sábado, 15 de julho de 2023

Trajetórias dignas de registro num sistema político de baixo desempenho geral - Paulo Roberto de Almeida

Trajetórias dignas de registro num sistema político de baixo desempenho geral

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a mediocridade geral do estamento político, com as possíveis exceções de JK e de FHC

  

Poucos presidentes na história do Brasil contemporâneo tiveram qualidades que os colocaram acima do marasmo geral do estamento político. O país sempre foi comandado por oligarquias civis ou militares, com poucos líderes combinando visão de estadista e conduta plenamente democrática. 

JK ocupou um nicho poucas vezes conhecido em nossa história: a de um hábil condutor de um processo de desenvolvimento no quadro de uma democracia em pleno funcionamento. 

A inabilidade de seus dois sucessores levou a uma crise múltipla que se desdobrou na mais profunda intervenção militar no sistema político da história militar e da história nacional. 

Com exceção de Castelo Branco, os generais que se sucederam na presidência eram autocratas confirmados, cercados por oportunistas políticos, mas uma tecnocracia formada por mandarins bem-preparados conseguiu produzir algum crescimento, mas num processo de desenvolvimento deformado por uma visão autárquica da economia, predominante nas elites políticas, econômicas e militares.

Depois de políticos medíocres, FHC foi um presidente acidental, como ele mesmo se classificou: uma congregação excepcional e aleatória de fatores permitiu algo que jamais ocorreria no curso normal do estamento político. O Brasil teve uma sorte momentânea, algo fortuito e irrepetível. Mas a emenda da reeleição foi uma tragédia maldita, que deformou mais ainda os péssimos hábitos do estamento político.

Depois caímos na mediocridade habitual do estamento político, sem qualquer estadista digno desse nome, na sequência ou na prospectiva normal do sistema.

Não há perspectiva de sair do marasmo atual no futuro previsível: a mediocridade avançou no estamento político de forma disseminada e o mandarinato se concentrou na predação do Estado. 

Existem ilhas de excelência no setor privado, mas isoladas dos vetores de comando, sem chances de empolgar e guiar um processo nacional de desenvolvimento econômico e social no quadro de um regime democrático plenamente funcional.

Nossa trajetória é a de um declínio relativo, embora em marcha bastante lenta e com a preservação de uma democracia de muito baixa qualidade. A desigualdade é o traço estrutural e predominante da nação.

O Brasil continuará se arrastando em direção ao futuro, embora o progresso material seja uma fatalidade determinada pela marcha geral da comunidade planetária, globalizada a despeito de tudo.

O mundo melhorou, mas pequenas e grandes “guerras de Troia” nunca estão distantes, pois que paixões e interesses ofuscam momentânea e ocasionalmente o trajeto da racionalidade governamental.

Portanto, não cabe ser pessimista, nem muito otimista: melhor preservar um ceticismo sadio, como tento fazer.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4435, 15 julho 2023, 2 p.


sexta-feira, 14 de julho de 2023

III Cúpula CELAC-UE: much ado about almost nothing

Apenas como registro de um evento grandioso que não terá nenhum resultado, e que deixará as duas partes exatamente como são hoje: de um lado, uma região extremamente fragmentada, mas caracterizada quase que exclusivamente pela exportação de commodities, do outro, uma comunidade política, econômica, científica e tecnológica segura de si, e que caminha, embora a passos trôpegos, para uma união de política externa e de defesa mais afirmada.
Em relação ao assunto mais relevante do momento, a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, nada se fará, pois os latinos insistem numa neutralidade hipócrita.
Ou seja, muito barulho por nada.

Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social 

Nota nº 289

14 de julho de 2023

 

III Cúpula CELAC-UE

Será realizada, em 17 e 18 de julho, em Bruxelas, a III Reunião de Cúpula Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) – União Europeia (UE). A delegação brasileira será chefiada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e integrada pelo Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Foram convidados todos os 33 mandatários dos países da América Latina e Caribe e os seus 27 homólogos europeus, totalizando 60 países. A última reunião entre líderes das duas regiões ocorreu em 2015. 

