Brasil vai questionar interpretação de
juízes da OMC
Jamil Chade, de Genebra
O Estado de S.
Paulo, 11/01/2019
O governo brasileiro vai
questionar a interpretação dada pelos juízes da Organização Mundial do Comércio
(OMC) que, em dezembro, condenaram cinco programas de incentivos fiscais do
Brasil. A queixa, lançada pela Europa e Japão, será adotada nesta sexta-feira,
11, em Genebra, e será iniciado o período de 45 dias durante os quais o
Itamaraty terá de chegar a um acordo sobre o que terá de ser feito para
desmantelar o apoio hoje dado ao setor privado.
A OMC condenou de forma clara
a estratégia de substituição de importação, uma política industrial adotada
durante o governo de Dilma Rousseff e que distribuiria R$ 25 bilhões em
bondades fiscais. Depois de cinco anos de contenciosos, a entidade coloca um
espécie de "fronteira" à política que poderá ser adotada no País na
próxima década.
Foram declarados como
irregulares a formas de incentivos previstos na Lei de Informática, no Padis
(Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de
Semicondutores e Displays), além do o Inovar Auto, da Lei de Inclusão Digital e
o Programa de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de equipamentos
para a TV digital (PATVD).
Três dos programas condenados
já foram encerrados. Mas a Lei de Informática vence apenas no ano de 2029 e o
Padis vence em 2022. Ambos terão de mudar ou passarão por uma profunda reforma
para que não sejam considerados como mecanismos que garantem uma concorrência
desleal entre produtos nacionais e importados.
Nesta sexta-feira, a
diplomacia brasileira usará a reunião na OMC para levantar uma preocupação
surgida depois de ler a decisão dos juízes. Pelas regras internacionais, uma
vez que um produto pague os impostos de importação, ele precisa receber o mesmo
tratamento que um produto nacional dispõe. Trata-se do princípio do
"tratamento nacional".
Os acordos da OMC, porém,
permitem uma exceção, que é a capacidade de governos para conceder subsídios a
produtos nacionais. Ninguém discute o fato de que isso cria um desnível na
concorrência. Mas essa possibilidade era permitida pelos tratados negociados
ainda nos anos 90.
O que chamou a atenção dos
especialistas brasileiros é que os juízes aplicaram uma nova interpretação do
texto das regras e a condenação criou o que para muitos poderia ser um
precedente perigoso na jurisprudência.
Pela decisão da OMC, os
juízes interpretaram as leis de forma a restringir o alcance dessa exceção, o
que tornaria todos os subsídios condenáveis. Na avaliação do Brasil, isso
poderia ter consequências negativas e afetar, entre os outros setores, o da
agricultura.
A queixa brasileira não irá
mudar a condenação e o governo sabe que terá de cumprir a determinação da OMC.
Mas a decisão de levantar esse ponto tem como objetivo demonstrar uma
"preocupação sistêmica".
O governo brasileiro ainda
vai reforçar outra mensagem: a de que a nova decisão da OMC reverteu
parcialmente uma condenação que, um ano antes, havia sido bem mais profunda. Na
primeira instância, também tinham sido condenados o Regime Especial de
Aquisição de Bens de Capital para empresas exportadoras (Recap) e Programa
Preponderantemente Exportador (PEC).
O Itamaraty, porém, conseguiu
que eles fossem absolvidos. Os programas, no fundo, apoiam centenas de empresas
nacionais, entre elas a Samarco e a Embraer.
Prazos
Com a adoção do relatório
nesta sexta-feira, europeus e japoneses pedirão que o Brasil reforme seus
programas dentro de um período a ser negociado. Se não houver um acordo no
prazo de 45 dias, europeus levarão o caso de volta à OMC e pedirão uma
arbitragem para que a entidade determine o prazo para que o Brasil retire seus
programas de funcionamento.
Legalmente, o fim desses
programas não é tão simples, já que existem obrigações assinadas com empresas
que fizeram investimentos e compromissos contratuais. Caso o Brasil não cumpra
a decisão da OMC, Tóquio e Bruxelas já indicaram que irão solicitar a
autorização para retaliar o Brasil.
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