Republico abaixo um texto que escrevi em Fevereiro de 2011, e que ficou sem maior divulgação. Creio que ainda é válido.
Reflexões ao Léu, 6: A Grande
Estratégia do Brasil
Paulo Roberto de Almeida
O
Brasil possui uma estratégia, grande ou pequena? Talvez, embora nem sempre se
perceba. Os militares talvez tenham pensado em alguma, e ela sempre envolve
grandes meios, para defender as grandes causas: a soberania, a integridade
territorial, a preservação da paz e da segurança no território nacional e no
seu entorno imediato. Enfim, todas aquelas coisas que motivam os militares. Os
diplomatas, também, talvez tenham escrito algo em torno disso, e ela sempre
envolve o desenvolvimento nacional num ambiente de paz e cooperação com os
vizinhos e parceiros da sociedade internacional, no pleno respeito dos
compromissos internacionais e da defesa dos princípios e valores
constitucionais, que por acaso se coadunam com a Carta da ONU. Mas eles também
acham que está na hora de “democratizar” o sistema internacional, que ainda
preserva traços do imediato pós-Segunda Guerra, ampliando o Conselho de
Segurança da ONU, reformando as principais organizações econômicas
multilaterais e ampliando as possibilidades de participação dos países em
desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais; enfim, todo aquele discurso
que vocês conhecem bem.
Tudo
isso é sabido, e repassado a cada vez, nas conferências nacionais de estudos
estratégicos, em grandes encontros diplomáticos, nos discursos protocolares dos
líderes nacionais. Até parece que possuímos de fato uma grande estratégia,
embora nem sempre isso seja percebido por todos os atores que dela participam,
consciente ou inconscientemente. Aparentemente, ela seria feita dos seguintes
elementos: manutenção de um ambiente de paz e cooperação no continente
sul-americano e seu ambiente adjacente, num quadro de desenvolvimento econômico
e social com oportunidades equivalentes para todos os vizinhos, visando a
construção de um grande espaço econômico integrado, de coordenação e cooperação
política, num ambiente democrático, engajado coletivamente na defesa dos
direitos humanos e na promoção da prosperidade conjunta dos povos que ocupam
esse espaço.
Muito
bem, mas esses são objetivos genéricos, até meritórios e desejáveis, que
precisam ser implementados de alguma forma, ou seja, promovidos por meio de
iniciativas e medidas ativas, o que envolve inclusive a remoção dos obstáculos
que se opõem à consecução desses grandes objetivos. É aqui que entra, de
verdade, a grande estratégia, quando se tem de adequar os meios aos objetivos,
não simplesmente na definição de metas genéricas. A estratégia é que permite se
dizer como, e sob quais condições, o povo do país e suas lideranças vão
mobilizar os recursos disponíveis, as ferramentas adequadas e os fatores
contingentes – dos quais, os mais importantes são os agentes humanos – por meio
dos quais será possível alcançar os grandes objetivos e afastar as ameaças que
se lhes antepõem. Uma verdadeira estratégia diz o que deve ser feito, na parte
ativa, e também, de maneira não simplesmente reativa, como devemos agir para
que forças contrárias dificultem o atingimento das metas nacionais.
Nesse
sentido, se o grande objetivo brasileiro – que integra nesta concepção sua
“grande estratégia” – é a consolidação de um espaço econômico democrático e de
cooperação econômica no continente, devemos reconhecer que avançamos muito
pouco nos últimos anos. A despeito da retórica governamental, não se pode
dizer, atualmente, que a integração e a democracia progrediram tremendamente na
última década. Ao contrário, olhando objetivamente, esses dois componentes até
recuaram em várias partes, e não se sabe bem o que o Brasil fez para promovê-los
ativamente. O presidente anterior foi visto abraçado com vários ditadores ou
candidatos a tal, esqueceu-se de defender a liberdade de expressão, os valores
democráticos e os direitos humanos onde eles foram, e continuam sendo, mais
ameaçados, quando não vêm sendo extirpados ou já desapareceram por completo. A
integração que realmente conta, a econômica e comercial, cedeu espaço a uma
ilusória integração política e social que até pode ter rendido muitas viagens
de burocratas e políticos, mas não parece ter ampliado mercados e consolidado a
abertura econômica recíproca.
Desse
ponto de vista, o Brasil parece ter falhado em sua grande estratégia, se é
verdade que ele realmente possui uma. Se não possui, está na hora de pensar em
elaborar a sua. Passada a retórica grandiloquente – contra-produtiva, aliás –
da liderança e da união exclusiva e excludente, contra supostas ameaças
imperiais, pode-se passar a trabalhar realisticamente na implementação da
grande estratégia delineada sumariamente linhas acima. A julgar pelos primeiros
passos, parece que começamos a retificar equívocos do passado recente e a
enveredar por um caminho mais adequado e mais conforme a nossas velhas
tradições diplomáticas.
Brasília, 9 de fevereiro de 2011
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