A
trajetória do conservadorismo no Brasil, segundo Oliveira Torres
Paulo Roberto de Almeida
Resenha para palestra-debate
João
Camillo de Oliveira Torres
Os Construtores do Império: ideais e lutas do
Partido Conservador brasileiro
São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1968; Coleção Brasiliana vol. 340
No começo do século XIX, e sobretudo
durante as turbulências das Regências, os fundadores do Império e os políticos da
segunda geração viam no regime monárquico uma garantia de ordem e
tranquilidade. Já no final do século, a intelligentsia brasileira, as novas
camadas das escolas militares, civis e religiosas eram todas republicanas. Américo
Jacobina Lacombe, diretor da Brasiliana diz, em sua orelha ao livro, repetindo Nabuco,
que “causava mais escândalo um jovem declarar-se monárquico do que republicano”.
Em seu Prefácio a esta nova obra –
que se segue a diversas outras de todo um ciclo dedicado ao pensamento político
brasileiro, começando pelo Positivismo
(1943; 1957), passando pela Democracia
Coroada: teoria política do Império do Brasil (1952; 1957; 1964) e pela Formação do Federalismo no Brasil e pelo
Presidencialismo (ambos de 1961) – João
Camillo de Oliveira Torres diz que tinha iniciado a Democracia Coroada num espírito perfeitamente liberal, inclusive porque
as ideias correspondiam ao “espírito da época”. Não obstante, ao terminá-lo,
começou a “considerar a versão conservadora como a autêntica” (p. xiii). Ele confessa
que “o livro terminou sendo de cunho nitidamente ‘saquarema’.” (idem). E
completa: “Depois, meditando bem, senti que, de fato, não resistiria à força
dos argumentos e do prestígio dos conservadores. Comecei liberal; o livro saiu
conservador...” (pp. xiii-xiv).
Ele passou a admirar os conservadores,
“construtores do Império”, e considerava o Regresso “talvez a época mais
importante do Brasil” (p. xiv). Diz isso por causa da criação do Conselho de
Estado, da obra do Visconde de Uruguai – “que em 1841 funda a máquina da
autoridade no Brasil, criando uma aparelhagem policial de certo modo ainda em
vigor até hoje, e depois, em 1862 e 1865, publica livros notáveis estabelecendo
a teoria da centralização sem a qual, dizia ele, ‘não haveria Império’, ou,
melhor dito, não haveria Brasil, hoje” (idem) – e também por causa da leitura
de grandes obras saquaremas. Foi por considerar que a liberdade não se sustenta
sem “condições efetivas e bem fundadas na realidade”, que JCOT percebeu a “força
da contribuição conservadora para a grandeza do Brasil” (idem). Ao contrário
dos Liberais, os saquaremas “eram homens que viviam a realidade concreta do país
em que estavam, não do país em que gostariam de estar” (p. xv).
Os conservadores foram os que fizeram
a “defesa do Poder Moderador, vale dizer, da autoridade do Imperador” (p. xv). Ele
fornece imediatamente as razões dessa escolha: “Os liberais queriam um
parlamentarismo à inglesa, reduzindo o Imperador à posição de meio juiz do
jogo, governando de acordo com as maiorias parlamentares. Mas acontece que, por
força das condições puramente sociais do país (densidade demográfica, população
praticamente rural, etc.), a vida eleitoral era impraticável. Faltava o que
havia na Inglaterra: uma população urbana densa, uma classe média sólida” (p.
xv). Mas ele não esconde sua surpresa com “certos paradoxos da política conservadora
– o conservadorismo liberal de um Rio Branco, o liberalismo conservador de Ouro
Preto e Alves Branco, a Abolição como obra conservadora, etc.” (p. xvi). Considera
que o ponto alto do republicanismo no Brasil é, de fato, um resultado do
Partido Conservador, como o governo de Rodrigues Alves e a política diplomática
do Barão do Rio Branco, “conscientemente na linha paterna e imperial” (idem).
