Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
Teria muito mais cousas a dizer, mas creio que o essencial está aí.
Ah, sim: eu recomendaria aos aspones da PR estudar mais um pouco de história.
Em 1929 não houve Grande Depressão, como afirmado no discurso.
Houve apenas uma quebra da Bolsa de NY, ponto.
Em fevereiro de 1930, a Economist já falava em recuperação.
Só com as quebras de bancos em 1931 e a sucessão de medidas tresloucadas dos governos (sempre eles) é que se instalou a depressão.
Paulo Roberto de Almeida
As mentiras e tapeações do discurso de Dilma
O Antagonista, 8/03/2015
Agora, passados o panelaço e buzinaço, vamos nos dar ao trabalho de analisar os principais trechos do discurso de Dilma Rousseff em cadeia nacional.
Dilma: "Os noticiários são úteis, mas nem sempre são suficientes. Muitas vezes até nos confundem mais do que nos esclarecem. As conversas em casa, e no trabalho, também precisam ser completadas por dados que nem sempre estão ao alcance de todas e de todos."
O Antagonista: Ou seja, a imprensa é capciosa e você, a sua família, os seus amigos e colegas de trabalho não têm capacidade de entender a realidade da inflação, do desgoverno e da corrupção...
Dilma: "O Brasil passa por um momento diferente do que vivemos nos últimos anos. Mas nem de longe está vivendo uma crise nas dimensões que dizem alguns. Passamos por problemas conjunturais, mas nossos fundamentos continuam sólidos. Muito diferente daquelas crises do passado que quebravam e paralisavam o país."
O Antagonista: O marqueteiro João Santana trocou "momento difícil" por "momento diferente". O Brasil vive, sim, uma crise monumental: inflação em alta, credibilidade internacional zero, empresas endividadas em dólares com a corda no pescoço, nível de investimento negativo. Os fundamentos estão derretendo, como atestam as agências de risco internacionais.
Dilma: "Nosso povo está protegido naquilo que é mais importante: sua capacidade de produzir, ganhar sua renda e de proteger sua família."
O Antagonista: Mentira. As empresas cortam vagas de trabalho, a inflação corrói os salários e começa a corroer a poupança. As famílias estão endividadas acima do seu limite, iludidas que foram pelo crédito barato dos anos Lula e do primeiro mandato de Dilma.
Dilma: "Estamos na segunda etapa do combate à mais grave crise internacional desde a grande depressão de 1929."
O Antagonista: Mentira, nunca houve primeira etapa. Lula, em 2008, disse que a crise internacional havia chegado ao Brasil como uma "marolinha", e continuou com a sua política econômica inconsequente, baseada unicamente na expansão do crédito, sem investimentos em setores estruturais da economia. A falta de investimentos limita o combate à inflação, reduzindo o arsenal para combatê-la ao aumento da taxa básica de juros -- que agrava a recessão e só faz a alegria da banca. Você leu certo: estamos em recessão.
Dilma: "As circunstâncias mudaram porque além de certos problemas terem se agravado - no Brasil e em grande parte do mundo -, há ainda a coincidência de estarmos enfrentando a maior seca da nossa história, no Sudeste e no Nordeste. Entre muitos efeitos graves, esta seca tem trazido aumentos temporários no custo da energia e de alguns alimentos."
O Antagonista: As carências do país apenas foram evidenciadas pela seca. Faltam planejamento no setor de abastecimento hídrico e investimentos no setor elétrico -- a menos que se tome como investimento o superfaturamento na construção de usinas hidrelétricas que estão com as obras atrasadas.
Dilma: "Você tem todo direito de se irritar e de se preocupar."
O Antagonista: Sim, e de exigir o impeachment do governo mais incompetente e corrupto da história do país.
Dilma: "A crise afetou severamente grandes economias, como os Estados Unidos, a União Européia e o Japão. Até mesmo a China, a economia mais dinâmica do planeta, reduziu seu crescimento à metade de suas médias históricas recentes. Alguns países estão conseguindo se recuperar mais cedo. O Brasil, que foi um dos países que melhor reagiu (sic) em um primeiro momento, está agora implantando as bases para enfrentar a crise e dar um novo salto no seu desenvolvimento. Nos seis primeiros anos da crise, crescemos 19,9%, enquanto a economia dos países da zona do Euro caiu 1,7%."
O Antagonista: O Brasil não reagiu num primeiro momento. Como já foi dito e redito, o governo baseou o crescimento da economia no crédito barato, endividando as famílias. Não investiu na indústria, que hoje se encontra sucateada, e apenas adiou a tempestade, apostando que a China continuaria a importar as nossas commodities nas mesmas quantidades do início dos anos 2000, embora todas as sinalizações apontassem o contrário. A comparação com a União Europeia é marota. Crescemos menos do que a China e a Índia, os outros grandes integrantes do Brics, no mesmo período. Amesquinhamo-nos em parcerias comerciais com países africanos e sul-americanos, em detrimento do estreitamento de laços comercias com os Estados Unidos, não só por ideologia esquerdista, mas porque o governo foi incapaz de enxergar que os americanos sairiam do buraco que criaram mais cedo do que se imaginava, porque são, de longe, a economia mais forte do mundo.
Dilma: "Realizamos elevadas reduções de impostos para estimular a economia e garantir empregos."
O Antagonista: Mentira. As reduções foram pontuais. De maneira geral, a carga de impostos aumentou.
Dilma: "Ampliamos os investimentos públicos para dinamizar setores econômicos estratégicos."
O Antagonista: Mentira. Quais setores? Dilma deve estar falando dos empréstimos secretos do BNDES a empresas ligadas ao petismo, como a JBS/Friboi.
Dilma: "Começamos cortando os gastos do governo, sem afetar fortemente os investimentos prioritários e os programas sociais. Revisamos certas distorções em alguns benefícios, preservando os direitos sagrados dos trabalhadores. E estamos implantando medidas que reduzem, parcialmente, os subsídios no crédito e também as desonerações nos impostos, dentro de limites suportáveis pelo setor produtivo."
