Tomei conhecimento a posteriori desse Foro, e não tenho certeza de ter escrito algo a respeito, provavelmente não um trabalho específico, mas referências em outros textos.
A outra iniciativa foi fazer com que o PT e simpatizantes montassem um fantasmagórico "governo paralelo", que nunca funcionou, sejamos claro, mas, como sempre, o PT invariavelmente viveu mais de propaganda do que de trabalho real. Esse governo designou um chanceler paralelo, na pessoa do "filósofo" gramsciano Carlos Nelson Coutinho, que nunca soube entender de política internacional. Ele conhecia bem o marxismo, os trabalhos de Gramsci, coisas desse tipo, e, apenas porque tinha vivido no exterior, e devia falar espanhol e francês, pelo menos, fico a cargo da "política externa" do PT. Esta já estava redigido pelos apparatchiks do partido, com os habituais clichês esquerdistas-stalinistas, que eu já analisei em vários trabalhos meus.
Assisti a uma única "conferência" desse chanceler paralelo, quando ele veio à UnB para falar no quadro de algum colóquio anti-imperialista. Eu só ouvi bobagem. A maior, o que demonstrou a profunda ignorância desse "chanceler", foi atribuir a miséria e a guerra civil na Somália à "exploração imperialista", que esse infeliz país tinha recém saído de uma longa ditadura comunista, de Siad Barre, e nunca tinha permitido qualquer exploração imperialista daquela nação miserável, que logo depois entrou em guerra civil.
Desisti do governo paralelo do PT e o artigo abaixo, portanto, deve ser lido apenas como uma relíquia ingênua, quando eu achava que o PT era um partido sério.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de janeiro de 2019.
UMA
POLITICA EXTERNA PARALELA ?
Paulo Roberto de
Almeida
Montevidéu, 17 de julho de 1990
O líder do PT, Luís Inácio
Lula da Silva, concretizou finalmente sua promessa de candidato derrotado à
Presidência da República ao anunciar, em coalizão com alguns outros partidos de
esquerda, a formação de um “governo paralelo” ao legalmente constituído, no que
deve ser seguramente um dos poucos exemplos de shadow cabinet ao sul do Equador.
A implementação dessa
iniciativa deve ser verdadeiramente saudada por todos os democratas sinceros, e
não apenas por aquele punhado de parlamentaristas convictos – cada vez mais
ameaçados pelos oportunistas de ocasião – que até agora parecia viver de um
ideal quixotesco. O PSDB, único partido a assumir efetivamente a mensagem
parlamentarista sem tê-la ainda traduzido em termos de programa concreto,
deveria refletir seriamente sobre a saudável prática recém inaugurada.
O exercício responsável de
uma “administração” paralela impõe a necessidade de ocupar virtualmente todos
os terrenos abertos à formulação de propostas alternativas em termos de
políticas públicas, algo assim como a tática de marcação homem a homem num
campo de futebol. Se os ministros “atletas” estiverem realmente preparados para
as funções designadas – armação, ataque e defesa de suas próprias posições – e
não para um simples “jogo de cena”, a disputa passa então a assumir contornos
mais emocionantes, algo mais do que chutes nas canelas dos adversários ou
empurrões maldosos nas proximidades da área do contendor. Definir suas próprias
posições em função da colocação das hostes inimigas, numa simples mímesis
contrária, pode não ser muito eficaz como estratégia para ganhar a partida,
além de conformar uma tática mais reativa do que passiva (que de resto corre o
risco de não agradar à platéia cívica, que somos todos nós).
Dito isto, qual é exatamente o papel de um “ministro
paralelo” para as relações exteriores do Brasil? O que significa ter uma
“política externa alternativa”? Seguramente algo mais do que o endurecimento na
questão da dívida externa, a mera oposição à “Iniciativa para as Américas” do
Presidente Bush ou a busca de uma integração “não-capitalista” para as nações
da América Latina, alegremente anunciados pelo líder do PT. O chanceler
“paralelo” – designado na pessoa do eminente filósofo e professor Carlos Nelson
Coutinho – precisará avançar um pouco mais em relação às propostas vagas até
agora enunciadas por Lula para que sua missão possa realmente sair da “sombra”
e projetar-se em termos de propostas concretas de relacionamento externo.