Conceito de conservadorismo
Entre os elementos do conservadorismo,
com base em Russell Kirk – The Conservative
Mind (1953) –, se situam o reconhecimento da legitimidade da existência de
classes e hierarquias sociais, a convicção de que propriedade e liberdade estão
intimamente ligadas, o tradicionalismo, a distinção entre mudança e reforma, ou
entre revolução e reforma (p. 1). O conservadorismo estima que as mudanças
sociais, para serem justas e válidas, não podem quebrar a continuidade entre o
passado e o futuro. Pode-se reformar, por meio de uma cautelosa adaptação do
existente às novas condições, mas não empreender o estabelecimento de algo
radicalmente novo (p. 2) Conservadores não são nem imobilistas, nem reacionários,
mas tampouco são progressistas, que tendem a renegar o passado, algo que os
conservadores reconhecem como válido e importante. O conservador considera que
se pode conservar reformando, uma vez que as reformas, em si mesmas, são necessárias,
mas não convém precipitá-las.
JCOT acredita que “Teoricamente, a
restauração da monarquia no Brasil é possível; basta que ocorram circunstâncias
que convençam os homens que dominam as alavancas do poder, da conveniência da
solução” (p. 6). Mas ele não acredita que uma volta da monarquia não seria como
no Segundo Reinado: “não traria a restauração do Império patriarcal e
conservador de D. Pedro II, mas muito possivelmente, um tipo de monarquia
socialista em moldes escandinavos” (p. 6). A “política verdadeiramente conservadora,
não reacionária ou imobilista, não procura deter as reformas ou impedir as transformações,
mas dar-lhes um tom moderado e tranquilo, acomodá-las às condições gerais da
sociedade, naturalizá-las, em suma” (p. 8).
O conservadorismo no Brasil
No Império, o Partido Conservador
lutava pela unidade nacional, fundada na democracia liberal (p. 9). “Os ‘saquaremas’
tinham como dogma fundamental que a liberdade somente está devidamente protegida
se encontra o apoio de uma autoridade forte e imparcial. Contra a tendência ao
anarquismo que as doutrinas de Rousseau possuíam em estado latente, fundando a
liberdade na ausência de poder, na abolição de qualquer ordem ou categoria
social, os conservadores postulavam o princípio de que os cidadãos não poderiam
ser livres senão sujeitos à lei, a uma autoridade justa, neutra, imparcial,
soberana, que fizesse a todos justiça reta e igual. Nada melhor simbolizaria
essa autoridade do que o poder régio” (p. 10).
JCOT divide a história eleitoral do
Império no Brasil em três fases: a anterior à adoção do governo de gabinete, em
1847, onde não havia voto partidário ou de bancada. Depois, quando se passou à adoção
do governo de gabinete, surgiu o problema de como constituir uma verdadeira
maioria, mas também surgiu a política das qualificações, ou seja, o “partido
que controlasse as autoridades policiais ganhava as eleições por um processo
muito simples: impedindo que os adversários se qualificassem, se alistassem”
(p. 15). Depois da Lei Saraiva – o Decreto 3.029, de 29/01/1881, instituindo o título
de eleitor, proibindo o voto do analfabeto e adotando o voto direto para todos os
cargos eletivos do Império, inclusive o de juiz de paz, obra, em grande medida,
de Ruy Barbosa –, que estabeleceu um alistamento permanente, feito pela
magistratura, a situação mudou, mas o voto era censitário, ou seja, apenas os
que possuíssem renda não inferior a 200 mil réis. Essa lei foi altamente favorável
ao Partido Liberal, que a fez, a despeito do censo alto e da homogeneidade de
candidatura num determinado distrito. Nas cidades, votava o eleitorado urbano,
que estava bem representado; no interior, apenas os fazendeiros.
O Senador Nabuco de Araújo resumia o
sentido dos gabinetes do Império, na segunda fase da trajetória eleitoral do
regime monárquico: “O Poder Moderador pode chamar a quem quiser para organizar ministérios:
esta pessoa faz a eleição, porque há de fazê-la e esta eleição faz a maioria.”
(p. 18) De certa forma se confirmava a frase: “Nada tão parecido a um ‘saquarema’
como um ‘luzia’ no poder” (p. 33).