As discussões estarão centradas em alguns dos principais desafios atuais, como mudança do clima; comércio e desenvolvimento sustentável; inclusão social; recuperação econômica pós-pandemia; transição energética, transformação digital justa e inclusiva; migrações; reforma da arquitetura financeira internacional; luta contra o crime organizado; e cooperação para o desenvolvimento. Serão abordadas diferentes iniciativas e projetos de cooperação, com vistas ao fortalecimento das relações birregionais.

A convite da União Europeia, o Presidente da República também participará da abertura da mesa de negócios União Europeia - América Latina e Caribe. A mesa reunirá líderes políticos, representantes de bancos de desenvolvimento e do setor privado para explorar oportunidades de investimentos em áreas como energias renováveis, transporte, infraestrutura, digitalização e conectividade.

A participação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na III Cúpula CELAC-UE dá-se no contexto da renovação do compromisso do Brasil com o fortalecimento da integração regional e da CELAC. O Brasil retornou ao mecanismo de diálogo político, concertação e cooperação entre os países da América Latina e do Caribe em janeiro passado, após um período de quase três anos em que se manteve afastado de suas atividades.

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/iii-cupula-celac-ue]

Para Eurásia, acordo Mercosul-UE é improvável a curto prazo (CB)

 Para Eurásia, acordo Mercosul-UE é improvável a curto prazo

Correio Braziliense, 14/07/2023

O Brasil acaba de assumir a presidência pró-tempore do Mercosul e, apesar das ambições geopolíticas e o compromisso político, será “improvável”, que o acordo de livre comércio entre o bloco sul-americano e a União Europeia (UE) avance a curto prazo, de acordo com o Eurasia Group. Contudo, o grupo vê algumas chances de avanços até o fim do ano ou no primeiro semestre de 2024

“Apesar de suas ambições geopolíticas e compromisso político para finalizar o acordo comercial UE-Mercosul, é improvável que os blocos cedam significativamente as demandas por salvaguardas adicionais sobre o meio ambiente, clima, trabalho e comércio sustentável; isso colocará o ônus do movimento para a conclusão do pacto no bloco comercial latino-americano formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai”, destacou o relatório de analistas, divulgado nesta terça-feira (13/7).

Na avaliação dos analistas, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ocupa a presidência rotativa do Mercosul até dezembro, será “o ator mais importante no traçado do caminho a seguir”, pois sua resistência contra os pedidos da UE e as demandas de compras públicas “correm o risco de inviabilizar a ambição declarada de ambas as partes de finalizar o acordo este ano”.

De acordo com o relatório, é “improvável” que os líderes europeus e do Mercosul consigam avanços à margem de uma cúpula da UE com os países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em Bruxelas, de 17 a 18 de julho. Contudo, a consultoria considera “chances ligeiramente superiores” de que o acordo pode ser finalizado “ainda neste ano ou durante o primeiro semestre de 2024”.

Na avaliação dos especialistas, funcionários e diplomatas da UE não estão muito otimistas com qualquer movimento significativo no acordo de livre comércio durante a as reuniões, na próxima segunda-feira na e terça-feira, à margem da primeira cúpula UE-Celac desde 2015. Há três fatores que tornarão “improvável um avanço na próxima semana”.

Primeiro, o Mercosul ainda não apresentou uma contraproposta à carta de acompanhamento da UE. Bruxelas vê seu anexo proposto como uma forma de superar as objeções de alguns membros da UE. O Brasil criticou o texto como um esforço para transformar metas voluntárias ambientais, de desmatamento e climáticas, em compromissos obrigatórios. “A UE discorda e aprova o anexo como uma reafirmação dos termos do acordo. Bruxelas provavelmente mostrará alguma flexibilidade ao reformular a carta paralela para tratar das preocupações do Mercosul – sempre que o bloco liderado pelo Brasil apresentar sua contraproposta”, destacou.

Em segundo lugar, a UE espera clareza de Lula sobre as demandas de compras públicas do Brasil. Diplomatas dizem que há disposição para mostrar alguma flexibilidade no acordo. Uma declaração declarativa sem influência real na substância do acordo de livre comércio poderia ser uma opção. Mas uma renegociação dos termos seria inaceitável – e quase certamente desencadearia demandas da UE para emendar o capítulo agroalimentar, particularmente nas altamente sensíveis exportações de carne bovina da América Latina.

