O que será o Brasil em duas décadas?
Por Mansueto Almeida
Valor Econômico, 13 de janeiro de 2012
O ano de 2012 inicia-se com projeção de crescimento menor e inflação maior vis-à-vis ao início de 2011. No entanto, essa queda parece ser apenas um desvio de curso em uma trajetória de crescimento que é cada vez mais consensual: a possibilidade de o Brasil crescer perto de 4% ao ano, o que significaria duplicar a nossa renda per capita em pouco mais de duas décadas para valor próximo à renda de Portugal hoje (US$ 24 mil), mas ainda muito inferior ao padrão de renda atual dos EUA (US$ 48 mil) e da União Europeia (US$ 35 mil).
Dobrar a renda per capita em pouco mais de duas décadas não é ruim. A Inglaterra levou 150 anos para dobrar a sua renda per capita depois da revolução industrial. Por outro lado, países com renda per capita muito superior à do Brasil, como é o caso da Coreia do Sul (US$ 31 mil), tem hoje a perspectiva de dobrar a sua renda já elevada em menos de uma década e meia (14 anos).
É claro que o crescimento da economia brasileira ao longo das próximas duas décadas não está dado. O crescimento poderá ser maior se o Brasil retomar a agenda de reformas necessária para elevar o crescimento, ou poderá ser menor se utilizarmos a conjuntura externa (ainda) favorável para aumentarmos apenas o consumo. Não se trata de diminuir o consumo presente, mas apenas dosar a sua taxa de crescimento para aumentar o investimento público e privado; uma estratégia que, na prática, está longe de ser consensual.
Os fatores positivos que nos trazem conforto nas próximas duas décadas são: 1) os efeitos positivos das reformas econômicas de 1986 a 2005; 2) o boom de commodities que diminuiu a restrição externa ao crescimento, e 3) o descobrimento do pré-sal, com impactos positivos na taxa de investimento e na arrecadação de impostos (em relação ao PIB).
No entanto, esse cenário positivo contrasta com uma série de desafios ainda “em aberto”. Um desses desafios é a educação. O Brasil, desde meados dos anos 90, vem aumentando o esforço de investimento em educação, mas a qualidade da educação básica ainda é ruim. Sabe-se hoje que a melhora na qualidade da educação depende de uma série de políticas (escola em horário integral, nova política de contratação e treinamento de professores, maior investimento na pré-escola, reforma e aumento da taxa de matrícula do ensino médio, etc.), mas não se sabe “ex ante” o que funcionará nem quais delas têm melhor relação custo-benefício.
O desafio do crescimento dos gastos com saúde não é menos importante. O Brasil não tem hoje recursos para cumprir com a letra da Constituição que estabelece, no seu Art. 196, que o acesso à saúde é universal e dever do Estado, e com cobertura integral (Art. 198). O que equilibra o SUS são as filas e os planos privados de saúde que cobrem 25% da população. Mesmo assim, estima-se que cerca de 30% da população brasileira não tenha acesso a serviços de saúde regularmente. A tendência é que esse quadro se agrave já que, ao longo dos próximos vinte anos, a população brasileira crescerá a uma taxa próxima a 0,9% ao ano, enquanto a população com mais de 60 anos crescerá a uma taxa de mais de 3,5% ao ano, aumentando a participação dos idosos no total da população de 10% (19,2 milhões de pessoas), em 2010, para 18,7% (40,4 milhões de pessoas), em 2030. Esse envelhecimento da população pressionará ainda mais os gastos do SUS, se não aumentarmos os gastos com prevenção nos próximos anos.
A mudança demográfica em curso no Brasil levará também ao crescimento dos gastos com previdência e menor expansão da força de trabalho. O Brasil gasta com previdência de cerca de 12% do PIB para uma razão de dependência (população com 65 anos ou mais dividida pela população em idade ativa de 15 a 64 anos) de 9,1%. Pela média mundial, nosso gasto atual com previdência seria equivalente a um país com taxa de dependência 25% a 30%. Com o envelhecimento da população, o gasto com previdência (em relação ao PIB) crescerá ainda mais e, por enquanto, não temos ideia de como lidar com esse problema.
Em relação à indústria, a tendência natural da economia brasileira é de maior especialização em commodities, principalmente na cadeia de petróleo, com valorização da moeda. Esse cenário levará à redução de participação de setores da indústria no PIB, principalmente os intensivos em mão de obra como calçados, vestuário, brinquedos e outros. Não está claro como o governo reagirá a esses movimentos estruturais, se com mais proteção ou com políticas que facilitem as mudanças estruturais. O desejável seria a redução da carga tributária da indústria, mas hoje falta espaço fiscal, o que tem levado a uma agenda negativa de maior proteção comercial.
O maior risco para o crescimento do Brasil nas próximas duas décadas é acharmos que poderemos nos acomodar com a riqueza do pré-sal e com o boom de commodities. A bonança dos recursos naturais deveria ser utilizada para avançar, ainda que de forma gradual, na agenda de reformas que será importante para definir o que será o Brasil em duas décadas, se um país de renda per capita próximo a US$ 20 mil e com forte especialização em commodities, ou outro de renda per capita mais próximo a US$ 30 mil e com uma indústria dinâmica, mas com menor participação no PIB.
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