A importância dos presidentes de
província era crucial nas eleições e para diversos serviços públicos, inclusive
polícia. “O chefe da polícia dependia do governo-geral, estando subordinado ao
Ministério da Justiça. Mas os delegados e subdelegados eram de nomeação dos
presidentes de província, por indicação do chefe de polícia, homem, também, de
seu partido.” (p. 23) O título eleitoral, ou seja, a instituição de um
eleitorado permanente, mudou a vida política do país, “pondo fim à comédia das ‘qualificações’,
estabilizou a vida política em bases sólidas” (p. 24). “O corpo eleitoral do
Império, dividido em duas correntes, passou a ter existência permanente, e que passou,
afinal de contas, o comparecimento às urnas de eleitores liberais e
conservadores.” (p. 25) As mudanças nas regras começaram com Paulino, a partir
de 1841, quando centralizou a Justiça e a polícia. De certa forma, o Imperador passou
a exercer o papel de corpo eleitoral a partir dessa fase (p. 30).
Quem eram os conservadores no Império?
O primeiro deles, fundador do
Partido, foi Bernardo Pereira de
Vasconcelos, liberal na origem, foi o líder do Regresso (p. 34). A ele se deve: o Código Criminal do Império, a
lei do Supremo Tribunal, o Colégio Pedro II, o Arquivo Nacional, o texto do Ato
Adicional (de 1834), o Conselho de Estado: “Seus discursos são autênticas
conferências” (p. 34).
Honório Hermeto Carneiro Leão, mineiro, marquês de Paraná, líder da ala
moderada, chefe do gabinete de Conciliação,
esteve na missão que derrubou Rosas, e fez a pacificação de Pernambuco. “Era
autoritário, objetivo, homem que sabia onde ia. Não possuía o talento e a
cultura de um Vasconcelos, mas notável fibra de estadista” (p. 35).
Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara, natural de Angola, fez a extinção do tráfico
africano e abriu o Brasil ao telégrafo.
Paulino José Soares de Sousa, visconde de Uruguai, ministro da Justiça do
Regresso, principal redator das leis que fundaram as bases jurídicas do Segundo
Reinado, e autor de dois livros de teoria política: Ensaio sobre o Direito Administrativo e Estudos práticos sobre a administração das províncias.
No plano militar, o Marechal Luis Alves de Lima e Silva, o Duque de
Caxias, o único duque de D. Pedro II.
Mais adiante, a figura de José Maria da Silva Paranhos, visconde
do Rio Branco, chefe do gabinete de maior duração no Império. José Joaquim Rodrigues Torres, visconde
de Itaboraí, diplomata da confiança de D. Pedro. José Antonio Pimenta Bueno, marquês de S. Vicente, autor de Direito
Público, um livro fundamental. João
Alfredo Correia de Oliveira, o conservador que fez a Abolição, contrastando
com seu antecessor, João Maurício
Wanderley, barão de Cotegipe, escravagista intransigente. Havia ainda Pedro Araújo Lima, marquês de Olinda, antigo
regente, Zacarias de Gois e Vasconcelos
e José Tomás Nabuco de Araújo, estes
dois últimos evoluiriam para o lado “luzia”.
Dentro do grupo dos Liberais, havia
os conservadores, como Ouro Preto, os moderados (Silveira Martins, Saraiva, Dantas),
os radicais liberais, como Ruy Barbosa, e os liberais sociais, como Joaquim Nabuco.
Dos 36 gabinetes do II Reinado, 16 eram claramente conservadores, 22 eram liberais
e um de Conciliação.
O Regresso e o conservadorismo nos gabinetes do Império
Os liberais viam com desconfiança o
Poder Moderador, ao passo que os futuros conservadores viam com simpatia o
reinado de D. Pedro I. Com a abdicação, a radicalização gerou conflitos e a
reforma da Constituição. Os liberais queriam a abolição do Poder Moderador, a vitaliciedade
do Senado e a adoção de um regime federativo. Esta última foi alcançada com a
criação das assembleias provinciais, mas as duas primeiras não vingaram no Ato
Adicional de 1834, preparado por deliberação da Câmara em outubro de 1831 (que,
de toda forma estabeleceu o final da Regência Trina, efetivada em 1835); o
Conselho de Estado foi abolido, para ser restaurado novamente apenas em 1842. Em
1840, finalmente, uma Lei de Interpretação do Ato Adicional impôs diversas
restrições aos poderes concedidos às assembleias provinciais, seguido por várias
leis “regressistas” a partir de 1941.
