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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

O Brasil tem futuro? Entrevista com Claudio Porto, por Jose Neumanne (OESP)

Fabio Giambiagi e Claudio Porto são os co-organizadores de um livro de 2011, chamado 2022: Propostas para um Brasil Melhor no Ano do Bicentenário (Rio de Janeiro: Campus), no qual cenários são traçados para diferentes aspectos da economia, do governo e da sociedade brasileira para o ano em que o Brasil "comemorará" (suponho que sim) dois séculos desde a independência.
Não existe nada no livro sobre os aspectos internacionais, ou seja, de política externa, a não ser a interação da economia brasileira com o mundo, pelo lado do comércio e dos investimentos.
Eu me proponho formular alguns elementos da diplomacia brasileira em direção do ano 2022, mas acredito, como os autores (exatamente 31), que os principais desafios são mesmo de ordem interna.
Não obstante, vou traçar cenários para nossa diplomacia nos próximos quatro anos, e ver como estaremos, ou melhor, como poderemos estar, em 2022, e mais além.
Abaixo, uma entrevista com um dos organizadores do livro, Claudio Porto, feita pelo grande jornalista do Estadão José Nêumanne. 
Leiam...
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 31/08/2018

Fim da crise depende da certeza do fim da impunidade, diz economista


Para Cláudio Porto, da Macroplan, somente punição exemplar de corruptos trará verdadeira economia do mercado e a saída da crise em longo processo de maturação

