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terça-feira, 9 de setembro de 2014
A Decada Perdida (dos companheiros, claro) - Vinícius Carrasco, João M.P. de Mello e Isabela Duarte
Antonio Delfim Netto
Valor Econômico, 9/09/2014
A sociedade brasileira está num momento de reflexão. Deve escolher quem dará continuidade à construção da sociedade civilizada inscrita na Constituição de 1988. É tempo, portanto, de avaliações. É preciso reconhecer que essas nunca são "neutras", mesmo as que, honestamente, se esforçam para sê-lo usando métodos "objetivos". Mesmo assim, frequentemente, um descuidado adjetivo emerge aqui ou ali, para provar a impossibilidade de qualquer analista de libertar-se dos valores ínsitos na sua "visão do mundo".
Recentemente, três excelentes economistas condicionados, por formação, à análise mais objetiva e menor viés ideológico quanto possível, apresentaram competente e extenso trabalho que vale a pena ler. Trata-se do texto nº 626, do Departamento de Economia da PUC, "A Década Perdida 2003-2012", de Vinícius Carrasco, João M.P. de Mello e Isabela Duarte. O esforço é sério e em larga medida bem-sucedido. A metodologia usada, conhecida pelo nome de "controle sintético", constrói "contrafactuais" agrupando países escolhidos "neutramente" por algoritmos estatísticos para cada item da comparação desejada.
Na comparação da taxa de crescimento do PIB, por exemplo, o método "escolhe" alguns países que antes de um evento conhecido e dado (eleição de Lula), apresentavam crescimento agregado parecido com o Brasil. Esses constituirão o "grupo de controle sintético", contra o qual se medirá o desempenho da economia brasileira.
Trata-se de corajoso avanço da aplicação da inferência causal a problemas sociais, inspirado nos trabalhos do estatístico P.R. Rosenbaum: corrige o óbvio viés que existe quando se compara um novo governo com o antecessor depois da emergência de uma nova política social e econômica.
O problema fundamental é o seguinte: com a política do governo Lula, os cidadãos brasileiros podem "sentir" se melhoraram ou não, social e economicamente, quando comparada a sua situação com a que tinham no governo FHC. O que eles não sabem e nem podem avaliar é "quanto mais" ela poderia ter melhorado, se Lula tivesse adotado políticas diferentes.
O problema não é simples: consiste em mimetizar um efeito causal num experimento bem imaginado, mas que está longe de satisfazer as condições do controle dos experimentos da física ou das ciências biológicas ou da aleatoriedade nos experimentos sociais. Como reconhecem corretamente os autores, "a vitória da oposição (de Lula em 2002) não foi fortuita: havia uma insatisfação com o governo (FHC). O Brasil partia de uma situação relativamente frágil, fragilidade agravada pela própria perspectiva de troca de governo. O fato do Brasil estar na largada, em uma situação diferente dos outros países atrapalha que sejam interpretadas como causais quaisquer diferenças que porventura apareçam entre o Brasil e outros países depois de 2002".
País cresceu 10% menos do que poderia entre 2003 e 2012
Têm ainda razão os autores quando afirmam que o método do controle sintético é o "estado da arte" na inferência causal com dados não experimentais, ainda que, às vezes, a seleção objetiva do grupo de controle recuse a intuição ordinária.
Apenas para dar ao leitor um aperitivo que lhe aguce o paladar pela leitura do trabalho, vamos explorar a análise da taxa de crescimento econômico, ou seja, o crescimento do PIB per capita. O resultado final está no gráfico abaixo. Nele o PIB per capita é medido em dólares constantes de 2005. O grupo de controle sintético é constituído de Tailândia (com peso 0,206), Turquia (0,577), Ucrânia (0,146) e África do Sul (0,071).
Intuitivamente a escolha não parece ter explicação fácil, mas os resultados parecem robustos quando comparados com as alternativas apresentadas no trabalho, quando varia o universo da escolha do grupo de controle sintético. Vemos que no período 1995 a 2002, o crescimento do PIB per capita do grupo sintético mimetizou bastante bem o crescimento do Brasil. A partir de 2003 (quando muda a política social e econômica), o crescimento médio do grupo de controle sintético é visivelmente maior do que o nosso.
O Brasil seguramente cresceu entre 2003 e 2012, mas o gráfico mostra que há razões para supor que cresceu 10% menos do que provavelmente poderia ter crescido, com relação ao melhor grupo de comparação. Esse, dizem os autores, "é o nosso resultado principal". Nas comparações sociais que envolvem o crescimento civilizado, por outro lado, o Brasil se sai, em geral, tão bem ou melhor do que os grupos de comparação selecionados pelo algoritmo impessoal. Tanto os ufanistas quanto os céticos devem ler o trabalho. Ele é importante e mais crível do que seu título.
(Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento dos governos militares)
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