O Antagonista: É mentira que o governo esteja cortando gastos. A máquina estatal, já inchada, continua engordando. Basta dizer que Dilma se recusa a cortar um ministério que seja dos 39 que carregamos nas costas. Quanto aos "direitos sagrados" dos trabalhadores, Dilma está fazendo o exato contrário do que prometeu na sua campanha. A redução na desoneração da folha de pagamentos das empresas já está causando demissões.
Dilma: "O Brasil tem hoje mais qualificação profissional, mais infraestrutura, mais oportunidades de estudar e mais empreendedores. Somos a 7ª economia do mundo. Temos US$ 371 bilhões de reservas internacionais. 36 milhões de pessoas saíram da miséria e 44 milhões foram para a classe media. Quase 10 milhões de brasileiras e brasileiros são hoje micro e pequenos empreendedores. E continuamos com os melhores níveis de emprego e salário da nossa história."
O Antagonista: Mentira. A produtividade do trabalhador brasileiro é uma das menores entre os países em desenvolvimento. Ser a sétima economia do mundo não significa muita coisa, visto que a renda per capita é relativamente baixa e não aumentará nos próximos anos, como previu o ex-ministro da Fazenda Armínio Fraga aqui no Antagonista. Essas reservas internacionais são apenas ilusão contábil. Com o aumento do dólar, aumentaram a dívida externa pública e privada. A dívida interna pública é maior do que a divulgada, dizem os economistas sérios. Para o governo, uma família de classe média, com quatro pessoas, é aquela que ganha entre 1 500 e 2 000 reais por mês, ou menos de 700 dólares -- abaixo da linha da pobreza em qualquer nação civilizada. A qualidade dos empregos é vergonhosamente baixa. Temos mais braços do que cérebros. Dilma inclui entre os micro e pequenos empreendedores a massa de assalariados e freelancers obrigada a trabalhar como pessoa jurídica, sem nenhuma garantia trabalhista.
Dilma: "Nossas rodovias e ferrovias, nossos portos e aeroportos continuarão sendo melhorados e ampliados."
O Antagonista: Faz tempo que Dilma não viaja como cidadã comum. E qualquer produtor sabe o quanto representa o custo do transporte no Brasil, por causa da inexistência ou má qualidade das rodovias, ferrovias e portos.
Dilma: "Este esforço tem que ser visto como mais um tijolo, no grande processo de construção do novo Brasil. Esta construção não é só física, mas também espiritual. De fortalecimento moral e ético."
O Antagonista: Essa foi uma tijolada no nosso estômago.
Dilma: "Com coragem e até sofrimento, o Brasil tem aprendido a praticar a justiça social em favor dos mais pobres, como também aplicar duramente a mão da justiça contra os corruptos. É isso, por exemplo, que vem acontecendo na apuração ampla, livre e rigorosa nos episódios lamentáveis contra a Petrobras."
O Antagonista: A mão da Justiça ainda tem de colher Dilma, Lula e os seus cúmplices. E a mão da Justiça está funcionando, APESAR de Dilma, Lula e os seus cúmplices, como José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, e Luís Inácio Adams, advogado-geral da União, que fazem advocacia administrativa para a companheirada corrupta e as empreiteiras do petrolão.
(Especial Infolatam).- La visita a Caracas del secretario general de Unasur, Ernesto Samper, acompañado por los ministros de Exteriores de Brasil, Colombia y Ecuador no sólo puso de relieve, una vez más, la ineficacia de esta instancia regional, sino también la imposibilidad de alcanzar una solución negociada a la crisis de gobernabilidad que vive Venezuela. Contraponiendo las normas básicas de la diplomacia, Samper optó por abandonar la equidistancia, mostrándose mucho más próximo al gobierno de Nicolás Maduro que a las fuerzas de la oposición. Ya desde su llegada optó por exponer sus puntos de vista de forma categórica, con escasos matices: “Estamos aquí por invitación del presidente… Hemos recibido informaciones que registramos con preocupación y frente a esta evidencia queremos declarar de manera enfática que todos los estados de Unasur, sin excepción, rechazarán cualquier intento de desestabilización democrática de orden interno o externo que se presente en Venezuela”. Tal postura inicial condenó al fracaso cualquier intento posterior de potenciar el diálogo por encima de otras respuestas más altisonantes o rupturistas. Es posible que la hoja de ruta trazada por Samper partiera de la premisa de que sin una mínima complicidad con el gobierno bolivariano no habría avances concretos en ninguna dirección. Puede ser, pero eso no debería excluir un mayor respeto y atención a la otra parte. A partir de aquí, el balance que hizo el secretario general de su labor en los días pasados no puede ser más triunfalista. Por un lado, anunció que las elecciones parlamentarias se celebrarían en septiembre, algo que la oposición cuestionó al no haber ninguna confirmación del Consejo Nacional Electoral. Resulta cuanto menos curiosa, por contradictoria con estas afirmaciones, lo dicho por la ministra colombiana de Exteriores María Ángela Holguín. Holguín señaló que la delegación de Unasur trasladó a los opositores con los que se había reunido que el propósito de su misión no era el reinicio del diálogo, algo que “en ningún momento se planteó como tal”. Por el contrario, el principal objetivo era desarrollar “el tema electoral, sobre todo para oírlos en cómo están viendo ese proceso”. Por el otro lado, Samper manifestó de forma rotunda que su paso por Venezuela “abrió caminos para el diálogo político que se mantenía cerrado por más de un año”. A la vista de las declaraciones de todos los sectores de la oposición, tanto de quienes fueron convocados a encontrarse con la delegación de Unasur, como de quienes fueron marginados, tal conclusión resulta bastante cuestionable. Entre otros argumentos manejados por la oposición destaca la negativa de Unasur de entrevistarse con Leopoldo López o con Antonio Ledezma, ambos presos en la cárcel de Ramo Verde. Henrique Capriles descalificó a Unasur por su escaso conocimiento de la realidad venezolana, mientras otros representantes de la oposición se expresaron de forma más rotunda. Los más duros fueron aquellos excluidos, como Jesús Torrealba, secretario general de la MUD (Mesa de Unidad Democrática), quien apuntó: “Samper llegó a Venezuela con un discurso parcializado y una convocatoria excluyente. Así no se promueve el diálogo, se confronta. Vino a apoyar le leyenda madurista de golpes de estado imaginarios y guerras económicas ficticias. Está haciendo las relaciones públicas del Gobierno”. Algunas de las manifestaciones de Samper soliviantaron a aquellos opositores más reacios al diálogo y convencieron a los más neutrales de que su misión tenía poco recorrido. En este sentido destacan algunas de sus declaraciones, como que en Venezuela había separación de poderes o que Unasur jamás apoyaría ninguna salida golpista, algo en lo que, paradójicamente coincide con la mayor parte de la oposición. Un tema al que el secretario general de Unasur dio mucha trascendencia fue el del abastecimiento, al punto que anunció que su organización convocaría una comisión especial “para crear unas cadenas regionales de apoyo a la distribución de ciertos y precisos bienes de consumo básico”. Esta afirmación tan sui generis revelarían la existencia de un rol nuevo y promisorio para Unasur, abocada a resolver las deficiencias de abastecimiento de los venezolanos. El problema de fondo, al que es incapaz de responder el gobierno de Maduro, es que mientras no se restablezca el normal funcionamiento de los mecanismos del mercado cualquier esfuerzo por paliar la situación será en vano. Con sus polémicas declaraciones Samper no sólo ha puesto en cuestión la capacidad de Unasur de mediar en el conflicto venezolano, sino también la credibilidad futura de la organización como interlocutor válido en los distintos foros multilaterales. Poco le sirve a Unasur que su actividad sea equiparada con la del ALBA. Las reiteradas denuncias de la comunidad internacional frente al silencio de los gobiernos latinoamericanos respecto al conflicto venezolano obligó a dar alguna respuesta. La iniciativa de Unasur podía haber sido el camino para comenzar, lentamente y con mucho trabajo por delante, a desactivar lo que puede ser una crisis de repercusiones regionales. La falta de equidistancia y, sobre todo, la menor muestra de empatía con el otro han servido para condenar definitivamente al fracaso cualquier posibilidad de diálogo pacífico en Venezuela.
