sábado, 19 de janeiro de 2019

Redescobrindo estudos ineditos (1): Politica economica externa (2014)

Em 2014, participando a minha maneira – ou seja, discretamente – do debate eleitoral em curso naquele ano eleitoral, eu comecei a elaborar alguns papers, destinados em primeiro lugar a auto-esclarecimento, em seguida como possível subsídio à formulação de políticas públicas nas áreas em que me considero relativamente competente, ou seja, relações econômicas internacionais do Brasil.
O que vai abaixo é um exemplo desse tipo de trabalho, um primeiro, de caráter geral e depois contendo propostas para a área econômica externa.
Se escrevesse hoje, eu teria propostas mais específicas, como por exemplo, tarifa única, liberalização unilateral, renegociação do Mercosul, etc.
Mas, segue para conhecimento dos interessados.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de janeiro de 2019


Sugestões a propósito de uma política econômica externa para o Brasil

Paulo Roberto de Almeida
Texto provisório, primeiro de uma série; Hartford, 26 de julho de 2014.

Sumário:
1. Declaração de propósitos
2. Papel da política externa na agenda nacional
3. Definições tópicas para uma diplomacia governamental na área econômica
     3.1. Política comercial
     3.2. Política industrial
     3.3. Política financeira
4. Outras áreas de diplomacia econômica e conclusões

1. Declaração de propósitos
O dever de todo estadista, seja candidato ou já ocupando o poder, começa pela exposição clara, inteligível para o grande público, do que ele considera que devam ser as prioridades que todos – políticos em geral, partidos, governo, Estado como um todo, o povo brasileiro, enfim, ele pessoalmente – precisam perseguir, incansavelmente, para o maior benefício da população. Observando-se o Brasil atual, e as preocupações já expostas pela maior parte dos cidadãos, parecem ser estas as prioridades dos brasileiros:
       1) Dispor de segurança básica, para si e sua família;
       2) Contar com serviços públicos de qualidade, sobretudo nas grandes metrópoles;
       3) Ver o governo garantindo o poder de compra da moeda, com inflação mínima;
       4) Futuro melhor, via educação e saúde, o que depende do aumento da renda.

Estas são as questões que mais preocupam os brasileiros, e elas devem vir sempre em primeiro lugar. Nenhuma delas tem a ver com política externa, mas talvez esta possa trazer algumas contribuições para o encaminhamento adequado desses muitos problemas que preocupam todos os brasileiros, empresários e trabalhadores.

2. Papel da política externa na agenda nacional
A política externa tem, e deve ter, um papel eminentemente secundário em face dos grandes problemas nacionais. Precisa ficar claro, desde o início, que todos, TODOS os problemas nacionais são “made in Brazil”, e devem receber respostas e soluções puramente nacionais. O ambiente externo tem sido extremamente favorável para o crescimento e o desenvolvimento de todos os países que têm sabido aproveitar os impulsos e as oportunidades externas para alavancar avanços internos.
A política externa poderia ter um papel maior na agenda nacional se o Brasil fosse mais aberto ao comércio internacional e bem mais receptivo a investimentos estrangeiros e associações com todos os países avançados tecnologicamente, fatores altamente relevantes para os projetos nacionais de desenvolvimento. Basta uma comparação entre os países de mais alta renda per capita e seus respectivos coeficientes de abertura externa para constar esta simples realidade. Este deveria ser um argumento suficientemente convincente para justificar um processo de maior abertura comercial e de maior aproximação aos países líderes do desenvolvimento tecnológico e cultural no mundo. Uma política externa compatível com os interesses nacionais precisaria se concentrar numa agenda desse tipo, todo o resto sendo secundário, inclusive as alianças Sul-Sul, que só nos afastam desses objetivos prioritários.