José Nêumanne 
Estado de S. Paulo, 30/08/2018

“As operações anticorrupção desmantelaram em parte essa engrenagem que gerou mensalão e petrolão, mas como ela não é  uma máquina, e sim uma construção social, rapidamente se reorganizou, adaptou e criou vários mecanismos de sobrevivência que passam desde o Congresso e o Poder Judiciário até boa parte das candidaturas que hoje (2018) estão postas ao eleitor”, disse o economista Cláudio Porto, fundador e operador da Macroplan
Nesta edição semanal de Nêumanne entrevista no Blog do Nêumanne, Politica, Estadão, ele disse ainda que “não será nada fácil trazer a corrupção brasileira para os patamares ‘normais’ de uma democracia madura”. Nesse campo a aposta do especialista em planejamento “é de longo prazo: a abertura de nossa economia e a nossa exposição à competição global,  quando  vierem, nos revelarão que a corrupção não é um bom negócio para o desenvolvimento de um capitalismo competitivo e inclusivo no Brasil.” Porto se baseia num exemplo próximo, o Plano Real, que “só se viabilizou depois que (quase) chegamos à hiperinflação e de dois ou três planos econômicos anteriores fracassados. A seu ver, talvez tenhamos de aturar mais quatro anos de recessão e de políticas erradas para acertar o passo mais adiante.”
Cláudio Porto nasceu, cresceu e estudou Economia em Campina Grande, na Paraíba. Lá fez política estudantil, primeiro como secundarista, depois na universidade. Na época era de esquerda, integrante da Ação Popular (AP). Foi preso no Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna, em 1968. Desejava ser político, sua geração era diferente de hoje – a maioria tinha princípios e ideais. A ditadura militar bloqueou esse caminho. Mudou o foco para consultoria em organização, planejamento e estratégia.  E também de lugar: trabalhou e empreendeu por 20 anos em Recife. Redirecionou sua energia da política para a prática profissional e empresarial, associada a muito estudo: mergulhou fundo, primeiro nas teorias de sistemas e da complexidade e depois na economia política. Foi pioneiro na construção e aplicação, no Brasil, do método de construção de cenários e prospecção de futuros. Por isso o mercado, em 1989, via Petrobrás, o levou para o Rio de Janeiro e o projetou para o Brasil. No Rio (cidade que divide seu coração com aquela onde nasceu) fundou a Macroplan, empresa especializada em análise prospectiva, estratégia e gestão, que no próximo ano fará 30 anos de mercado, entregando resultados com visão de futuro. E integridade total.
A seguir Nêumanne entrevista Cláudio Porto:
Nêumanne – Quando li o estudo Cinco Cenários para o Governo do Brasil 2019-2023 e me deparei com a conclusão de que 77% da população adulta brasileira se dispõe a marchar para o abismo como um bando de ovelhas tresmalhadas e seguindo pastores destrambelhados, me assustei muito. Sou jejuno em matemática, mas me parece óbvio que 23 é melhor do que zero, mas 77 está mais próximo de 100. Estamos enfrentando uma crônica sobre o suicídio anunciado?
Cláudio Porto – Espero que não. Não há dúvida de que hoje são muito altas as chances de esse desastre acontecer (ou melhor, se repetir mais uma vez, em 2014 já tínhamos uma situação complicada e deu no que deu…). Mas ainda há tempo para uma reversão, o jogo político ainda está sendo jogado e hoje em dia, com a “compressão” ou encurtamento dos tempos de decisão, esse jogo ainda pode ser virado e revirado algumas vezes até outubro ou novembro.
N – Até há bem pouco tempo ninguém, incluído o autor destas perguntas, levava a sério a eventualidade de o Brasil atingir o paroxismo de desgoverno alcançado pela vizinha Venezuela, que de próspera produtora de petróleo passou a figurar entre as sociedades miseráveis do planeta. Essa distância de 77% a 23% não faria do contágio venezuelano uma perspectiva real e até relativamente próxima?