Comecemos pelo lancinante e
ainda não resolvido problema da dívida externa (supondo-se realmente que esta
espinhosa questão possa algum dia cair sob a responsabilidade de um Itamaraty
“petista”). Será que Lula realmente acredita que basta declarar encerradas as
negociações com os banqueiros privados para que os governos dos países credores
se disponham a sentar-se numa mesa com o representante brasileiro e
simplesmente conversar? Haveria, para começar, alguém do outro lado da mesa?
Nosso chanceler “filósofo” – aliás um habitué
do debate contraditório – sabe muito bem que em matéria de diálogo externo,
assim como no futebol ou nas artes renhidas da dialética, é preciso pelo menos
dois parceiros para concretizar-se a disputa. Se o adversário faz default, não dá nem para iniciar o jogo.
Estariamos simplesmente numa posição de non
starter, como já disse o James Baker para o imaginativo Bresser Pereira.
Não parece razoável que Lula queira repetir a malfadada experiência de Alan
Garcia: por enquanto ele deve estar apenas jogando para a platéia.
No que se refere à integração
continental, o animus petista sempre
foi mais receptivo, ainda que com o tradicional viés da “solidariedade
anti-imperialista”. O problema é que a Iniciativa Bush parece ter vindo
reacender essa tradicional atitude reativa, típica do complexo de inferioridade
latino-americano em face de um Big
Brother que nunca conseguiu pensar suas relações meridionais senão em
termos de drogas e da ameaça cubano-soviética. Exemplo disso é a Declaração de
São Paulo, na qual o PT e seus hermanos
de izquierda da América Latina
proclamam sua vontade de se opor por todos os meios à “integração
imperialista”. Em face de países já escaldados pela retórica vazia de um
“integracionismo” de políticas protecionistas e com o avanço irresistível da
liberalização econômica externa e interna, a mensagem oposicionista dos
partidos de esquerda corre mais uma vez o risco de cair no vazio.
O problema de muitos teóricos
do PT – certamente não partilhado pelo chanceler designado – parece ser o de
acreditar que exista algo como uma política externa com “caráter de classe” e
que a atual representaria apenas os interesses das elites dominantes e de seus
aliados estrangeiros. Sem querer cair nos mitos da “unanimidade” e do “apoio
consensual” tributados à política externa oficial, não parece exagerado dizer
que, na prática, os desentendimentos em torno da postura externa do Brasil são
bem menores do que, por exemplo, em relação à política econômica interna e os
custos sociais da luta anti-inflacionária.
Ainda que se possa argumentar que toda política
institucional - e a externa não é exceção - reflete, de certo modo, a estrutura
política e social e o sistema político em vigor no País, a grande questão nesse
terreno é saber se, efetivamente, a política externa brasileira corresponde às
necessidades da Nação e aos interesses de seu Povo. Não se trata apenas de
dizer que as relações exteriores têm sido traçadas em gabinetes fechados, sem a
necessária participação da sociedade, por exemplo, mas de verificar se as
posições assumidas pelo Brasil externamente contemplam apenas os interesses de
um grupo da sociedade, que manipula a máquina do Estado para servir seus fins
particulares, ou se elas servem o grande objetivo do desenvolvimento, que é a
verdadeira ideologia do povo brasileiro.
Com todos os percalços
criados por governos hesitantes, ora excessivamente alinhados, ora ingenuamente
“independentes”, a política externa até que tem respondido bem aos anseios da
Nação, caracterizando-se por um “terceiro-mundismo” moderado e realista, mais
conforme ao nosso perfil de País com um pé em cada mundo (até porque não cai
bem em nossos tão discretos diplomatas qualquer discurso mais radical). Se o
compromisso de nossas elites com o desenvolvimento econômico e social é
meramente retórico, tal falha não pode ser creditada aos profissionais do
Itamaraty, que não podem simplesmente transmutar sua ação na área externa em
medidas internas de correção das desigualdades, desequilíbrios ou injustiças
sociais mais gritantes. A política externa é, antes de mais nada, uma questão
de política interna.
Nessas condições, o que
significaria uma “política externa alternativa”: um militantismo internacional
exacerbado para tentar convencer nossos colegas do Terceiro Mundo de que nossos
interesses nacionais são os deles também? É evidente que não há respostas
exclusivas a desafios externos que são basicamente comuns aos países em
desenvolvimento: dívida, acesso a mercados e a novas tecnologias, integração
econômica, etc. Mas, essas respostas não podem ser equacionadas, ao nível
internacional, com base apenas em slogans. Elas requerem um pouco mais de
consistência. Com a palavra nosso chanceler paralelo.
Montevidéu, 187: 17/07/1990
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