Tango Cambalache,
letra de Enrique Santos Discépolo (1934)
Um dos mais famosos tangos
da história musical da Argentina foi escrito em plena “década infame”, quando
tem início a decadência daquele país, agravada depois pelo peronismo, que aliás
liberou a música, antes proibida, por sua letra ser justamente percebida como
uma crítica feroz à situação anterior (para a letra completa, de ácido teor,
ver o link: http://www.musica.com/letras.asp?letra=974519). Em todo caso, o que
Discépolo pensava do século 20, então recém ingressado em sua quarta década,
parece aplicar-se igualmente, e talvez até com mais razão, ao século 21, recém
entrado em sua segunda década: até aqui, foi um desabrochar de maldades
insolentes, ninguém pode negar; em certos países “resulta que es lo mismo,
ser derecho que traidor”. Onde foi parar aquela nova ordem mundial, defendida ou prometida
por Bush pai, em 1991?
Estaríamos, por acaso,
necessitados, tanto quanto a Europa do final das guerras napoleônicas, de uma
réplica do congresso de Viena, apto a reorganizar, num grande concerto de
nações, as bases de uma nova ordem mundial? Seria isso possível? Essa pergunta
me veio à mente ao ler o mais recente livro de Henry Kissinger, World Order(New York: Penguin Press, 2014), que não coloca exatamente a questão, mas a engloba
numa grande reflexão histórica, que começa, na verdade, pelo reordenamento da
paz de Westfália. Esta, como ele indica acertadamente, não foi uma única
conferência, mas um complexo processo negociador, com acordos separados em duas
diferentes cidades.
Todos os estudiosos das
relações internacionais e da história diplomática contemporânea sabem que
Mister Kissinger estaria em excelente companhia, e ficaria extremamente
satisfeito, se pudesse ser tele-transportado numa máquina do tempo para a Viena
de 1815, para poder assessorar, ao mesmo tempo, Metternich e Castlereagh. Até
mesmo Talleyrand, ministro de Luís XVIII, vindo do Ancien régime aristocrático,
convertido em aliado da revolução, ministro do Império, sobrevivente na Restauração
e finalmente servidor da monarchie de
Juillet, poderia receber seus conselhos de longevo servidor de vários
governos, tanto quanto o francês. Talvez seja maldade deste articulista, mas
tendo lido a admiração sincera com que Kissinger completou sua tese de doutorado
em torno dos dois primeiros estadistas, depois publicada como A World Restored: Metternich, Castlereagh and the Problems of Peace, 1812-22(1954),
dá para imaginar o entusiasmo com o qual ele
se movimentaria apressadamente atrás de cada uma das três delegações, para
assoprar, aos ouvidos dos seus chefes respectivos, suas sugestões sobre como organizar
a melhor balança de poder possível, suscetível de contemplar os interesses das
grandes potências daquela época, e apenas os delas.
O mesmo sentido profundo da História transparece nesse
seu último livro (no sentido cronológico, apenas), intitulado simplesmente World
Order, sem qualquer subtítulo. Poucos autores na categoria das ciências
humanas ousariam desafiar as normas editoriais americanas e publicar um volume
de 400 páginas, com apenas duas palavras no seu título, o que aliás já tinha
sido o caso de On China (2011), seu livro sobre o grande contendor do
novo jogo geopolítico mundial. Os dois últimos livros, e o primeiro, nos trazem
o melhor Kissinger, o pensador, o historiador, mais do que o estrategista do
equilíbrio do terror nuclear, o memorialista dos anos de Casa Branca, ou o
consultor caríssimo de governos estrangeiros, o homem que ganhou um prêmio
Nobel por razões imerecidas, e que provavelmente merece mais distinções
acadêmicas por seu trabalho intelectual do que propriamente pelas suas
realizações a serviço de governos.