C – Em curto e médio prazos, creio que não. No longo prazo é possível, mas muito pouco provável. Nossa economia é muito mais complexa, diversificada e integrada ao mundo (embora ainda sejamos uma economia muito fechada). Nossas instituições, apesar de todas as “lambanças” recentes, ainda têm certa funcionalidade. Se o Brasil continuar nessa toada dos últimos 12 anos, o cenário que me parece mais provável é o de uma “argentinização à brasileira”, uma trajetória de decadência secular (ver o special report The tragedy of Argentina – A century of decline – One hundred years ago Argentina was the future. What went wrong?, feb 17th 2014). Afinal, após meio século crescendo bem acima da média mundial (entre 1930 e 1980), nos últimos 38 anos – incluindo este –  estamos crescendo menos que o mundo: em média 2,3%, ante 3,5% ao ano. E o pior: segundo análise de meu colega Armando Castelar, mantido o ritmo de nosso aumento de produtividade só daqui a cem anos, repito, cem anos, teremos um padrão de vida semelhante ao de Portugal hoje!
N – Desde que os revolucionários franceses decapitaram a nobreza e instalaram a democracia no século 18, as políticas de governo do povo passaram a se dividir entre os que, à esquerda, lutam por mudanças radicais na sociedade e os opostos, à direita nos assentos da Assembleia Nacional, que defendem a manutenção do status quo. O que fez a Macroplan mudar o plano de referência e dividir os métodos de governança entre populistas, que apelam para o assistencialismo, e não populistas, que pregam austeridade fiscal e rigor monetário. Não seria essa uma versão contemporânea da velha dialética metafórica de esquerda e direita?
C -Talvez, mas com sinais trocados. Do que sei da nossa História, fomos de esquerda 50 anos atrás. Naquela época a esquerda tinha uma agenda progressista, humanista, um projeto de sociedade mais equitativa, embora acreditasse na virtude da ditadura do proletariado – que a História provou ser um “erro fatal”. Já a maior parte da direita daquele tempo – pelo menos no Brasil – destilava um elitismo retrógrado e conservador do atraso; os verdadeiros liberais eram minoria. Hoje, creio que nós ambos temos um viés predominantemente liberal e é aqui que estão os melhores fundamentos para uma agenda contemporânea: o livre mercado, o respeito à democracia e às liberdades individuais e, sobretudo, a garantia de igualdade de oportunidades. A chamada “esquerda brasileira” envelheceu, é refém e porta-voz das corporações (sindicais, de funcionários públicos e de empresários de compadrio que se penduraram nas tetas do Estado e o estão exaurindo). Quer agenda mais retrógrada e elitista do que defender universidade pública e gratuita para todos, até mesmo para os ricos, num país que não tem recursos públicos para oferecer creche a uma mãe de periferia que precisa trabalhar longe de casa?
N – O seu mais recente estudo de cenários, entretanto, põe no mesmo prato, digamos assim, populistas de esquerda e de direita, de certa forma reeditando o velho Pacto Molotov-Ribbentrop, que pôs do mesmo lado nazistas alemães e comunistas soviéticos, antes de estes se matarem no vasto território da mãe Rússia e na guerra fria. Quais são os pontos comuns identificados no estudo entre devotos do petismo do nada esquerdista Lula e adoradores do mito da ordem militar sob o comando do deputado Bolsonaro?
C – O principal traço característico do populismo, seja de direita, de esquerda ou até “de ocasião” (nesta eleição está surgindo essa espécie metamórfica) é a emergência de um líder carismático que encarna o sentimento popular, apresenta-se como o “salvador da pátria” e faz uma comunicação direta com a população. Tempos de crise são propícios ao surgimento desses “messias” e nossa sociedade tem certa propensão “salvacionista” em suas escolhas políticas. O líder populista nomeia inimigos, geralmente genéricos (as elites, os comunistas, os rentistas, a grande mídia, os banqueiros, os malandros, até o imperialismo americano!). Promete soluções simples e rápidas, que são impossíveis na vida real. Suas ferramentas políticas usuais são o confronto, a divisão e o ressentimento. E revela forte propensão ao intervencionismo estatal, ao autoritarismo, à indisciplina fiscal e ao assistencialismo. O maior risco do populismo é o das “canetadas” que são feitas apesar da lei (ou quase). Três casos  de nossa História recente: 1) populismo de ocasião, José Sarney, 1986, Plano Cruzado; 2) populismo de direita, Fernando Collor, 1990, congelamento da poupança; e 3) populismo de esquerda, Dilma Rousseff, 2012, Medida Provisória 579 de 11 de setembro, que alterou as concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica e reduziu as  tarifas de energia elétrica, o  que praticamente “quebrou” o nosso setor elétrico.
