Plataforma diplomática da ultradireita ganha força
Obtuso, programa lembra muito o da
extrema esquerda, com fantasmas imaginários e lógica chã
Matias Spektor
FSP, 10.jan.2019 às
2h00
Ganha
forma pela primeira vez no ciclo democrático uma plataforma de política externa
de ultradireita.
Ela não
deve ser reduzida às maluquices do chanceler nem deve ser descartada como mero
plágio inconsequente das ideias de Steve Bannon e Donald Trump. Tampouco é correto atribuir sua paternidade
a Jair Bolsonaro. A eleição do presidente impulsiona esse programa e lhe dá
força, mas a plataforma o antecede.
As
origens intelectuais do projeto vêm de longa data. O furor antiglobalista é
emprestado do ciclo iniciado em 1964.
À
época, temerosos pela sobrevivência do regime, os generais e sua
diplomacia denunciaram as Nações Unidas e os regimes internacionais de direitos
humanos, de não-proliferação nuclear e de preservação ambiental.
O
argumento era que tais instâncias seriam parte de um conluio esquerdista
transnacional para enquistar o Brasil no atraso.
Na
prática, o regime fazia de tudo para evitar que suas entranhas fossem expostas
ao público. Os governos da época chegaram a abrir mão de ocupar uma cadeira
rotativa no Conselho de Segurança da ONU para ficar longe dos holofotes.
Também é
daquela época a ideia de que a diplomacia brasileira deve discriminar países em
função de sua identidade ideológica com o ocupante do Palácio do
Planalto.
Hoje, a
velha plataforma de ultradireita ganha cores novas. É nova a noção segundo a
qual as denominações cristãs do país devem ser tratadas como dimensão central
da atuação externa.
É de
agora o uso sistemático de notícias falsas e de teses que, mesmo sendo
esdrúxulas, são defendidas ao arrepio das evidências, como é o caso do atual
discurso oficial sobre mudança do clima e imigração.
Obtusa, a
nova plataforma diplomática de ultradireita lembra muito sua irmã siamesa, a
plataforma de política exterior da extrema esquerda. Trata-se de um mesmo mundo
de fantasmas imaginários, lógica chã e descompromisso com os fatos.
É
possível que o novo projeto da extrema direita sobreviva para além do mandato
de Bolsonaro. Afinal, há muitos
liberais brasileiros que taparão o nariz, mas embarcarão nessa canoa.
Eles
deveriam pensar duas vezes. Essa nova plataforma diplomática inviabiliza a
agenda reformista de Paulo Guedes e Sergio Moro. Em ambos os casos,
os planos de governo demandam adesão a mais compromissos internacionais,
abrindo o Brasil ao mundo sem medo.
Não se
trata de submissão. Ao contrário do que diz a mentira em voga, o Brasil nunca
aderiu a um acordo que demandasse cessão de soberania. Trata-se de produzir
políticas públicas de boa qualidade. E elas são incompatíveis com um projeto
iliberal travestido de patriota.
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