Kissinger parece o contrário de um Winston
Churchill, que ganhou um prêmio Nobel por seu trabalho como historiador (tarefa
que ele desempenhou em seu próprio benefício, obviamente), quando merecia o
prêmio por ter salvo a civilização ocidental do assalto horrífico dos bárbaros
nazifascistas, e ousado resistir, ao custo de “sangue, suor e lágrimas”, quando
muitos recomendavam um pacto com o diabo em pessoa (isto é, Hitler). Kissinger
talvez merecesse um prêmio literário por sua obra acadêmica, em especial os
três livros citados, e mais Diplomacy (1994), uma vez que ele passou o
seu tempo de estrategista tentando justamente fazer pactos com os diabos
(Brejnev, Mao), como fazem, por sinal, os estadistas das grandes potências
quando a ocasião lhes é dada. Talvez nem o júri do Nobel literário concordasse
com esse tipo de galardão, uma vez que mesmo seus livros de caráter histórico
estão igualmente contaminados por certa visão do mundo – do tipo “eu sei, eu
fiz, eu estava lá” – que tende a impregnar as suas sugestões de uma “boa ordem mundial”
como a única possível nas circunstâncias dadas (este é um viés a que nem mesmo
Churchill escapou, seja em sua história da Segunda Guerra, ou na sua precedente
história dos povos de língua inglesa).
O problema com Mister Kissinger é que ele teria gostado
de um mundo mais “vienense” do que o que temos atualmente, já que se trata de uma
“ordem mundial” que não é propriamente uma ordem, nem é universal, como ele
mesmo reconhece no livro homônimo. O mundo parece se estilhaçar, não em novas
conflagrações globais, mas em rivalidades hegemônicas, em proxy wars,
com vilões proliferadores protegidos por uma ou outra das grandes potências, com
desafios vindos de atores não estatais, alguns até se pretendendo califados
expansionistas, ou mesmo com bravatas anti-imperialistas de líderes de
pacotilha, num estilo parecido ao de certos fascistas do entre-guerras.
Tudo isso é real, e já está acontecendo, um pouco
em vários cantos do planeta, inclusive numa Europa que já reproduziu, em pleno
século 20, uma segunda “guerra de trinta anos”, uma repetição, em larga escala,
dos terríveis conflitos que deram a partida, no século 17, à ordem westfaliana
que ainda constitui o horizonte insuperável de nossa época, e pela qual tem
início, justamente, World Order. Na impossibilidade de se chegar a novos
acordos westfalianos – que, de resto, já estão incorporados na Carta da ONU –
talvez Kissinger sonhe com novo Congresso de Viena, capaz de estabelecer as
bases da nova “ordem mundial” que ele deve intimamente desejar. Talvez ele até se
dispusesse a assessorar um ou outro soberano dos novos tempos, com conselhos
sempre sensatos sobre como melhor organizar uma balança de poder entre as grandes
potências, como fizeram os estadistas de dois séculos atrás.
Seria isto possível? Levaria um congresso do mesmo
estilo a resultados efetivos e duráveis? Provavelmente não, pois faltaria a tal
arranjo fundacional aquilo que existiu em cada reorganização anterior da ordem
mundial: uma contestação radical da ordem anterior, com uma alteração
fundamental das relações de força entre as grandes potências, e um
reordenamento baseado no novo equilíbrio de poder. Westfália veio depois da
“guerra de trinta anos”; Viena veio após as guerras napoleônicas; Versalhes e a
Liga das Nações sucederam à Grande Guerra; Ialta e Potsdam, em 1945, prepararam
São Francisco, que foi quase uma formalidade, depois que certas questões já
estavam acertadas em Teerã (1943), em Dumbarton Oaks (1944) e naqueles dois
encontros decisivos. Mas não é apenas pela falta de uma grande conflagração
global que um novo congresso de Viena – que obviamente não seria em Viena – se
revela impossível em nossos dias. O que falta, na verdade, seria uma espécie de
entendimento prévio sobre o que discutir e o que se buscar. “Na construção de
uma ordem mundial”, diz Kissinger no capítulo final de seu livro, “uma questão
chave refere-se inevitavelmente à substância de seus princípios unificadores”,
mas, acrescenta ele imediatamente após, “nos quais reside uma distinção
fundamental entre as abordagens ocidentais e não ocidentais a essa ordem” (p.
363). A distinção não é obviamente geográfica tão simplesmente, mas
fundamentalmente política e de valores.
A dificuldade, portanto,
não resulta de um simples problema de agenda, ou seja, da falta de uma ordem do
dia consensual, uma lista de questões sobre a base das quais discutir um novo
arranjo global num formato similar ou equivalente àquele de 1815. Mister
Kissinger acredita que a carência de uma ordem mundial para o século 21 pode
ser explicada por aspectos, ou dimensões, que diferem da ordem precedente.
Primeiro, a natureza do estado, em si – a unidade básica da vida internacional
– que tem sido submetida à uma variedade de pressões desagregadoras (seja por
falta de uma soberania efetiva, como no caso da UE, seja pela sua contestação
por novos “senhores da guerra”), quando não se cai na falta de governança tout court, em estados falidos, ou territórios
inteiros sem governo. Depois, uma descoordenação entre as organizações
econômicas e políticas internacionais, as primeiras acompanhando o processo de
globalização, mas as segundas ainda baseadas no estado-nação. Finalmente, a
falta de um mecanismo de consulta e cooperação entre as grandes potências “on
the most consequential issues” (p. 370). Aqui já estamos em face de cenas explícitas
de kissingerianismo geopolítico: todas as instâncias existentes – CSNU, Otan,
Apec, G-7 ou G-8, G-20 – lhe parecem carentes de maior foco, pois os chefes de
governo ali presentes estão mais preocupados com o seu público interno, e com o
comunicado final, do que com problemas concretos.
Pode ser isso, ou também
pode ser que o mundo de Viena já não tem mais condições de existir: ele era a
expressão de um arranjo westfaliano entre potências europeias, ou seja cristãs,
numa época em que a Europa dominava o mundo, o que ela fez durante praticamente
cinco séculos, o último junto com os Estados Unidos, mas já contestados pelas
novas potências emergentes. A própria Alemanha tinha desafiado as bases da
ordem europeia e internacional no arranjo precedente, por ter chegado tarde,
bem depois da Prússia, na mesa de negociações e nas conquistas imperiais subsequentes
(ainda que ela se tenha talhado alguns pedaços na Ásia e na África). Foi
justamente o seu desejo de redistribuir as cartas do jogo que provocou uma nova
guerra de trinta anos e a derrocada definitiva da hegemonia europeia sobre os
assuntos do mundo.