N – Na Realpolitik de Pindorama, populistas e não populistas terminam se misturando em políticas de governo propostas não apenas por populistas de esquerda, direita e oportunistas, mas também quando se misturam com os não populistas que pedem votos para a manutenção do status quo e até mesmo os 23% que investem no “reformismo modernizante”, tendo como exemplo desse panorama – de que falava a música-ícone do tropicalismo, Geleia Geral, de Gilberto Gil e Torquato Neto –favoritos como Bolsonaro e pigmeus políticos como Henrique Meirelles. Como situar isso nas dicotomias expostas no estudo da Macroplan?
C – Embora estejamos num momento histórico de crescente indignação das sociedades em relação aos políticos (em geral) e de forte polarização política, historicamente no Brasil temos uma propensão acomodatícia. O diplomata Marcos Azambuja, em memorável entrevista a Roberto d’Ávila este ano, destacou que somos um povo de conciliação… e até mesmo de acomodação (com a mediocridade, interpretação minha). A “geleia geral” combina bem com nosso cenário de conservação do status quo – mudar as aparências e adjacências para manter o essencial como está. Não me surpreenderei se um eventual populista, vencedor nas eleições de 2018, seja, logo adiante, cooptado ou “sequestrado” por uma grande aliança “modo Centrão” que termine dando as cartas, tudo em nome da governabilidade e da preservação dos privilégios, dos “direitos adquiridos”. Como você, Nêumanne, escreveu em no seu artigo A farsa da ‘pagologia’, “a distribuição do Fundo Partidário reelegerá este Congresso corrupto: (…) dos seis pretendentes à Presidência da República com chance, nenhum se compromete com o que de fato importa: o combate a privilégios, política econômica para pôr um fim  à crise e ao desemprego e o basta à impunidade de criminosos armados e de colarinho branco”. Confesso que às vezes perco o ânimo com tanto atraso…
N – Outro ponto polêmico a reunir as várias bandas desse desconcerto seria a corrupção, um elemento vital na economia e na política brasileiras. Parece claro que só a Nação vitimada se entusiasma com a guerra à rapina, enquanto o Estado algoz a defende com unhas e dentes, argumentando até que operações policiais e judiciárias como a Lava Jato terminam sendo prejudiciais à produção, ao consumo e à economia. Qual o papel que o furto deslavado e seu antídoto vigoroso desempenham em seus cenários?
C – Temos uma cultura de corrupção e clientelismo enraizada na nossa formação histórica. Concordo com o ex-presidente Fernando Henrique quando ele destaca (em Crise e Reinvenção da Política do Brasil, 2018) que “corrupção não é coisa nova no Brasil. (…) Mas, num passado não tão longínquo, não era geral, sistêmica (…) e sim um ato individual de conduta ou uma prática isolada de grupos políticos. (…) A mudança de patamar na (nossa) corrupção decorreu de dois fenômenos: o ressurgimento de um Estado desenvolvimentista (…) e o crescimento dos gastos com o sistema político-partidário, sobretudo no financiamento eleitoral”. A partir do mensalão e depois com o petrolão e  derivados, montou-se um sofisticado sistema de drenagem de recursos públicos e de estatais, “que transitava por grandes  empresas privadas  e pela coalizão de partidos dominantes…” As operações anticorrupção desmantelaram em parte essa engrenagem, mas como ela não é  uma máquina, e sim uma construção social, rapidamente ela se reorganizou, adaptou e criou vários mecanismos de sobrevivência que passam desde o Congresso e o Poder Judiciário até boa parte das candidaturas que hoje (2018) estão postas ao eleitor. Não será nada fácil trazer a corrupção brasileira para os patamares “normais” de uma democracia madura. Minha aposta nesse campo é de longo prazo: a abertura de nossa economia e a nossa exposição à competição global,  quando  vierem, nos revelarão que a corrupção não é um bom negócio para o desenvolvimento de um capitalismo competitivo e inclusivo no Brasil.

