua forma socialista centralizada, tenham sido constantemente frustrados pela incapacidade do intervencionismo estatal em suas modalidades mais extremadas produzir o quantum de igualdade e de prosperidade como apregoado pelos pais fundadores da doutrina. Mas mesmo os liberais, aparentemente triunfantes na grande luta do século XX entre os socialistas e os defensores de economias de mercado, não estão perto de recolher esse triunfo ilusório, pois em todas as partes, mesmo nas economias de mercado mais avançadas, o Estado assumiu enormes responsabilidades, e controla uma parte cada vez maior da riqueza produzida pela sociedade civil.
Tudo isso é conhecido, desde longos anos, pelos cientistas políticos e pelos economistas de diferentes escolas, e não apresenta grandes novidades para fins deste nosso debate. A intenção, como dito no objetivo geral, é avaliar a ação desses grupos, ou movimentos, na crise brasileira recente. Pois bem, vamos a ela. O que poderia ser dito sobre a participação dos “movimentos de rua”, ou assimilados a tal no processo brasileiro recente?
Obviamente que as contribuições, transferências e subsídios concedidos pelos governos lulopetistas às suas correias de transmissão na chamada sociedade civil não são responsáveis pela crise econômica, pelo menos em sua parte fiscal. Dados disponíveis a esse respeito indicam que a “bolsa banqueiro” – ou se quisermos, os juros da dívida pública, mas que já faz parte do panorama fiscal desde longos anos, pelo menos desde a independência – assim como a “bolsa empresário”, ou “bolsa BNDES”, esta sim uma inovação, ou o seu reforço extraordinário nos últimos anos, provocaram, junto com as desgravações setoriais e subsídios enormes a programas específicos, o imenso descalabro fiscal que precipitou a crise econômica em que vivemos atualmente. Mas o apoio a supostos “movimentos de rua” alinhados com o governo, muitos deles atuando de maneira mercenária – a chamada turma da mortadela – são um componente relevante na crise política, uma vez que eles mantêm, depois da derrota no Congresso, a pressão das ruas e entre os chamados formadores de opinião, que são geralmente jornalistas ou gramscianos de academia (ou seja, professores simpáticos a causa petista).
Essa realidade vai continuar, pelo menos enquanto o pessoal da mortadela for alimentado, ou financiado, e enquanto os apoiadores ideológicos – isto é, os jornalistas e os professores alinhados – estiverem convencidos de que é possível esperar uma volta do partido hegemônico da esquerda, ou seja, o PT, que funciona como um hub, ou seja, um núcleo central, com tentáculos e satélites espalhados por toda a sociedade civil (os mesmos, aliás, que aparelharam extensivamente o Estado nos anos lulopetistas). Não podemos nos enganar nesse particular: os chefes daquilo que foi descrito como uma organização criminosa podem ter sido expulsos do poder central, mas seus apoiadores continuando ocupando postos no governo e no Estado em todas as esferas e níveis da federação, e toda a imensa rede de sustentação, que não é constituída apenas pelos movimentos de rua, ou assemelhados, são ainda extremamente relevantes, eu diria até estratégicos, para a manutenção da ideologia que motivou essa conquista do Estado na década passada. As mentalidades continuam preservadas e ainda bastante fortes, não só nas instituições de ensino, em diversos níveis, mas sobretudo nos sindicatos e nessas organizações sociais que são, ainda são, sustentadas pelo governo mediantes diferentes canais de transferência de recursos.
Do outro lado, podemos sinalizar a existência de velhos grupos saudosistas do antigo regime militar, mas sobretudo a emergência dos novos movimentos classificados como de “direita”, o que eu considero fundamentalmente equivocado. A sociedade civil espontânea, ou seja, aquela não organizada nesses movimentos tradicionais, evoluiu bastante no Brasil, desde o início do governo petista, que conseguiu conquistar uma parte da classe média com sua mensagem pela ética na política, de justiça social, de redistribuição de renda e de serviços públicos fornecidos em caráter universal ou focados em grupos específicos (as chamadas minorias sociais, geralmente raciais ou sexuais). Essa mesma sociedade se deu conta, no decurso dos últimos anos, e talvez desde a denúncia do Mensalão, que havia um outro PT, uma outra esquerda que ela não conhecia: uma organização centrada em seu interesse próprio, operando o completo aparelhamento do Estado e envolvida em rumorosos casos de corrupção que serviu para quebrar o encanto com os antigos “justiceiros sociais”. Tudo isso explodiu nas eleições de 2014, percebidas como “estelionato eleitoral”, o que logo após foi confirmado pela mudança completa de política econômica e pela revelação do imenso déficit causado nas contas públicas pela política irresponsável conduzida nos últimos anos.
Tudo isso serviu de estopim para os novos movimentos de rua, que congregam aquilo que eu chamo de cidadania ativa, consciente e crítica: é esta cidadania, basicamente os coxinhas de classe média, pequenos empresários, jovens não contaminados pelo marxismo vulgar da academia gramsciana, que constituiu os mais famosos movimentos desta fase, o Movimento Brasil Livre e o Vem Prá Rua, além de outros menos conhecidos. São eles que, junto com a República de Curitiba, empurraram o Congresso para o impeachment, e são eles talvez figurem no novo panorama político do Brasil. Este é um cenário novo, de transição. Mas não tenho dons de adivinho para prever o que vai acontecer nos próximos meses, ou até 2018, quando deveremos renovar todas as expressões políticas mais importantes no executivo e no legislativo.
Seguiremos atentos...


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Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 18 de maio de 2016 

2980. “Velhos e novos movimentos políticos na crise brasileira recente”, Brasília, 18 maio 2016, 6 p. Notas para participação de debate sobre “Manifestações políticas, a partir de 2013, e a crise brasileira recente”, a convite e sob a coordenação de Danilo Porfírio, professor da graduação e pós-graduação da Escola de Direito de Brasília do Instituto de Direito Público, com a participação de Raul Sturari (Instituto Sagres).

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