Do ponto de vista da UE, Lula precisa ter cuidado para não esticar demais o acordo – para não quebrar. As consultas do Eurasia Group em Brasília sugerem que o Brasil não exigirá a reabertura do capítulo de compras públicas, mas esse é um risco a ser rastreado. Alguns formuladores de políticas do governo Lula estão usando a carta de acompanhamento da UE sobre o meio ambiente para pressionar por rejeições protecionistas.

E, por último, as diferenças UE-Celac em muitas “questões globais lideradas pela guerra Rússia-Ucrânia correm o risco de sequestrar a cúpula”. Segundo a consultoria, apesar de uma recente ofensiva de charme de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, na América Central e Latina – incluindo um pacote de investimento de 10 bilhões de euros, acordos sobre minerais críticos e promessas de expandir o comércio e uma cooperação mais ampla – a UE não está se aproximando politicamente de seus parceiros da Celac.

Declaração conjunta

O Ministério das Relações Exteriores reconhece que há divergência entre os países da América Latina e da União Europeia sobre a inclusão de uma mensagem de apoio à Ucrânia na declaração final da cúpula. Segundo a pasta, um texto prévio vem sendo negociado entre os diplomatas dos dois blocos e enfrenta resistências pelo teor do documento favorável à Ucrânia, na guerra contra a Rússia.

Amanhã, negociadores dos 60 países envolvidos na cúpula devem se reunir novamente em Bruxelas, para discutir o rascunho do documento, dias antes da realização da cúpula. O projeto de declaração ainda está sendo negociado, de acordo com o Itamaraty.

De acordo com a pasta, uma das mensagens que o Brasil levará à reunião é de que “a Celac é importante como foro da região, e o diálogo com UE ocorre em momento que coincide com a volta do Brasil ao grupo”, em janeiro quando o presidente Lula participou da Cúpula do bloco em Buenos Aires. Além disso, o governo brasileiro vai aproveitar o evento para falar com parceiros do Mercosul e da UE “também, sobre linhas gerais para o segundo semestre e o calendário das negociações técnicas”.

Técnicos do governo acreditam que, até começo da semana que vem, no máximo,  será concluída a resposta do Brasil, mas os demais países do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai) precisarão de tempo para as consultas internas. A expectativa é que no fim de agosto e início de setembro, quando acabam as férias na Europa, os negociadores dos dois blocos possam se reunir.

 

Negociações longas

Em negociação desde 1999, o acordo de livre comércio UE-Mercosul abriria, pela primeira vez, o vasto e fechado mercado do Mercosul, “dando às empresas europeias uma vantagem competitiva contra rivais globais”.

“A importância do acordo UE-Mercosul aumentou ainda mais para Bruxelas, uma vez que a Europa decidiu diversificar seus laços comerciais após uma forte separação da Rússia após a invasão da Ucrânia e uma avaliação de risco sobre sua dependência de suprimentos chineses e acesso ao mercado. Dito isso, é improvável que essas considerações abrangentes levem a UE a mudanças materiais nos termos do tratado, que foram acordados em junho de 2019”, acrescentou o relatório do Eurasia Group, que destaca três etapas ainda para que o acordo seja firmado, entre elas o Mecanismo de Ajuste de Fronteiras de Carbono (CBAM) e a Lei de Desmatamento, além do acordo sobre acesso às compras públicas brasileiras.

“O Eurasia Group, no entanto, atualmente vê um pouco acima das chances de que o acordo UE-Mercosul seja assinado este ano ou no primeiro semestre de 2024, abrindo caminho para a implementação provisória”, afirmou o documento.

A guerra de agressão da Rússia à Ucrânia na pauta da reunião de cúpula Celac-UE - Eurasia Group

 A guerra de agressão da Rússia à Ucrânia na pauta da reunião de cúpula Celac-UE

A diplomacia lulopetista insiste em manter o Brasil do lado das ditaduras e, neste caso, apoiando um criminosos de guerra. Eu me pergunto como os diplomatas profissionais recebem esse tapa na cara ao ter de defender os interesses de uma ditadura reacionária, agressiva, expansionista e criminosa, como já declarado pela CIJ e pelo TPI.