JCOT confirma os dizeres de Joaquim Nabuco,
em Um Estadista do Império, segundo
quem as Regências foram uma verdadeira República, ainda que provisória, mas de
fato (p. 53). As revoltas provinciais – entre elas a Farroupilha, em 1837 – serviram
para diminuir o ímpeto republicano, tanto que, a partir de 1837, ao final da
regência de Diogo Antônio Feijó, reduziram-se notavelmente os adeptos da república
e da federação. Foi quando entra para o governo de Araújo Lima o “liberal” Bernardo
Pereira de Vasconcelos, com um programa conservador. Ele pronuncia um dos mais
famosos discursos parlamentares da história do Brasil, como reproduzido por
JCOT:
Fui
liberal; então a liberdade era nova no país, esteava nas aspirações de todos,
mas não nas leis; o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é diverso o
aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam, e muito
comprometeram; a sociedade, que então corria risco pelo poder, corre risco pela
desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la, quero
salvá-la; por isso, sou regressista.
Não sou trânsfuga, não abandonei a causa que defendo, no dia dos seus perigos,
de sua fraqueza; deixo-a no dia em que tão seguro é o seu triunfo que até o
excesso a compromete. Quem sabe se, como hoje defendo o país contra a
desorganização, depois de havê-lo defendido contra o despotismo e as comissões
militares, não terei algum dia de dar outra vez a minha vos ao apoio e à defesa
da liberdade?... Os perigos da sociedade
variam; o vento das tempestades nem sempre é o mesmo; como há de o político,
cego e imutável, servir a seu país? (p.
55)
JCOT complementa: “A partir de então
ficou havendo um partido conservador. Era o começo do Regresso. (...) O Brasil tornara-se um Estado liberal de direito e
as suas instituições não destoariam das que brilhavam nos países mais livres.
(...) Mudou-se o sistema de governo, conservou-se o mesmo regime político.
Concluíra-se a Revolução Brasileira, que fizera do Brasil um Estado liberal de
direito, uma open society, com instituições
que permitem o livre jogo das tensões e as reformas sucessivas”. (p. 56)
O Regresso, por alguns chamado de Reação,
inspira-se na famosa frase de Bernardo Pereira de Vasconcelos: “É preciso deter
o carro da revolução”. Para JCOT foi um período antirrevolucionário ou contrarrevolucionário
consciente. A cronologia costuma datar o Regresso
do primeiro gabinete conservador, de 23 de março de 1841, se estendendo na Conciliação (1853, com Paulino Soares de
Abreu). Mesmo os gabinetes liberais, e foram vários, acomodaram-se às leis
regressistas. Os objetivos do Regresso
eram dois: assegurar a prevalência da Constituição, com as modificações
introduzidas nas Regências, mas preservando o Poder Moderados, que os liberais
queriam eliminar, e garantir um governo eficaz, para impedir o desmembramento
do Império, o que foi obtido. A recriação do Conselho de Estado, em 1842, e
depois o cargo de presidente do
Conselho de Ministros, a partir de 1847, contou com um primeiro ministro
liberal, Manuel Alves Branco, que embora liberal era, no fundo, um conservador.
Com a criação da “terrível figura do presidente”, diz JCOT, “de lá para cá, sempre
temos tido presidentes” (p. 65).
Até então, cada deputado votava
segundo suas preferências. A partir dessa data, com Alves Branco, criou-se o
sistema de “derrubadas”, consolidando o regime dos dois partidos. Surgiram críticos
do sistema parlamentarista, como Brás Florentino, em seu livro sobre Do Poder Moderador: ensaio de direito
constitucional (Recife, 1864), que condena o sistema de fato oligárquico
que se estava criando: a oligarquia ministério-parlamentar
(p. 67). O gabinete conservador de 1848, com dois ex-regentes e ministros como
Paulino, Rodrigues Torres e Eusébio de Queiroz, “acabou com a confusão no Prata
(fim de Rosas), extinguiu o tráfico escravo, fez passar o Código Comercial até
hoje em vigor [sic], aprovou uma importante lei de terras, talvez a mais famosa
da nossa História, etc.” (p. 68). Em 1853, começa o gabinete da Conciliação, com Honório Hermeto Carneiro
Leão, marquês de Paraná, um moderado que apoia o Regresso. JCOT não considera
que seja verdadeiramente de conciliação, e sim de moderação, o que não impede
uma crise em 1868.
