Os
desastres da política externa do olavo-bolsonarismo
Paulo Roberto de Almeida
As decepções e mesmo as derrotas eram previsíveis: conduzida por
amadores da própria família presidencial e por um aspone medíocre de um partido
sem qualquer credencial no setor, e que, sob recomendação de um guru
destrambelhado e completamente inepto em relações internacionais, escolheram um
chanceler amestrado para operar a máquina do Itamaraty (sem maiores credenciais
para fazê-lo, e devendo sua designação à montagem improvisada de qualificações
artificialmente moldadas para agradar os novos donos do poder), a diplomacia “terraplanista”
só podia dar errado em toda a linha, e isso pela absoluta ignorância,
despreparo e vulgaridade do titular.
Primeiro, foi a servidão voluntária e sabuja demonstrada não em relação
a um país, os EUA, mas a um dirigente tosco, Trump, que já tinha amplamente
demonstrado as mesmas más qualidades que o seu novo admirador beato. A
submissão às piores loucuras do “laranjão” grosseiro e autocentrado, foi muito
além do antigo entreguismo tupiniquim, que só queria ampla associação com o
capital estrangeiro via investimentos diretos privados, jamais subordinação da
política externa a uma potência qualquer, mesmo sendo ela a líder ocidental na
luta contra o comunismo. Essa primeira grande ilusão terminou por ser desfeita
na questão da OCDE, e parece comprometer irremediavelmente as chances de ter um
de seus pimpolhos — o 03, o chanceler real, mas totalmente inepto para o cargo —
aprovado como embaixador na capital do império.
Segundo, foi a grosseria demonstrada pelo titular principal no
tratamento da questão das queimadas amazônicas, tanto interna quanto
externamente, o que implodiu imediatamente a implementação do acordo UE-Mercosul
laboriosamente construído pela equipe econômica (com a participação marginal do
Itamaraty), sem chances de aprovação pela parte europeia no futuro previsível.
A culpa, no caso, incumbe inteiramente ao chefe de Estado, um antidiplomata
absoluto, no caso secundado por assessores militares que continuam a ser
paranoicos amazônicos, como nos velhos tempos da ditadura militar.
Terceiro, o rompimento virtual de relações pessoais com o provável
futuro presidente argentino, e danos irreparáveis nas relações entre os dois
grandes vizinhos platinos e sócios no Mercosul, devido a agressões verbais
incompreensíveis e irreparáveis por parte do mesmo personagem tosco e vulgar,
jamais controlado pelo seu chanceler acidental; ao contrário, este acrescentou
a indignidade ao insulto, ao comparar o provável vencedor a uma boneca russa,
com dois ou três esquerdistas dentro, numa inacreditável demonstração de
grosseria diplomática inadmissível num funcionário de carreira (só pode ter
sido por seguidismo burro ao chefe). Como reparar e superar esse terceiro
grande desastre ainda é uma incógnita no futuro das relações bilaterais e da
agenda do Mercosul, já estressada por uma ignorância do titular da Economia
sobre a importância do bloco para o Brasil, e não só economicamente.
Esses três grandes desastres diplomáticos — o fim do sonho do ingresso
rápido na OCDE e da aliança com o império, a virtual postergação indefinida do
acordo UE-Mercosul e a queima gratuita de pontes na principal relação bilateral
— se tinham agregado à crônica de outros pequenos desastres anunciados ainda
durante a campanha: a devoção evangélica a Jerusalém, o afastamento irracional
do principal parceiro comercial e o anticlimatismo burro defendido pelos
encarregados do 1/2 ambiente, ministro setorial e chantecler, felizmente
contornados por assessores mais racionais ainda presentes e pela pressão do
agronegócio, visivelmente preocupado pelas perdas imensas que decorreriam
dessas três outras loucuras diplomáticas.
Tem muitas outras bobagens, reais e potenciais, na frente
antidiplomática do governo, entre elas o fracasso imediato da adesão ao
aventureirismo eleitoral trumpista na questão da Venezuela, a luta insana
contra a “ideologia do gênero”, contra um suposto globalismo e o “marxismo
cultural” no plano mundial, a aliança com líderes da extrema-direita
nacionalista em outros países e outras obsessões ideológicas dos novos cruzados
no poder.
Tudo isso conforma um desastre político e diplomático sem precedentes em
nossa trajetória de quase dois séculos de lenta construção de uma política
externa respeitável e respeitada em âmbito mundial, e mais do que vergonhoso
para o corpo profissional do Itamaraty.
Continuarei acompanhando as confusões na área externa, com a
compreensível preocupação de um profissional do setor, estarrecido com a
diminuição do nosso prestígio internacional, em proporções nunca antes vistas
em nossa história diplomática. Lamento ter de desempenhar esse papel de alerta,
mas estou seguro de interpretar o sentimento e as apreensões da maior parte dos
meus colegas de carreira e de muitos observadores externos.
Ao corpo diplomático estrangeiro, que ainda busca explicações para
certos atos inexplicáveis dos atuais titulares do setor, caberia uma palavra de
caução quanto a possíveis novos desenvolvimentos nessa área, que não posso
oferecer neste momento, por absoluta falta de clareza em torno da possível
trajetória a partir dos desastres atuais já enunciados: ou recrudescimento nos
erros e equívocos já materializados, ou modesta correção de rumos, que no
momento julgo ser improvável. Isso exigiria uma revolução mental por parte do
principal responsável e um abandono dos assessores ineptos que não me parece
perto de ocorrer. Ou seja, o Brasil poderá continuar exibindo mediocridade
governamental e diplomática pelos três anos à frente.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14/10/2019
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