Acham que o Brasil sai engrandecido diplomaticamente pela subserviência demonstrada em relação a um ditador, apenas para se opor aos “estadunidenses”? Poucas vezes na história do Itamaraty fomos levados a tal degradação no plano dos valores e princípios de nossa doutrina jurídica.

Paulo Roberto de Almeida

Trecho de relatório do Eurasia Group sobre o acordo Mercosul-UE:

“O Ministério das Relações Exteriores do Brasil reconhece que há divergência entre os países da América Latina e da União Europeia sobre a inclusão de uma mensagem de apoio à Ucrânia na declaração final da cúpula Celac-UE. Segundo a pasta, um texto prévio vem sendo negociado entre os diplomatas dos dois blocos e enfrenta resistências pelo teor do documento favorável à Ucrânia, na guerra contra a Rússia.

Amanhã, negociadores dos 60 países envolvidos na cúpula devem se reunir novamente em Bruxelas, para discutir o rascunho do documento, dias antes da realização da cúpula. O projeto de declaração ainda está sendo negociado, de acordo com o Itamaraty.”


O novo, e grande, capitalismo empresarial brasileiro - Vinicius Torres Freire (FSP)

 O Brasil é o agro, e o agro é o Brasil

Os grandes conglomerados brasileiros atuais em sua maioria tiveram sua origem no agro e na extrativa. Caminha estav certo ao afirmar que nesta terra em se palnatndo tudo dá. Notem que nesses conglomerados também existem empresas emsetores com alta intensidade de capital (CApEX) e razoável gasto em &D sobre vendas uma proxy ara os gastos em inovação. Enfim abre-se uma janela? A conferir.Os novos donos do capital no Brasil e a venda da Braskem

J&F tenta comprar petroquímica e dá outro exemplo da expansão do agro para o topo

Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)

Folha de S. Paulo, 13.jul.2023

A J&F quer comprar praticamente a metade da petroquímica Braskem. Quem não acompanha o mundo das empresas talvez não se dê conta do tamanho do negócio ou reaja à notícia com desinteresse entediado.

A transação pode ser mais um exemplo de como tem se desenvolvido o grande capital no Brasil e quem são seus novos donos. Trata-se mais uma história de uma empresa do "agro" se expandindo para outras frentes. Quando alguém falar em montadoras de veículos, convém lembrar que entre as maiores companhias do país estão negócios que se criaram a partir da cana de açúcar e da carne. Soja, milho e trigo vêm aí.

A J&F é a holding da família Batista, dos quais os mais famosos são Joesley e Wesley. É dona do JBS, segunda maior empresa do Brasil, por faturamento (segundo o ranking "Valor 1000" de 2022), a maior empresa de carnes do mundo. O BNDES, o bancão federal de desenvolvimento, tem 20,81% da JBS, informa a companhia.

A J&F também é proprietária da Eldorado (de celulose), da Flora (do ramo de farmacêuticos e cosmética) e da Âmbar (energia), entre as 600 maiores do país. Tem também o Banco Original, o aplicativo de pagamentos PicPay e o Canal Rural.

A Braskem é a maior petroquímica do país, 8ª maior empresa. A Petrobras tem 47% do capital votante da companhia; a Novonor tem outros 50%. A Novonor é a Odebrecht (trocaram o nome, por motivos óbvios). A fatia da Novonor é, na prática, dos bancos credores (Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil, BNDES).

O negócio da Braskem em si é enrolado e assunto de especialistas em empresas e no setor. O interesse aqui é em mais uma história de expansão do "agro". Parece folclórico lembrar, mas não muito: a JBS começou como um açougue em Goiás, em 1953.

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A terceira maior empresa do país é a Vale, criada pelo Estado e privatizada. A quarta é a Raízen, sociedade entre a Cosan e a Shell, dominante no açúcar e no etanol, na distribuição de combustíveis, lubrificantes, com expansão forte em outras energias renováveis (como solar e biogás).