A China provavelmente não
tem nenhuma pretensão de ser uma nova Alemanha nas condições do século 21, nem
a Rússia tem capacidade para aspirar a tal papel, muito embora ela ainda talvez
gostasse de poder determinar o que podem e, sobretudo, o que não podem fazer as
antigas satrapias do império soviético. O problema, na verdade, não é só de
ordem geopolítica, mas também de valores e de concepções do mundo. Não se pode
ser um Metternich – como talvez gostasse Kissinger – se não se tem do outro
lado, como interlocutores afinados nesse tipo de jogo, estadistas como Castlereagh
ou mesmo Talleyrand. Aparentemente, nem Xi Jin-ping nem Putin se dispõem a amoldar-se
em papeis equivalentes aos de Hardenberg ou de Nesselrode, os representantes
respectivos da Prússia e da Rússia imperiais em Viena. O que se buscava, na
capital do Império dos Habsburgos, era um arranjo europeu, no máximo alcançando
a periferia mais próxima, a do Império Otomano e suas dependências balcânicas. Os
arranjos que se fizeram com os impérios ibéricos e suas possessões coloniais o
foram por causa da herança napoleônica, não porque as grandes potências
estivessem tentando traçar um esquema equivalente a Tordesilhas, ou seja, uma primeira
divisão do mundo que só seria tentada novamente em Ialta, quase cinco séculos
mais tarde.
Kissinger talvez gostasse
que Estados Unidos e China chegassem a um acordo básico sobre as relações
recíprocas, e foi em grande medida em vista desse objetivo que ele escreveu On China, uma obra particularmente
compreensiva e leniente para com as lideranças chinesas. Da Guerra Fria
política dos tempos de Stalin à nova Guerra Fria econômica dos nossos dias, o
mundo mudou perceptivelmente em termos de atores e de interesses nacionais
projetados internacionalmente. Viena-1815 nunca foi um encontro filosófico entre
potências cristãs interessadas primariamente no bem estar de seus respectivos
povos: o que estava em jogo ali era apenas o equilíbrio de poderes para evitar
uma nova conflagração global. Westfália se revelou mais durável porque tratou
basicamente de procedimentos, não de substância, como ele diz em outra parte do
livro.
Esse objetivo, hoje em
dia, está na prática assegurado pela detenção dos arsenais atômicos, o que
restringe a subida aos extremos por parte de qualquer uma das grandes potências
nucleares. Mas uma Viena do século 21 não poderia mais eludir os avanços registrados
em matéria de direito internacional, de democracia e de direitos humanos. Tais
dimensões, aparentemente, só seriam hoje defendidos pelos Estados Unidos, e se dependesse
de Mister Kissinger talvez nem isso. Tais critérios certamente não fariam parte
da agenda das outras grandes potências. Ah, sim, ainda tem a Europa, se ela é verdadeiramente
um membro dessa pequena tribo, na vertente democrática; Kissinger, nos seus
velhos tempos de guardião da paz no mundo, se perguntava: “se eu quiser falar
com a Europa, eu telefono para quem?” Parece que o problema continua o mesmo.
O que dizer, então, das
chamadas “potências emergentes”? A julgar pelas tomadas de posição de algumas
delas, em suas próprias esferas regionais, talvez não se possa contar tampouco
com elas para algum arranjo nouvelle
manière, seja no formato Viena 2.0, seja uma reforma do sistema onusiano,
esse dinossauro que também ostenta um cérebro totalmente desproporcional em
relação ao seu imenso corpo. Em resumo, vamos esquecer essa história de um novo
arranjo diplomático para a tal “ordem mundial do século 21”, e nos
concentrarmos em tarefas mais prosaicas de administração da governança
econômica e da defesa dos direitos humanos e da democracia onde isso for
possível. O mundo ainda é bem mais hobbesiano do que grociano, e certos
dirigentes atuais estão bem mais para Átila ou Gengis-Khan do que para Locke ou
Montesquieu.
O progresso pode até ser
uma fatalidade, como queria Mário de Andrade, alguns anos antes do milonguero
argentino desconfiar de qualquer avanço, mas talvez seja porque a história
parece andar a um ritmo similar ao dos carros de bois de antigamente. Quando alguns
mais apressadinhos tentaram forçar a passagem em marcha acelerada, não deixaram
de ocorrer acidentes de percurso, como descobriu, para sua infelicidade, o
último xá da Pérsia. O próprio Kissinger confessa, ao final do seu livro (p.
374), que perdeu sua esperança de juventude de descobrir o “sentido da
História”. Provavelmente, ele não existe, pelo menos não no sentido
hegeliano-marxista. Quanto ao seu ritmo, talvez caiba se contentar com o de
certas partituras: vivace, ma non troppo!
Em todo caso, poderíamos repetir com Discépolo: “Todo es igual, nada es
mejor…”.
Recomendação
de leitura:
Peter W. Dickson: Kissinger
and the Meaning of History (Cambridge University Press, 1978). [Nota: o
autor é um acadêmico formado em filosofia que trabalhou para a CIA, o que
revela quão eclética é essa agência de inteligência.]
[Hartford, 2779: 23 fevereiro 2015, 5 p; revisão: 6 de
março, 6 p.]
Mario Vargas Llosa *
O Estado de S.Paulo, 08.03.2015
Quando
o governo venezuelano de Nicolás Maduro autorizou sua guarda pretoriana
a usar armas de fogo contra as manifestações de estudantes sabia muito
bem o que estava fazendo. Seis jovens foram assassinados nas últimas
semanas pela polícia ao tentar acalmar os protestos de uma sociedade
cada vez mais enfurecida contra os ultrajes desenfreados da ditadura
chavista, a corrupção generalizada, o desabastecimento, o colapso da
legalidade e a crescente situação de caos que se estende por toda a
Venezuela.
Este
contexto explica a escalada repressora do regime nos últimos dias: a
prisão do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, um dos mais destacados
líderes da oposição, quando completava um ano a prisão de Leopoldo
López, outro dos grandes resistentes, e meses após María Corina Machado -
figura relevante entre os adversários do chavismo - ter sido privada de
sua condição de parlamentar e submetida a um assédio judiciário.
O
regime sente-se cercado pela crítica situação econômica à qual sua
demagogia e inépcia levaram o país. Sabe que sua impopularidade cresce
e, a não ser que massacre e intimide a oposição, sua derrota nas
próximas eleições será cataclísmica (segundo as pesquisas, sua aprovação
é de apenas 20%).