Cláudio no lançamento do livro 2022 – Propostas para um Brasil melhor, ao lado do outro co-organizador, Fábio Gambiagi Foto: Acervo pessoal

N – A única saída que dá para enxergar do túnel percorrido por um trem, por enquanto de luzes apagadas, é a capacidade de agentes do chamado “reformismo modernizante” conseguirem mostrar a realidade à maioria do eleitorado. A que argumentos seria possível recorrer? Como desconstruir a farsa populista dos pacotes de bondade da demagogia vil e fácil?
C – Com dados, fatos e pequenas vitórias rápidas. Com um discurso competente (no sentido do uso de argumentos sólidos expostos de  um modo de todos entendam) e uma prática exemplar. Tivemos um grande caso de sucesso em nossa História recente: o Plano Real. Seguir o exemplo da estratégia técnica e política, repito, técnica e política, que foi empregada no Plano Real. Apesar das imensas resistências, o Plano Real foi sendo viabilizado e consolidado ano após ano, com a maior parte dos ajustes feitos em tempo hábil. O Real só se viabilizou depois que (quase) chegamos à hiperinflação e de dois ou três planos econômicos anteriores fracassados. Talvez tenhamos de aturar mais quatro anos de recessão e de políticas erradas para acertar o passo mais adiante.
N – Dois males viciam o panorama eleitoral brasileiro hoje: de um lado, a lembrança do pleno emprego e dos tempos de bonança das gestões de Lula, em contraponto à dificuldade de encontrar nelas as causas, origens e raízes da crise ética, política, econômica e financeira que assola o Brasil, produzindo uma massa de 26 milhões de trabalhadores sem emprego nem esperança ou ânimo sequer para procurar uma colocação. Como explicar o óbvio difícil a milhões de almas viciadas pela ilusão do facilitário?
N – O cenário recessivo alimenta a nostalgia dos bons tempos do Lula. Que teve até a sorte de ter sua sucessora (que acelerou a produção desta crise, semeada desde 2010) impedida dois anos antes de terminar o mandato.  Com isso, Temer herdou não só o governo, como o “carrego” da crise. Pelo menos para a base da população, o PT soube apagar com maestria as suas digitais da autoria desta crise. Mas essa versão fake da história da crise pode ser contestada com argumentos racionais, falando a verdade, mostrando dados, fatos, bons exemplos de ajustes e também contraexemplos, como o colapso do Estado do Rio de Janeiro. Mas isso tem de ser feito numa linguagem de fácil entendimento pelo povo. Não no modo professoral como alguns candidatos têm falado por aqui. E não há solução mágica e fácil nesse campo. Um exemplo recente de caso de sucesso é Portugal, que hoje é “sonho de consumo” de muitos brasileiros. Depois que entrou na União Europeia, deu uma de “novo-rico” com os juros baixos e uma grande onda de investimentos em infraestrutura. Mas aumentou o gasto público de custeio – o que elevou sua dívida – e o país foi perdendo competitividade. Mergulhou numa crise severa a partir de 2008, quando estourou a crise financeira global. Portugal foi afundando numa grande dívida pública, que ficou cada vez mais difícil de ser financiada. Sem saída, Portugal seguiu o exemplo da Grécia e da Irlanda e em 2011 pediu ajuda financeira à União Europeia. Entre 2011 e 2012 o gasto público português caiu mais do que o PIB, indo de 51,8% do PIB em 2010 para 48,5% do PIB em 2012 mesmo com a economia em recessão. Houve até mesmo uma redução de salários do setor público, incluídos os juízes. E mesmo com a volta do crescimento o gasto retomou a trajetória de queda em relação ao PIB. A política expansionista do atual governo português tem tido sucesso até aqui porque está respaldada num forte ajuste fiscal prévio. O conjunto da obra mudou as expectativas dos investidores e da população e criou um ambiente propício ao crescimento.