3. Definições tópicas para uma diplomacia governamental na área econômica
Uma exposição do que poderia ser uma agenda externa focada nos interesses brasileiros de desenvolvimento poderia ser articulada em torno das seguintes questões.
3.1. Política comercial
Discutir em nível interno uma nova rodada de facilitação do comércio exterior, com o desmantelamento de entraves administrativos e sistêmicos a uma elevação dos fluxos de exportações e de importações. Tal processo deveria ser paralelo e coincidente com um processo de diminuição do peso tributário sobre as empresas, insuportável sob qualquer critério que se examine. Como não haveria acordo para uma reforma tributária completa, e sobretudo para uma revolução fiscal abrangente, melhor começar pela redução pontual, linear e calendarizada, de todos os impostos, tributos, contribuições e gravames que atingem o setor produtivo e o TRABALHO, tanto em nível federal, como nos demais níveis. Seria um processo negociado, gradual de redução da carga fiscal, em que todas as unidades da federação veriam alíquotas impositivas serem reduzidas em valores diminutos (digamos 0,5% por semestre, ou ao ano), o que seria compensado pela eficiência arrecadatória e pelo estímulo às atividades empreendedoras.
Paralelamente seria iniciado um esforço de revisão completa das bases de funcionamento da união aduaneira do Mercosul, a começar pela alternativa entre (a) unificação de suas regras de aplicação, ou (b) negociação de um protocolo adicional ao Protocolo de Ouro Preto, introduzindo a possibilidade de negociação externa individual de novos acordos de liberalização, com preservação da cláusula NMF para dentro. Sob a segunda hipótese, o Brasil poderia negociar acordos com a UE, a Aliança do Pacífico e até com os EUA, prevendo redução de tarifas, abertura a serviços, defesa de propriedade intelectual e regras estáveis para investimentos, abertos aos demais membros do Mercosul, se estes assim o desejassem.
No que se refere ao próprio Mercosul “histórico”, seria preciso dar um fim à leniência inaceitável com as arbitrariedades argentinas: se elas se contrapõem às normas existentes, basta denunciá-las sob o regime de solução de controvérsias do bloco; se isso não for suficiente, resta ir à OMC. O que o Brasil não pode fazer é prejudicar os seus exportadores em nome de uma suposta generosidade com contraventores reincidentes.
Não há muito que o Brasil possa fazer no plano das negociações comerciais multilaterais, seja no âmbito da Rodada Doha (paralisada), seja no contexto da agenda de Bali, ou qualquer outra. O que cabe, sim, é examinar todos os demais acordos plurilaterais existentes no sistema multilateral de comércio, verificar a compatibilidade com o processo (a ser conduzido) de reforma na política comercial nacional, e considerar a hipótese de aderir a esses outros instrumentos de abertura e facilitação.
No plano plurilateral, caberia examinar todos os acordos – bilaterais de livre comércio, ou simplesmente de preferências tarifárias – que o Brasil poderia começar a negociar com os mais relevantes parceiro do comércio internacional, que não são exatamente os do G20 comercial, onde estão os maiores obstrucionistas de uma agenda aberta, e aos quais estivemos vinculados por simples decisão política e ideológica.
3.2. Política industrial
Os governos petistas promoveram cinco ou seis, todas fracassadas, e nos últimos tempos se dedicaram a improvisações e puxadinhos, que criam uma selva de regulações diferenciadas entre setores, com regimes fiscais diferentes, inclusive desrespeitando o princípio da isonomia tributária que deveria pautar as ações do governo. A política industrial está intimamente relacionada à política comercial, e, na sua vertente externa, deveria dedicar-se a atrair o máximo possível de investimentos estrangeiros e incentivar associações com o que há de mais tecnologicamente avançado no mundo. A política Sul-Sul não pode, inquestionavelmente, cumprir esse papel. Independentemente de o Brasil ser ou não membro da OCDE, caberia associar-se ao Comitê de Indústria dessa organização e passar a examinar todos os protocolos, códigos e demais normas voluntárias estabelecidas naquele âmbito, de maneira a colocar a indústria brasileira num contexto de plena conformidade com os padrões internacionais nessa área.
Uma das primeiras tarefas internas seria retomar, reexaminar, eventualmente assinar ou renegociar todos os acordos bilaterais de proteção a investimentos, os APPIs, que foram sabotados pelos petistas antes mesmo de assumirem o governo em 2003. O Brasil descumpriu mais de uma dezena de acordos assinados com os mais importantes parceiros exportadores de capitais e de investimentos diretos. Deixou de oferecer um ambiente seguro e estável para esses investimentos, assim como deixa de oferecer um ambiente estável para os próprios empresários brasileiros do setor. Caberia trabalhar com a CNI e algumas federações estaduais mais ativas nessa área, com o objetivo de colocar o Brasil no mesmo patamar regulatório que os países mais avançados, deixando de lado o stalinismo industrial até aqui praticado pelo governo.
3.3. Política financeira
O Brasil assinou, no quadro da crise provocada pelas eleições de 2002, um acordo preventivo com o FMI, renovado pelo governo Lula em 2003, que previa a disponibilidade de aproximadamente 15 bilhões de dólares, do total de 30 bilhões potencialmente utilizáveis, a juros modestos de 4,5% ao ano. Demagogicamente, em 2005, o governo Lula terminou esse acordo, teoricamente para o Brasil não ficar “dependente” do FMI, e o Brasil passou a emitir bônus globais a um custo duplicado em juros. Caberia em primeiro lugar denunciar essa demagogia que custou caro ao país.
No plano das relações financeiras externas, cabe igualmente encerrar a demagogia do “comércio em moedas locais”, que significa um inacreditável retrocesso de mais de 70 anos em relação à multilateralização de pagamentos externos acertada em Bretton Woods em 1944. Essa bilateralização cambial nos obrigaria, por exemplo, a utilizar nosso saldo no comércio com a China na compra de produtos chineses, o que seria de uma estupidez monumental. Existem custos, já impostos, ao Banco Central, de criar uma nova janela de contabilização de operações externas no caso do comércio com a Argentina. Não cabe criar mais janelas, e ainda transferir o risco cambial, atualmente inteiramente a cargo de operadores privados de comércio, como deve ser, para o BC.
Mais importante, o Brasil, por motivos totalmente políticos, se engajou na criação do Banco do Sul, e agora no Novo Banco de Desenvolvimento. São iniciativas que não acrescentam nada aos mecanismos, ferramentas e fontes já existentes, seja em nível nacional – BNDES ou BB –, seja no plano regional – BID, CAF, etc. – ou multilateral – BIRD e outros bancos regionais e nacionais, inclusive europeus. Não existe falta de recursos, no mundo, para qualquer projeto de qualidade que se queira promover nacionalmente ou em outros países. Esses bancos “ideológicos” significam uma baixa de padrões de qualidade na seleção e aprovação de projetos, implicam a sustentação de projetos dúbios, mas apoiados politicamente por ou outro parceiro ou membro dessas instituições, e representam oportunidades potenciais para mais desvios e iniciativas corruptas nessas esferas.
O Brasil não necessita, nem internamente, nem externamente, de bancos desse tipo, e um novo governo, comprometido apenas com a inserção do Brasil no mundo globalizado, deveria ter a coragem de denunciar sua assinatura nesses acordos e retirar-se dessas instituições. Ele faria melhor, na agenda financeira externa, se trabalhasse na futura conversibilidade do real, fortalecendo suas bases internas (isto é, menor inflação e maior liberalização nas transações financeiras internacionais) e adotando, para o BNDES, os mesmos padrões de funcionamento e financiamento que aqueles em vigor no âmbito da OCDE e das grandes instituições financeiras multilaterais.