Por
isso, desencadeou o terror de maneira escancarada e cínica, alegando a
costumeira desculpa: uma conspiração internacional dirigida pelos
Estados Unidos da qual seriam cúmplices os opositores democráticos do
chavismo. Conseguirá calar os manifestantes por meio de crimes, torturas
e prisões em massa?
Um
ano atrás o conseguiu, quando milhares de venezuelanos foram às ruas
pedindo liberdade (eu estava lá e vi com meus próprios olhos a
formidável mobilização libertária dos jovens). Para isso foi necessário o
assassinato de 43 manifestantes, muitas centenas de feridos e de
torturados nos cárceres políticos e milhares de presos. Mas, um ano mais
tarde, a oposição ao regime se multiplicou e a situação de
libertinagem, desabastecimento, ultraje e violência só serviu para
encolerizar cada vez mais as massas venezuelanas. Para prender e dominar
este povo desesperado e heroico será necessária uma repressão
infinitamente mais sangrenta que a do ano passado.
Maduro,
o pobre homem que sucedeu a Chávez à frente do regime, demonstrou que
sua mão não treme na hora de verter o sangue de seus compatriotas que
lutam pela volta da democracia na Venezuela. Quantos mortos mais e
quantas prisões políticas serão necessários para que a OEA e os governos
democráticos da América Latina abandonem seu silêncio e comecem a agir,
exigindo que o governo chavista renuncie à sua política de repressão
contra a liberdade de expressão e a seus crimes políticos, e facilitem
uma transição pacífica da Venezuela para um regime de legalidade
democrática?
Num
excelente artigo, como costumam ser, Un estentóreo silencio, Julio
Maria Sanguinetti (El País, 25/2/2015) censurou severamente estes
governos latino-americanos que, com a tíbia exceção da Colômbia - cujo
presidente se ofereceu para intermediar as conversações entre o governo
de Maduro e a oposição - observam impassíveis os horrores que o povo
venezuelano padece nas mãos de um governo que perdeu todo sentido dos
limites e age como as piores ditaduras que o continente das
oportunidades perdidas sofreu.
Decência. Podemos
ter a certeza de que o emocionado apelo do ex-presidente uruguaio (José
Mujica) à decência aos mandatários latino-americanos não será ouvido.
Que outra coisa se poderia esperar desse lamentável grupo em que abundam
os demagogos, os corruptos, os ignorantes, os políticos rasteiros? Sem
falar na Organização dos Estados Americanos, a instituição mais inútil
produzida na América Latina em toda a sua história; a ponto de, toda vez
que um político latino-americano é eleito ao cargo de seu
secretário-geral, parece amolecer e sucumbir a uma espécie de catatonia
moral.
Sanguinetti
contrapõe, com toda a razão, a atitude destes governos "democráticos"
que fingem não enxergar quando na Venezuela ocorrem violações dos
direitos humanos, são fechados canais de TV, emissoras de rádio e
jornais, com a celeridade com que estes mesmos governos "suspenderam" da
OEA o Paraguai quando o país, segundo os mais estritos procedimentos
constitucionais e legais, destituiu o presidente Fernando Lugo, medida
que a imensa maioria dos paraguaios aceitou como democrática e legítima.
A que se deve o uso de dois pesos e duas medidas? Ao fato de que
Maduro, que assistiu à transmissão do cargo presidencial no Uruguai e
foi recebido com honras por seus colegas latino-americanos, é de
"esquerda" e os que destituíram Lugo eram supostamente de "direita".
Embora
muitas coisas tenham mudado para melhor na América Latina nas últimas
décadas - há menos ditaduras, uma política econômica mais livre e
moderna, uma redução importante da extrema pobreza e um crescimento
notável das classes médias - seu subdesenvolvimento cultural e cívico é
ainda muito profundo e isso se torna patente no caso da Venezuela. Com o
risco de serem acusados de reacionários e "fascistas" os governos
latino-americanos que chegaram ao poder graças à democracia estão
dispostos a cruzar os braços e fingir que não enxergam enquanto um bando
de demagogos, assessorados por Cuba na arte da repressão, empurra a
Venezuela para o totalitarismo.
Eles
não se dão conta de que sua traição dos ideais democráticos permitirá
que, no dia de amanhã, seus países sejam também vítimas desse processo
de destruição das instituições e das leis que está levando a Venezuela à
beira do abismo, ou seja, a tornar-se uma segunda Cuba e a padecer,
como a ilha do Caribe, de uma longa noite de mais de meio século da
ignomínia.
O
presidente Rómulo Betancourt da Venezuela, que era de estofo diferente
dos atuais, pretendeu, nos anos 60, convencer os governos democráticos
da América Latina (eram poucos) da necessidade de buscar uma política
comum contra os governos que - como o de Maduro - violentaram a
legalidade e se transformaram em ditaduras. Ou seja, romper as relações
diplomáticas e comerciais com eles e denunciá-los no plano
internacional, a fim de que a comunidade democrática ajudasse desse modo
os que defendiam a liberdade no próprio país. Não é preciso dizer que
Betancourt não obteve o apoio de um único país latino-americano.
A
luta contra o subdesenvolvimento sempre estará ameaçada de fracasso e
retrocesso enquanto as lideranças políticas da América Latina não
superarem este estúpido complexo de inferioridade em relação a uma
esquerda à qual - apesar das catastróficas credenciais que pode exibir
em questões econômicas, políticas e de direitos humanos (não bastam os
exemplos dos Castros, Maduro, Morales, os Kirchners, Dilma Rousseff, o
comandante Ortega e companhia?) concedem ainda uma espécie de
superioridade moral em questões de justiça e solidariedade social.
Um idiota completo, que ao menos reconhece que a sua construção faliu completamente. Queria o quê? Um socialismo que funcionasse? Onde é que isso ocorreu?