Alguém aí pensou em "transição verde" e novas tecnologias em energia? Pois então. Essas empresas já estão no centro do negócio e devem ser centrais na mudança.

A Cosan, grosso modo da família Ometto, é a 6ª maior empresa. Criou-se com o negócio de açúcar e álcool. Muito além disso, controla a Compass, que é dona da Comgás, da Sulgás, da ex-Gaspetro (que era da Petrobras) e tem participação em mais de dúzia de distribuidoras de gás. Tem também a Rumo, maior administradora de ferrovias, com terminais portuários e de outras logísticas.

Das dez maiores empresas, cinco são do setor de petróleo e gás: Petrobras, Raízen, Vibra (ex-BR Distribuidora), Cosan (que tem atuação ampla, como se viu), Ultrapar (Ultragaz, Ipiranga etc.). Três são do agro: JBS, Cargill (múlti americana de processamento, fabricação e comercialização de produtos do agro) e Marfrig (carnes). Completam a lista a Vale (mineração) e a Braskem. A siderúrgica Gerdau é a 11ª. A primeira montadora aparece no 19º lugar, a Fiat Chrysler —a próxima é a Volkswagen, em 41º.

As empresas dominantes ou que se tornam cada vez dominantes estão no setor de energia; ou estão e se fizeram no setor de alimentos, no "agro". Várias se expandiram também com a compra de partes do setor estatal de petróleo e combustíveis (na distribuição, na maior parte), são multinacionais, brasileiras ou não, e dominantes em seus mercados. Valem-se ou valeram-se de vantagens absolutas e comparadas do Brasil. Outras ramificações do agro virão. Se vier de fato uma política de "transição verde", é razoável esperar que elas estejam no núcleo da conversa e dos negócios. Convém prestar atenção.


Como lidar com Vladimir Putin - Nicholas Kristof (OESP)

 Como lidar com Vladimir Putin, segundo especialistas no assunto 

Nicholas Kristof
O Estado de S. Paulo, 14/07/2023

VILNA, Lituânia — Muitos americanos e europeus trocam lisonjas por perceber a guerra na Ucrânia através de um prisma falso. Com bastante frequência nós pensamos que estamos nos sacrificando pelos ucranianos, trocamos tapinhas nas costas por fornecer armas caras e pagar contas de gás mais altas para ajudar os ucranianos a lutar por sua liberdade — e nós desejamos que eles alcancem seu objetivo.

Mas na realidade, o que fica claro aqui nos Países Bálticos é que ocorre o inverso: os ucranianos que estão se sacrificando por nós; são eles que nos fazem um favor ao desgastar o Exército russo e reduzir o risco de uma guerra na Europa que consumiria vidas de nossos soldados.

“Por meio do apoio à Ucrânia, estamos defendendo a nós mesmos”, afirmou Egils Levits, que concluiu este mês seu mandato como presidente da Letônia. Ele usou sua última entrevista antes de deixar a função para argumentar que o Ocidente deveria fornecer à Ucrânia mais armas para garantir que Kiev recupere todo o território ucraniano, incluindo a Crimeia, para que a agressão de Vladimir Putin seja absolutamente descreditada.

A cúpula da Otan em Vilna, esta semana, movimentou-se para adicionar a Suécia ao jogo, manteve todos os membros unidos e, em geral, foi bem. A única perdedora é a Rússia. Mas o teste verdadeiro não é conseguir oferecer palavras lustrosas diante das câmeras, mas se os países ocidentais irão aumentar ou não as transferências de armas para a Ucrânia e melhorar a perspectiva de que a guerra possa realmente se encerrar.

“Todos nós temos de fazer mais”, disse-me a primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas. Ela está correta, mas eu não tenho certeza se todos no Ocidente compreendem isso. O presidente Joe Biden tem feito um ótimo trabalho em administrar a aliança — uma das razões que explica a cúpula ter ido tão bem — mas eu acredito que ele tem sido cauteloso e reativo demais no fornecimento de armas que a Ucrânia necessita, como mísseis precisos de longo alcance e caças de combate.