Capa do livro Propostas para o governo 2015/2018, organizado por Cláudio Porto e Fábio Gambiagi e lançado em abril de 2014. Foto: Reprodução

N – A outra moléstia que degenera o organismo político brasileiro nestas eleições gerais, e em particular a presidencial e a de parlamentares, é a contaminação indiscriminada de praticamente todos os agentes e realmente todos os partidos políticos da cumplicidade com a corrupção e com os crimes de facções armadas ou de quadrilhas de colarinho-branco. O que fazer para romper esse paradigma dentro das normas vigentes de nosso Estado de Direito, que torna a República refém dos malfeitores que a dirigem e mamam em suas “tretas”?
C – Creio que, depois dos resultados das operações anticorrupção, especialmente da Lava Jato, o Brasil não retornará aos mesmos níveis de impunidade de antes. Claro que os corruptos e corruptores não abandonaram o jogo e agora só temos relações virtuosas. O establishment é muito competente, criativo e adaptativo. Muda as regras a seu favor – vide o caso do financiamento público da campanha eleitoral deste ano, um mecanismo poderoso de conservação do status quo. Mas com a sucessão de prisões e condenações de empresários e políticos poderosos (um deles, ex-presidente da República) e operações, acabou a certeza de impunidade em nosso país e isso joga a favor da verdadeira economia de mercado. Só que, infelizmente, esse processo de depuração é de longa maturação. Repito: talvez a gente ainda tenha de amargar um aprofundamento do crise atual para a sociedade descobrir que soluções fáceis, jeitinhos e salvadores da pátria  não funcionam.
N – No panorama desolador de candidatos incapazes de formular uma política séria de equilíbrio das contas públicas, combate ao desemprego, elevação sustentável da renda per capita, fim dos privilégios do baronato dos chefões políticos e dos marajás da máquina “pública”, guerra à violência urbana e rural e combate à rapina do erário, o que pode ser feito pragmaticamente para evitar a bancarrota nacional, que parece iminente?
C –  Manter a indignação, ter visão de longo prazo e persistir. Pode demorar um pouco mais. Mas nossas chances de um dia dar certo são muito boas. Apesar de tudo, não somos um país qualquer. Temos ativos estratégicos muito valiosos no século 21 que sustentam uma atratividade diferenciada do Brasil neste mundo globalizado: 1) ampla disponibilidade de recursos naturais valiosos no século 21 – terras agricultáveis, água potável, belezas naturais, florestas, recursos minerais e energéticos, biodiversidade; 2) mercado nacional integrado e de grande porte; 3) setores produtivos mundialmente competitivos – agronegócio, mineração, indústria aeronáutica, alimentos; 4) solidez, agilidade e elevado desempenho do sistema financeiro nacional, embora seja fortemente oligopolizado e pratique juros e margens astronômicos; 5) continuidade democrática e instituições que funcionam, mesmo com alguns problemas; 6) fronteiras “em paz” – relações pacíficas com os países vizinhos (o problema com os refugiados venezuelanos em Roraima é uma exceção vergonhosa); e  7) uma sociedade que, quando adequadamente mobilizada e liderada, tem alta propensão à  cooperação, com capacidade, flexibilidade e adaptabilidade para lidar com situações difíceis e complexas. O Brasil tem jeito. Mas só com muito trabalho e visão de longo prazo.

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O special report da Economist sobre a Argentina,

A century of decline


One hundred years ago Argentina was the future. What went wrong?
 figura neste link (mas não pude acessar pois atingi o limite de meus acessos sem assinatura):
https://www.economist.com/briefing/2014/02/17/a-century-of-decline


quinta-feira, 10 de março de 2016

O governo contra a lei - Jose Neumanne (OESP)

Só contra a lei??? Bondade do Nêumanne: o governo é um assembleia de ineptos dirigidos por uma quadrilha mafiosa.
Quando isso vai parar? Acho que só quando todos estiverem na cadeia...
Paulo Roberto de Almeida