Para
sociólogo alemão ex-mentor de Hugo Chávez e idealizador do socialismo
do século 21, crise econômica e violência urbana derrubaram popularidade
do governo
Eleito
em 2013 após a morte de seu padrinho político, Hugo Chávez, o
presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, enfrenta uma crise econômica
agravada pela queda do preço do petróleo, uma popularidade em torno dos
20% e críticas dentro e fora da Venezuela pela prisão de políticos da
oposição, a quem acusa de tentar derrubá-lo. Para o sociólogo alemão
Heinz Dieterich, ideólogo do socialismo do século 21 defendido por Hugo
Chávez, que nos últimos anos tornou-se crítico do chavismo, o maior
risco de golpe vem de dentro do próprio chavismo e não da oposição. "Se
não tomar medidas drásticas e corretas para resolver os problemas
econômicos e de segurança, perderá o apoio dos militares chavistas, que
vão tirá-lo do poder", disse ele ao Estado. A seguir, a íntegra da
entrevista, concedida por e-mail.
Qual
a avaliação do senhor sobre as recentes medidas econômicas do
presidente Maduro, especificamente a criação de uma banda de câmbio
flutuante (Simadi)?
Desde
o ponto da economia política, é uma medida completamente disfuncional e
até idiota, porque joga gasolina no fogo. O volume do Simadi é tão
pequeno que não cobre a demanda. Em consequência, exerce uma pressão que
eleva o preço do dólar. Isso é evidente no mercado paralelo, onde o
preço do dólar subiu 60% em um dia. A diferença do mercado negro para o
Simadi já supera os 100 bolívares por dólar (280 a 177). No aspecto
político, é uma medida classista em favor dos estratos privilegiados que
podem ter fundos e contas em dólares e a favor das empresas
transnacionais que podem trocar os seus dólares para pagar trabalhadores
com um salário real a nível africano. Novamente, os pobres pagam as
contas dos tímidos ajustes neoliberais de um governo absolutamente
inepto.
Por que a popularidade do governo caiu tanto?
Há
duas razões. O governo Maduro não resolveu dois grandes problemas que
afligem os cidadãos: a economia e a segurança. A inflação do ano passado
superou 60%. A de janeiro chegou a 12% ao mês e é possível que em 2015
ocorra uma hiperinflação, o que quer dizer na prática o colapso do
sistema financeiro e monetário. Um calote em parte da dívida externa até
o fim do ano é possível. Uma taxa de crescimento negativo do PIB, como
ocorreu nos últimos anos é provável. A produtividade, a produção e a
eficiência na distribuição de mercadorias não se recuperará diante do
sistema administrativo atual, que é controlado pelo estado. As receitas
públicas do petróleo não se recuperarão nos próximos anos e uma reforma
fiscal ou o aumento da gasolina se darão em um ano de debilidade
eleitoral do governo. E esse desastroso panorama se repete no setor de
segurança. A segunda razão é que a mais de dois terços da população já
não acreditam na desculpa do governo, de que isso é resultado da "guerra
econômica" dos capitalistas e de Washington. Na prática, quase 80% já
não acredita no discurso oficial de Maduro, como dizem as pesquisas
sérias.
Na
sua opinião, como os coletivos chavistas e as pessoas mais pobres estão
enfrentando a crise. Eles ainda têm confiança no chavismo?
O
que foi quase o monolítico Bloco de Apoio Chavista (BAC) nos tempos do
presidente Chávez hoje está rachado. Os 20% de apoio que resta a Maduro
nas últimas pesquisas é essencialmente dos mais pobres, que, com razão,
temem perder as conquistas sociais que tiveram com Chávez. E eles ainda
acreditam nas mentiras do governo porque é a única esperança e consolo
que lhes restaram diante do futuro neoliberal. Algo como os jesuítas
diziam: credo quia absurdum est: acredito apesar do absurdo que é. A
classe média está muito decepcionada com o governo e com a oposição e
busca o que chamam de "terceira via". Os mais politizados do movimento
chavista querem, de um lado, soluções impossíveis como a "ditadura
revolucionária" e de outro a reestruturação da troica governante. Até
agora tiveram pouco êxito. Um último setor, por fim, se despolitiza e se
conforma que não se pode fazer nada.
Agora o preço do petróleo está em baixa. Por que o chavismo não conseguiu estar preparado para esse cenário?
Foi
uma conjunção de fatores que derrubou o preço do petróleo: o gás de
xisto, a ruptura da Opep pela Arábia Saudita, a crise mundial e outros.
Obviamente, os estrategistas da PDVSA e do governo não previram a
gravidade dessa crise porque os fundos de reserva que tinham separado
são totalmente inadequados para suportar uma crise dessa natureza. A
segunda razão é que todo o programa de substituição de importação via
industrialização endógena e a soberania alimentar falhou. Na prática, um
gigantesco volume de divisas seguem no exterior sem efeito produtivo na
Venezuela. Por último, o desperdícios de recursos, como por exemplo o
preço da gasolina, a corrupção e a destruição das cadeias produtivas por
uma intervenção estatal absurda e ineficiente e o despreparo do sistema
para absorver um choque externo como o atual
Não
seria melhor que o chavismo tivesse investido em infraestrutura
produtiva, como fizeram Evo Morales e Rafael Correa? Ou as
características políticas da burguesia venezuelana não tornariam isso
possível?
Sim,
era o indicado. E, de fato, Chávez queria potencializar a Venezuela
dessa maneira. Mas o único setor onde conseguiu melhorar a
infraestrutura foram as Forças Armadas. E, de maneira assistencial, no
combate à pobreza e na saúde. A burguesia venezuelana é, de fato, uma
das mais parasitárias e improdutivas da América Latina. Sempre viveu da
renda do petróleo, como as dinastias feudais-mercantis do Oriente Médio e
de sua relação plutocrática com o Estado. A ideia de Chávez era
substituir essa classe social falida com cooperativas e setores
nacionalistas, o que sempre foi um romantismo. Isso requeria um projeto
racional e uma burocracia eficiente de imposição, como o Ministério do
Planejamento japonês. Chávez nunca conseguiu criar essa estrutura de
direção e controle.
O que Maduro ganha politicamente com a prisão de Ledezma?
Intimidar
a direita golpista, que não acreditava que ele ia se atrever a
prendê-lo. Mas isso tem um efeito de curta duração. Ganhou dois ou três
meses nos quais Washington e seus aliados golpistas venezuelanos terão
de se readequar à nova situação e reconfigurar sua estratégia de
desestabilização. Em suas fileiras, Maduro se lança como um marechal de
campo que derrota o inimigo. Mas, novamente, é uma vitória de Pirro,
porque o efeito é conjuntural.