Considerando as duas décadas recentes, muitos na Alemanha e em toda a Europa Ocidental e EUA foram enganados com a ficção de que a Rússia pós-comunista seria um urso mais gentil. Em contraste, os Países Bálticos — Lituânia, Letônia e Estônia — foram os primeiros a expressar alertas a respeito de Putin, portanto nas preparações para a cúpula eu viajei aos três países para colher suas impressões sobre Ucrânia e Rússia.

Francamente, eles ainda pensam que nós somos algo ingênuos.

“Nós deveríamos dar mais apoio agora, para que a Ucrânia possa vencer”, insistiu Levits, alertando que seria um grande erro pôr fim à guerra com um pacto que dê à Rússia a Crimeia ou outras regiões ucranianas. “Isso é uma péssima ideia, porque provocaria a guerra seguinte”, afirmou ele. “A conclusão para Moscou seria clara: o Ocidente é fraco.”

Os Países Bálticos são lúcidos a respeito da Rússia em razão de sua história. Os soviéticos se apoderaram das três nações durante a 2.ª Guerra e as governaram com pulso de ferro até sua independência, em 1991. A mãe da primeira-ministra Kallas foi deportada para a Sibéria num vagão de gado.

Mas a Rússia nunca acertou as contas com esse passado, o que pode explicar por que 70% dos russos afirmaram em uma pesquisa de 2019 que aprovam Stálin — e por que eles afirmam hoje em pesquisas que aprovam Putin.

Se Putin terminar a guerra com uma fatia da Ucrânia, afirmou ela, ditadores receberão a mensagem de que agredir vale a pena, e “Ninguém mais poderá se sentir realmente seguro”.

Os Estados Bálticos são motivados por temer que, se a Ucrânia cair, eles poderão ser os próximos a ser derrubados. A Estônia contribuiu mais para o esforço de guerra ucraniano em relação ao próprio PIB do que qualquer outro país — fornecendo obuses e até saunas móveis (os estonianos adoram suas saunas). Kallas lamentou que outros países não tenham se esforçado mais para acelerar envios de armas para os ucranianos, em vez de optar por fornecer-lhes gradualmente os equipamentos.

“Às vezes eu penso que o desfecho poderia ter sido diferente se nós tivéssemos lhes dado já em março do ano passado toda a ajuda militar que estamos lhes dando agora”, refletiu Kallas. “Porque a Rússia poderia ter percebido mais cedo que estava cometendo um erro.”

Uma razão para Biden demorar para enviar mísseis de longo alcance e caças de combate para a Ucrânia é a preocupação a respeito de motivar Putin a usar armas nucleares táticas. Levits e Kallas rejeitam esse argumento e, dado seu histórico recente em estar corretos, vale a pena lhes dar ouvidos.

“A Rússia ou Putin são motivados pela fraqueza, não pela força”, afirmou Levits, notando que, mesmo que não saibamos ainda da história completa, ao que parece o chefão mercenário Ievgeni Prigozhin cruzou todos os limites e desafiou diretamente Moscou — e a resposta de Putin foi negociação, conciliação e desescalada.

Kallas, da mesma forma, quer ver o Ocidente fornecer mais armamentos — incluindo bombas de fragmentação — para ajudar a Ucrânia a vencer.

“Se dermos sinais de que nos ameaçar com uma bomba nuclear realmente lhe dará o que ele quer, todos os ditadores vão querer uma”, acrescentou ela. “Isso faria despertar um mundo muito mais perigoso.”

Nós estamos certos em celebrar uma cúpula da Otan bem-sucedida. Mas especialmente se a Ucrânia tiver dificuldades para recuperar grandes fatias de território nesta contraofensiva haverá indivíduos irresponsáveis resmungando nas capitais ocidentais a respeito do preço que nós estamos pagando e dos favores que nós estamos fazendo pela Ucrânia. Qualquer um tentado a pensar desta maneira deveria escutar os líderes bálticos, porque eles aprenderam do modo mais difícil como lidar com ursos indomáveis. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Lula, que já implodiu a Alca, ameaça agora implodir o acordo Mercosul-UE - Beatriz Bulla (OESP)