4. Outras áreas de diplomacia econômica e conclusões
Estas três áreas, comercial, industrial e financeira, são as mais relevantes na interface entre uma agenda interna de desenvolvimento e uma agenda diplomática na área econômica. Existem outras, por certo, relativas à tecnologia, à propriedade intelectual (na qual os governos lulo-petistas também promovera inacreditáveis retrocessos conceituais e práticos), à cooperação científica e educacional – durante muito tempo toldada pela distorção ideológica da diplomacia Sul-Sul – e até no terreno das políticas de segurança e de capacitação bélica, igualmente marcadas pelo anti-imperialismo infantil dos companheiros e por suas alianças espúrias nesse terreno. Todas elas possuem algum impacto econômico relevante para um projeto nacional de desenvolvimento, mas cabe insistir que o ambiente internacional é bastante favorável ao crescimento do Brasil, à condição que este empreenda reformas internas capazes de potencializarem a sua interação com o mundo.
Os maiores problemas, os maiores obstáculos a essas reformas, os maiores atrasos – inclusive mentais – encontram-se inteiramente no próprio Brasil. A tarefa de reforma da agenda diplomática brasileira começa por um sério empreendimento de reformas internas, uma missão hercúlea que cabe a um estadista. O Itamaraty, a despeito de também fazer parte do atraso mental brasileiro – com sua adesão a um ultrapassado desenvolvimentismo ideológico dos anos 1960 –, não seria um obstáculo ao esforço de renovação da política econômica externa, desde que convenientemente instruído. Como burocracia obediente que sempre foi, ele saberá se engajar nas novas prioridades.

Hartford, 26 de julho de 2014

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