O governo contra a lei

José Neumanne*
O mineiro Artur Bernardes entrou para a História como um presidente autoritário, que governou grande parte de seu mandato sob estado de sítio. A ele é atribuída uma sentença que não deixa dúvidas quanto a isso: “Aos amigos, tudo; aos inimigos, o rigor da lei”. O gaúcho Getúlio Vargas, que derrubou a República Velha, adotou-a e empregou-a como palavra de ordem de comandante da Revolução de 1930, presidente provisório, escolhido de forma indireta em 1934, ditador do Estado Novo e eleito pelo povo, em 1950. Esse lema poderia até substituir o dístico da Bandeira Nacional, inspirado no positivismo de Augusto Comte: “Ordem e progresso”.
Neste instante em que o retrocesso traz, como “nunca antes na História deste país”, a perspectiva assustadora do caos, pois a presidente da República se mantém no poder, mas não governa, e a economia desaba no buraco do passado, a garantia da prosperidade pela ordem parece mais uma anedota de humor negro. E à sociedade desamparada, aflita pela queda de produção e consumo, que gera o desemprego crescente, resta apegar-se à recente conquista de um Estado Democrático de Direito de verdade, cujo objetivo é a igualdade de todos diante da lei, agora ameaçada por quem comanda a máquina pública federal por delegação da maioria dos cidadãos, consultados em eleição.
Uma nesga de esperança raiou no céu da Pátria quando recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Penal (AP) n.º 470, conhecida vulgarmente como mensalão, esquema de corrupção assim definido pelo delator Roberto Jefferson. Nele o governo corrompia o Poder Legislativo para garantir apoio a suas decisões. Sob a presidência de Carlos Ayres Britto e, depois, de Joaquim Barbosa, a mais elevada Corte de Justiça processou e condenou altos dirigentes do governo e do partido de Luiz Inácio Lula da Silva. E atingiu pioneiramente maganões da República corrompida, negando o axioma ancestral de que cadeia é exclusividade de pretos, pobres e prostitutas.
Mas a força-tarefa da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF), sob a égide do juiz federal Sergio Moro, em Curitiba, dissipou essa ilusão otimista ao investigar como funcionava o propinoduto da Petrobrás e também de outras empresas e autarquias federais para enriquecer companheiros e beneficiar aliados. Uma série de coincidências afortunadas, iniciada com a devassa de lavagem de dinheiro de burocratas e políticos corrompidos pelas maiores empreiteiras do País, revelou evidências de que não eram descabidas as denúncias de malversação de dinheiro do povo na contratação de obras públicas. O caixa 2 de um posto de gasolina em Brasília virou uma cornucópia inimaginável.
Isso só foi possível por uma série de acasos inesperados. O primeiro deles foi a volta do juiz que mais conhece lavagem de dinheiro no País à primeira instância no Estado onde nasceu, viveu e prosperou o doleiro reincidente Alberto Youssef. A repetição da impunidade garantida na Operação Castelo de Areia tornou-se mais difícil depois da morte do mago das causas vitoriosas em tribunais de terceira instância para cima, Márcio Thomaz Bastos. E a devassa ficou mais consistente e ágil por causa da competência e da lisura dos agentes e procuradores federais e da obediência ao acordo internacional que incorporou o Brasil ao Primeiro Mundo no combate à corrupção. Isso se completa com o aprimoramento da contribuição de réus confessos à Justiça, erroneamente definida de forma pejorativa como delação premiada, que dá aos investigadores o caminho das pedras para obterem provas.
A pusilanimidade da oposição foi compensada pela labuta diligente e corajosa dos meios de comunicação, que têm informado à sociedade fatos relevantes revelados em delação. E também pela histórica decisão do STF de autorizar ordens de prisão contra condenados em segunda instância.
O assassínio do autor do programa de governo na primeira vitória de Lula à Presidência, Celso Daniel, a rapina na Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), o mensalão, o petrolão, a compra de decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e a concessão de privilégios a “compadritos” pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não são casos estanques. Mas constituem um escândalo só.
Delitos comprovados e passeios de burocratas e dirigentes de partidos do governo, em especial o PT, pelo Código Penal e entre vários processos mostram que o assalto a estatais foi planejado, organizado e cometido após a ocupação de altos cargos na máquina e nas empresas públicas. Do noticiário pode-se concluir que os gestores da União nestes 13 anos, ao contrário do que imaginavam seus adversários, não seguiram as diretrizes do marxismo-leninismo, do stalinismo, do foquismo cubano, do socialismo, peronismo, bolivarianismo, sandinismo ou qualquer ideologia de esquerda.
A ruína econômica de Cuba e Venezuela foi construída pelos tiranetes de esquerda Fidel e Raúl Castro, Hugo Chávez e Nicolás Maduro. E estes inspiram seus asseclas brasileiros por saberem tirar proveito do acesso sem fiscalização a orçamentos públicos. É o caso do comunista angolano José Eduardo dos Santos, pai de Isabel, a mulher mais rica da África. Mas seus reais inspiradores são, de fato, assaltantes comuns, como Tião Medonho e Fernandinho Beira-Mar. A retórica populista é só pretexto.
A visita de Dilma ao antecessor em solidariedade por sua condução coercitiva pela força-tarefa da Lava Jato não deixa dúvidas de que a chefe do governo apoia o líder dos investigados na operação policial. E não os investigadores. Seu desgoverno presta serviço à impunidade e ao privilégio e fica contra agentes do Estado que tentam garantir a igualdade de todos diante da lei e devassar o maior escândalo de corrupção da História, para puni-los.