 Insistência do Brasil em debater compras públicas ameaça acordo Brasil- UE

Insistência do Brasil em debater compras públicas ameaça acordo Mercosul-UE, diz ala do governo

Setores apontam que texto encabeçado por Casa Civil e Itamaraty traz itens tecnicamente desnecessários, que remetem a outro texto de dez anos atrás e que podem atrapalhar negociação
Por Beatriz Bulla
O Estado de S. Paulo, 12/07/2023

A contraproposta que Brasília pretende fazer à União Europeia, se avalizada pelos demais parceiros do Mercosul, para avançar no acordo comercial entre os dois blocos, pode ter efeito contrário e travar as negociações, segundo uma ala do próprio governo. O texto deve ser apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva por integrantes do Itamaraty e da Casa Civil ainda nesta semana. Com a permissão de Lula sobre a nova proposta, o documento será compartilhado com Argentina, Uruguai e Paraguai para, então, ser levado aos europeus.

O texto que foi elaborado e que parte do governo diz ser fruto de um consenso entre todos os ministérios envolvidos está longe de ter agradado a ala que se diz mais liberal na Esplanada. A insistência de ministros mais próximos a Lula em reabrir as discussões com os europeus sobre o capítulo relativo a compras governamentais que poderão ser feitas após o acordo UE-Mercosul coloca, de acordo com fontes insatisfeitas com as negociações, o acordo em risco.

O acordo União Europeia-Mercosul abarca uma série de temas, como bens, serviços, facilitação de comércio e compras governamentais. No capítulo relativo às compras do governo, a intenção do acordo UE-Mercosul é permitir competitividade de estrangeiros em contratações públicas e limitar aquelas feitas sem licitação. Assim, empresas europeias não poderiam ser discriminadas nos processos de licitação no Brasil, por exemplo, salvo em determinados casos. Essa disposição é alinhada com a lei de licitações de 2021, que prevê que estrangeiros devem poder participar das contratações.

Antes de assinar o acordo de 2019, o Brasil negociou com os europeus situações e áreas em que o governo poderia se isentar dessa obrigação assumida com os europeus e usar as compras governamentais para promover políticas públicas. Estatais, por exemplo, podem ter preferência na contratação pelo governo. Compras de pequenas e médias empresas, para incentivar empreendedorismo social, compras para o setor de defesa e compras que sejam consideradas estratégicas para a área de saúde já estão entre as exceções previstas.

O debate sobre reabrir a discussão a respeito do tema colocou, de um lado, os ministérios da Indústria e Comércio, Planejamento, Defesa e Agricultura, e, de outro, Casa Civil, Itamaraty, Saúde e Gestão. Interlocutores do primeiro grupo disseram, internamente, que parte das exceções pleiteadas pela Casa Civil para serem incluídas na contraproposta é tecnicamente desnecessária, remete a um texto de dez anos atrás e atrapalhará o processo de negociação com europeus, podendo inclusive inviabilizar uma conclusão rápida do acordo.

Um dos debates mais recentes girou em torno da possibilidade de incluir, no acordo, exceção para o governo contratar empresas nacionais para serviços de construção civil. O governo Lula tenta estimular o setor através de um novo PAC. Técnicos com conhecimento do texto já assinado em 2019, no entanto, ponderam que esse tipo de debate é infrutífero, pois o acordo não afetaria políticas do PAC por oito anos. O pedido de Lula para proteger pequenas e médias empresas, de acordo com os mesmos técnicos, também já faz parte do acordo e pode ser feito sem novas alterações ou pedidos adicionais.

De outro lado, no entanto, a ponderação feita no governo é a de que é preciso incluir no desenho final do acordo UE-Mercosul temas caros para a atual administração, como ampliar o espaço para o governo poder usar as compras públicas para induzir uma política nacional de industrialização em setores importantes, como o da saúde. O principal argumento, aqui, é o de que o cenário mundial mudou desde 2019, quando o texto foi fechado, para cá. Pandemia e guerra na Ucrânia fizeram os países repensarem suas cadeias de produção para torná-las mais próximas e menos dependentes de China e Índia, por exemplo, no tema da saúde.

O Estadão ouviu pessoas de cinco ministérios, que pediram para não ser identificadas.

