Ideias e ideologia: breves propostas
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: auto-esclarecimento; finalidade: caráter didático]
O que são ideias? O que é ideologia? Seguem minhas breves considerações.
Ideias podem ser representadas por, ou apresentadas como, um conjunto disperso, diversificado, variado, muitas vezes incompleto, parcial ou preliminar, de proposições, argumentos, sugestões, opiniões, especulações, sobre quaisquer temas ou assuntos pertinentes ao universo mental de seus proponentes, sejam elas propostas sobre o mundo real, observável, empiricamente fundamentado, sejam apenas construções mentais sob a forma de conceitos abstratos. Para serem identificadas como ideias, e aspirarem legitimamente a esse título, ou identidade, tais ideias, por mais especulativas que sejam, necessitam guardar certa coerência, consistência intrínseca, conexão com o mundo real ou com a lógica formal (a que deve obedecer qualquer proposição), do contrário serão, ou terão de ser, descartadas como meras expressões sem sentido de seu enunciador. Ideias tem essa peculiaridade necessária de que elas precisam ser racionais, ou inteligíveis, de forma a permitir um debate de tipo socrático. Ponto.
O que é ideologia? Uma ideologia pode ser um conjunto de ideias que se apresenta de modo alegadamente coerente, que tende a fornecer uma explicação, ou interpretação, sobre algum aspecto do mundo real, ou do próprio mundo das ideias (pois estas costumam ter vida própria, e sobrevivem mesmo na ausência de vínculos aferíveis com a realidade). Geralmente se trata de um conjunto fechado, ou seja, que se basta a si mesmo, no sentido em que oferece uma resposta que se autocontém, e que se justifica por si próprio. Não importa muito se a ideologia é um conjunto de falsas ideias sobre o mundo – no sentido marxista do conceito – ou se ela é uma interpretação coerente e consistente do universo que se pretende descrever e explicar.
O lamarckismo, por exemplo, foi uma ideologia dotada de certa validade durante o período em que ofereceu uma explicação plausível sobre a evolução das espécies; depois foi superado pela seleção natural darwiniana, como uma explicação superior em termos de consistência intrínseca com a realidade e atendendo a certos critérios da lógica formal. Não importa muito, agora, se a seleção natural, nas condições do mundo contemporâneo, vem sendo cada vez mais “enviesada”, distorcida ou transformada, pela seleção cultural, dirigida pelo próprio homem, com base na sua capacidade de manipular a natureza no nível do código genético das espécies, ou em escala molecular. O darwinismo se submete inteiramente aos critérios popperianos de “falsificabilidade”, e pode, portanto, aspirar ao título de “teoria”, o que é um status superior ao da ideologia. Os adeptos do criacionismo, por exemplo, ou os propositores do “desenho inteligente”, se esforçam em contestar a validade do darwinismo, pretendendo relegá-lo ao status de ideologia, mas suas “ideias”, ou proposições, não apresentam qualquer consistência lógica e qualquer conexão com a realidade observável, tratando-se, portanto, de “ideias falsas”, ou seja, o entendimento marxista de ideologia.
Ideias são úteis ao avanço do conhecimento humano, mesmo quando falsas ou equivocadas, pois permitem discutir, em bases racionais, o entendimento que se tem sobre o mundo real e o próprio mundo das ideias. Ideologias, por outro lado, tendem a ser conjuntos fechados, o que dificulta um debate racional em torno de ideias, que sempre se contrapõem umas às outras. O debate racional é sempre saudável, e é sobre a base do questionamento das ideias entre si que a humanidade caminha a passos cada vez mais rápidos para o domínio sistemático do homem sobre o mundo real, e, com isso, para o progresso material dos povos e para a elevação espiritual da espécie humana, ou seja, sempre em benefício das comunidades existentes. Más ideias podem, obviamente, levar a retrocessos temporários ou delongados nessa trajetória: racismo, por exemplo, ou escravismo, ou qualquer outra forma de tirania sobre indivíduos ou comunidades, e essas más ideias podem se converter em ideologia, como o “racismo científico” de épocas passadas. Fundamentalismos, de qualquer tipo – político, religioso, ou mesmo torcidas de futebol – costumam se apresentar como “ideologias”, ainda que precárias, incoerentes, absurdas, geralmente agressivas e excludentes.
Devemos sempre favorecer o florescer das ideias, o debate racional, a confrontação educada das ideias entre si. Devemos nos resguardar das ideologias, sempre perigosas e potencialmente danosas, por excludentes e potencialmente fundamentalistas. O debate continua aberto...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de dezembro de 2018
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