Em
artigo em janeiro no site aporrea, o senhor apostou que Maduro fica no
poder no máximo até 2016, seja por referendo revocatório, renúncia ou
intervenção militar. Qual desses cenários é mais provável?
Se
não tomar medidas drásticas e corretas para resolver os problemas
econômicos e de seguança, perderá o apoio dos militares chavistas, que
vão tirá-lo do poder. Há diferentes maneiras de fazê-lo e isso pode
ocorrer antes de dezembro desse ano. Se isso não ocorrer, sai em 2016 no
referendo revocatório ou eleições antecipados.
Que motivos teriam as Forças Armadas para intervir?
A
perda do projeto chavista original, com seus fortes componentes
nacionalista, antiimperialista, bolivariano e social. Chávez deu aos
militares uma razão de ser e uma missão secular. Se a perderem, vem o
caos e a anarquia. E nada é mais terrível para um militar que a ideia de
anarquia. Evidentemente, os oficiais de alta patente perdem também seus
enormes privilégios econômicos e políticos atuais, uma vez que fazem
parte da classe dominante.
O
que está por trás politicamente da decisão de tirar o ex-presidente da
PDVSA Rafael Ramírez do Ministério Do Petróleo, fazê-lo chanceler e
depois enviá-lo para ser chanceler na ONU?
Ramírez
e Diosdado Cabello sempre foram inimigos porque Cabello é um
anticomunista até a morte, enquanto Ramírez é um sobrevivente do
socialismo do século 20. Como o ex-ministro do Planejamento Jorge
Giordani, representa a esquerda do passado que não entende o socialismo
do século 21, mas que, de qualquer forma, são inaceitáveis para um
burocrata fazedor de intrigas e autoritário como Cabello. Dado que é
Cabello quem manda na Venezuela, uma vez que Maduro nada mais é que a
face pública da facção chavista dominante, era só uma questão de tempo
até eliminar qualquer vestígio de esquerda no gabinete. A Venezuela está
na fase do Termidor. Acabou a fase revolucionária dos jacobinos
latino-americanos.
Não deveria merecer tanta atenção assim, uma vez que o Brics é um grupo altamente artificial, sem quaisquer características comuns aos cinco (antes quatro) membros.
Deve ser efeito do excesso de publicidade e do voluntarismo oportunista de quem se movimenta.
Paulo Roberto de Almeida
Hi Paulo Roberto,
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A abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, neste momento, pode ser politicamente tentadora, mas será certamente inoportuna, diante dos imensos obstáculos regimentais e partidários que a ela se oporão. Mesmo assim, dezenas de milhares de pessoas, mobilizadas por meio de redes sociais, prometem sair às ruas em todo o Brasil, no próximo dia 15, para exigir que Dilma seja impedida de continuar no cargo.
O efeito imediato das manifestações tal como programadas, se elas realmente tiverem a dimensão que prometem, será o acirramento dos ânimos e a radicalização. Tal atmosfera de instabilidade ofereceria àqueles que se sentem acuados pela crise a oportunidade de reagir de forma violenta, transformando em "golpistas" todos os que se opõem ao governo Dilma - desde os que pregam o impeachment até os cidadãos que apenas estão cansados de tanta corrupção e incompetência. O ex-presidente Lula, por exemplo, já disse que açulará o "exército de Stédile" - o chefe do MST - contra quem for às ruas pedir a saída de Dilma.
As manifestações de protesto e descontentamento transferem-se extemporaneamente para as ruas porque a oposição formal à presidente no Congresso não tem sido capaz de exprimir o sentimento de frustração nacional com o desastre moral e administrativo do governo petista. A oposição a Dilma, por estranho que pareça, tem sido exercida dentro da própria coalizão fisiológica que a sustenta e até mesmo dentro de seu próprio partido. Nada disso está acontecendo por acaso, pois interessa cada vez menos aos antigos aliados vincular-se a um governo que naufraga em meio ao desastre econômico causado pela incompetência de Dilma, com prejuízos para todos os brasileiros - mas, em especial, para os mais pobres, aqueles que o PT se diz orgulhoso de ter resgatado da miséria.
Os mais recentes movimentos de Lula nada mais são do que uma tentativa de desatrelar-se das trapalhadas da presidente para continuar se apresentando como o herói das classes desfavorecidas na luta contra "eles" - isto é, contra os supostos conspiradores, representantes das "elites" que tramam a queda de Dilma e, mais que isso, urdem a derrota do PT e de seu projeto redentor.
Lula nunca teve pudores de abandonar pelo caminho seus companheiros de viagem, quando isso foi necessário para a manutenção de seu projeto de poder. Dilma é apenas mais uma. Quando Lula incita seus sabujos a atacar os opositores da presidente nas ruas, não é Dilma que ele está defendendo, mas a si mesmo.
Esse confronto imaginário foi desenhado pelo ex-presidente, sem nenhuma sutileza, em recente discurso aos militantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Naquela oportunidade, depois de ouvir o coordenador do MST, João Pedro Stédile, dizer que só "nas ruas" é possível derrotar a oposição, Lula revelou toda a sua disposição belicosa: "Quero paz e democracia. Mas eles não querem. E nós sabemos brigar também, sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele na rua".
Com isso, Lula conduz o jogo para o terreno que lhe é favorável - o da confusão e da anarquia. A intenção é transformar o PT e as classes pobres que o partido diz defender em vítimas do ódio das tais "elites": "O que estamos vendo é a criminalização da ascensão de uma classe social neste país. As pessoas subiram um degrau e isso incomoda a elite", discursou o ex-presidente, reduzindo o debate político a um vulgar Fla-Flu.
Nesse sentido, os movimentos que defendem o impeachment de Dilma servem aos propósitos do lulopetismo, pois jogam no tudo ou nada anunciado por Lula. Nascidos à margem dos inoperantes partidos de oposição, esses movimentos acreditam que só a radicalização nas ruas será capaz de remover os petistas do poder. Mas são amadores nesse perigoso mister. Conhecendo a força da militância do PT e de seus satélites nos sindicatos e movimentos sociais, é possível imaginar a violência da reação a essa afoiteza. Pois essa é uma militância paga e profissional, pronta para a truculência.