Parte do setor industrial, que seria beneficiado com a maior flexibilização no capítulo sobre compras governamentais, no entanto, também não acha boa ideia estender a discussão. Em entrevista recente ao Estadão, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, defende que o governo se empenhe em aprovar com celeridade o acordo, em vez de insistir em ampliar possibilidades de exceção para compras governamentais (um ponto que poderia beneficiar a indústria).

“O acordo já foi discutido por muitos e muitos anos, é o momento de virarmos essa página. Precisamos urgentemente desse acordo. A questão das compras governamentais, que envolve principalmente a micro e pequena empresa, tem formas de desenvolvermos no Brasil sem interferência com o que está no acordo Mercosul-UE. Precisamos avançar no acordo, é fundamental para a economia toda do País. Não temos mais tempo para ficar discutindo e gastar mais anos e anos”, defende Andrade.

A crítica principal que vem da ala considerada liberal é a de que argumentos técnicos foram desconsiderados no texto final e que a Casa Civil, ao lado do Itamaraty, acabou liderando esse debate sem participação ampla como havia sido prometido. Afirmam, também, que o Brasil já tem acordos de comércio com as cláusulas incluídas no UE-Mercosul, como o assinado com o Chile. A outra ala do governo, no entanto, considera que é importante que Lula deixe seu DNA no acordo, que foi assinado pela gestão passada, de Jair Bolsonaro.

O desconforto e a divisão de opiniões foram colocados às claras dentro do governo, embora, com o texto considerado fechado, haja agora uma tentativa de minimizar a cisão interna por parte do entorno do presidente.

Nesta quarta-feira, 12, Lula mostrou, mais uma vez, resistência às imposições da União Europeia e afirmou que o Brasil não irá abrir mão das compras governamentais no acordo. “Nós vamos ter que ter uma disputa”, disse.

O presidente quer que a contraproposta esteja pronta e seja enviada aos parceiros do Mercosul antes de embarcar, no final de semana, para Bruxelas, onde participará de encontro da Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (Celac) com a União Europeia. Ele não irá apresentar o documento aos europeus, mas quer indicar que o Brasil já fez a sua parte e aguardará o retorno dos parceiros regionais para dar andamento às tratativas. Na Europa, Lula também deve fazer comentários sobre parte das propostas brasileiras apresentadas para Uruguai, Paraguai e Argentina.

A expectativa de negociadores é que a rodada de tratativas com europeus aconteça entre agosto e setembro, já com o Brasil na presidência pro tempore do Mercosul.

O Ministério da Fazenda tem tentado colocar panos quentes na divisão. A despeito de, internamente, o ministro Fernando Haddad ter dado sinais de que é favorável a uma conclusão rápida do acordo, a pasta não tem encabeçado um movimento mais crítico às sugestões da Casa Civil.

A leitura de assessores de Haddad consultados pela reportagem do Estadão é a de que as condições políticas para assinatura do acordo de forma rápida não estão presentes — e não é por causa do Brasil, mas sim da Europa. Resistências públicas do governo francês ao acordo e a possibilidade de eleição de um governo de direita ou extrema direita na Espanha, no fim de julho, estão entre os desafios no cenário internacional.

O acordo de livre comércio entre Mercosul e UE foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto e o começo do processo para sua implementação ficaram travadas nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar do assunto com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia. Agora, apesar do trabalho dos dois lados para concluir o acordo ainda neste ano, há negociações adicionais colocadas à mesa pelos europeus e pelo governo Lula.

Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências, um prazo que não será cumprido. Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental.

O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília, que discorda da ideia de ter um acordo adicional vinculante, do enfoque considerado punitivista e da abordagem sobre meio ambiente feita pela União Europeia. Do outro lado, Brasília quer aproveitar a negociação aberta para incluir a possibilidade de mais exceções para manter produtos nacionais nas compras governamentais, tema defendido publicamente por Lula.

Procurada, a Casa Civil não retornou contatos feitos pelo Estadão até a publicação desta reportagem. O Itamaraty informou que quem se pronuncia sobre o acordo é a Presidência da República./Com Sofia Aguiar e Bruno Luiz

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