Publiquei, há pouco, meu artigo sobre o o abandono do Direito Internacional pelo Brasil (também disponível neste link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/03/uma-renuncia-infame-o-abandono-do.html ).
Pois bem, leio agora que o ditador Hitler-Putin exige, como condição para acabar com a agressão contra a Ucrânia, que se reconheça "a Crimeia anexada em 2014 como russa e as ditas repúblicas separatistas do Donbass, no leste, como independentes".
Permito-me, antes que o Itamaraty seja levado a mais uma violação de seus próprios princípios relativos ao Direito Internacional, recordar a atitude da diplomacia brasileira, em 1939, em plena ditadura do Estado Novo, relativamente ao esquartejamento da Polônia pela Alemanha nazista e pela União Soviética stalinista.
Retiro do relatório do MRE de 1939, este trecho sobre o não reconhecimento de situações geradas pelo uso da força:
"O conflito europeu suscitou, logo de início, a questão da nossa Representação diplomática junto ao Governo polonês e a do reconhecimento da anexação dos territórios ocupados. Decidiu o Governo brasileiro, fiel aos princípios do não reconhecimento de conquistas efetuadas pela força, manter a sua Representação junto ao Governo da Polônia, tendo sido dadas instruções nesse sentido ao Ministro Joaquim Eulálio do Nascimento Silva, que se transferiu para Angers. (Relatório do MRE de 1939, p. 4-5).
Permito-me recordar, ainda, que o Brasil NUNCA reconheceu a suzerania da URSS sobre os três países bálticos em 1940 (e até 1991), pois havíamos estabelecido relações diplomáticas com os três, entre 1919 e 1921.
Paulo Roberto de Almeida
Putin apresenta lista de condições para encerrar guerra na Ucrânia
Porta-voz diz que russo quer rendição militar, neutralidade e reconhecimento da Crimeia e do Donbass
Igor Gielow
Folha de S. Paulo, 7.mar.2022 às 13h06
A Rússia de Vladimir Putin listou pela primeira vez as condições que apresentou à Ucrânia para acabar com a guerra que devasta o país vizinho há 12 dias.
Em uma entrevista à agência Reuters, por telefone, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que a operação "acaba em um instante" se Kiev se render militarmente, mudar sua Constituição para garantir que nunca irá aderir à Otan, a aliança militar ocidental, ou à União Europeia, reconhecer a Crimeia anexada em 2014 como russa e as ditas repúblicas separatistas do Donbass, no leste, como independentes.
Segundo Peskov, os negociadores russos já informaram aos ucranianos seus termos na semana passada, quando fizeram duas reuniões na Belarus. A terceira rodada ocorre nesta segunda-feira (7), também na ditadura aliada de Moscou, que serve de base para ações no norte da Ucrânia.
Peskov afirma que não haverá exigências territoriais adicionais a serem feitas, o que não condiz com o mapa que se desenha no solo ucraniano, particularmente com o estabelecimento de uma ponte terrestre entre o Donbass e a Crimeia, base da Frota do Mar Negro russa.
Se a cidade de Mariupol, sob intenso cerco e objeto da discussão acerca de corredores humanitários, cair, tal ligação está estabelecida. E as forças de Putin lutam para chegar até Odessa, o maior porto ucraniano. Se conseguirem, apesar dos reveses no caminho no fim de semana, podem isolar o país do mar.
"Nós realmente estamos acabando a desmilitarização da Ucrânia. Vamos acabá-la. Mas a principal coisa é a Ucrânia cessar sua ação militar. Aí ninguém vai atirar", disse Peskov. Em outras palavras, o Kremlin quer a rendição dos ucranianos, algo que o governo de Volodimir Zelenski rejeita. No sábado (5), Putin havia dito que a Ucrânia corria o risco de deixar de ser um Estado soberano.
"Eles devem fazer emendas à Constituição de acordo com as quais a Ucrânia irá rejeitar entrar em qualquer bloco", afirmou, sobre a neutralidade. A frase é importante, pois "qualquer bloco" indica não só o temor decantado dos russos de ter um país enorme membro da Otan junto às suas fronteiras, mas também o desejo de evitar que a União Europeia transforme a Ucrânia em uma vitrine do tipo de democracia que possa inspirar opositores de Putin na Rússia.
Peskov disse que "seria uma questão de tempo" ver mísseis intermediários e outras armas ofensivas colocadas numa Ucrânia que fizesse parte da Otan. "Tivemos de agir." A questão da neutralidade estava no centro do ultimato feito aos EUA e à Otan em dezembro por Putin, que foi rejeitado liminarmente pelos ocidentais. No caso, o russo queria a garantia deles de que não trariam a Ucrânia para seu lado.
Em 2008, tal possibilidade levou o Kremlin a lutar uma guerra na Geórgia, vencida em cinco dias. As ações de 2014 na Ucrânia já seguiam essa lógica, já que o governo pró-Rússia de Kiev havia caído após protestos de rua por não ter aceito um acordo comercial com os europeus. Putin busca manter o cinturão que separa a Rússia de seus adversários, como fizeram antes o Império Russo e a União Soviética.
Por fim, as questões territoriais existentes. Que a retomada da Crimeia por Moscou em 2014 é um fato consumado, isso é admitido por qualquer diplomata ocidental. Fazer Kiev aceitar parece algo mais difícil. O mesmo se aplica às chamada "repúblicas populares" do Donbass, baseadas em Donetsk e Lugansk, lar de 4 milhões de pessoas, a maioria russófona, e 800 mil delas, com passaporte russo.
"Isso não significa que a gente está tomando Lugansk e Donetsk da Ucrânia. Elas não querem ser parte da Ucrânia. Mas isso não significa que elas devam ser destruídas como um resultado", disse o porta-voz, repassando a justificativa inicial da ação de Putin —a suposta proteção às duas áreas que são autônomas desde a guerra civil que seguiu à anexação da Crimeia. "De resto, a Ucrânia é um Estado independente que irá viver como quiser, sob as condições de neutralidade", disse. A Rússia reconheceu as duas regiões três dias antes do início da guerra. "Nós entendemos que elas seriam atacadas."
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