JCOT elogia sobretudo o gabinete do
Visconde do Rio Branco, em 7 de março de 1871, não esquecendo a Lei do Ventre
Livre, aprovada em maio desse ano, promulgada em setembro:
Quase todos
os historiadores consideram de fastígio esta época. O gabinete Rio Branco foi,
indiscutivelmente, um período de progresso e de grandes realizações – basta
recordar, no campo das coisas práticas e da modernização da vida brasileira, a
introdução do sistema métrico e a realização do primeiro recenseamento geral do
Brasil. O gabinete Rio Branco, o de maior duração na política imperial,
marcaria época. (...) ... o câmbio chegaria a 28 (p. 75).
Mas, ele também registra a sequência
de problemas surgidos a partir da crise de 1868: o republicanismo, a Lei do Ventre
Livre, que “começou a abalar os alicerces sociais” (p. 76), a questão religiosa
(ou seja, a religião do Estado, num sistema constitucional que se pretendia
liberal), e as condições sociais em geral, no país, que não permitiam eleições
do tipo da inglesa, livres da pressão governamental. JCOT resume os grandes
problemas surgidos logo depois do término da guerra do Paraguai:
a) Como
conciliar o princípio da religião oficial com o da liberdade de crenças?
b) Como
fazer a Abolição sem destruir a economia nacional ou estabelecer uma luta do raças,
como nos Estados Unidos da América?
c) Como
conciliar o ideal do regime parlamentar num país de estrutura social agrária?
d) Como
dar autonomia às províncias, sem quebrar a unidade nacional e sem ferir os
princípios cardiais do regime imperial?
e) Como
manter as forças armadas unidas e coesas, mas afastadas da política partidária,
sujeitas que eram a governos partidários?
Certamente
não era possível aos políticos do Império resolver todas essas questões. (pp.
77-78)
Os grandes livros e os grandes temas do conservadorismo brasileiro
JCOT apresenta os grandes livros do
conservadorismo imperial, nomeadamente:
1) Ensaio sobre Direito Administrativo, de Uruguai (Paulino Soares de
Sousa);
2) Estudos práticos sobre a administração das províncias, de Paulino
igualmente;
3) Direito Público Brasileiro e análise
da Constituição, de Pimenta Bueno (1857);
4) Do Poder Moderador: ensaio de direito constitucional, de Brás
Florentino (1864);
Seguidamente, no capítulo IX,
apresenta e discute os grandes temas dos líderes conservadores, nomeadamente:
(a) o Poder Moderador: “como montar freios constitucionais eficazes, que
obrigassem o governo o respeito à Constituição, que fosse um instrumento de
equilíbrio e harmonia entre os poderes” (p. 165);
(b) a centralização: a Constituição “não previa maiores poderes às províncias”,
quando os liberais de 1831, na lei de preparação ao Ato Adicional, queriam uma
monarquia federativa, ao passo que os saquaremas foram sempre antifederalistas
(p. 167);
(c) o Senado e o Conselho de
Estado: os liberais sempre combateram as duas instituições, sobretudo a vitaliciedade
dos senadores indicados, e também queriam um Conselho de Estado sem funções políticas,
ou mesmo abolido, como nas regências (p. 171).
JCOT também apresenta e discute os “paradoxos”
do conservadorismo (capítulo X). Seriam eles:
(a) Abolição, sendo um paradoxo porque os liberais eram abolicionistas
e as leis que destruíram a escravidão foram todas obras dos conservadores. Na
verdade, havia abolicionismo e escravagismo nos dois partidos, “em função de
suas ligações pessoais, convicções íntimas e interesses eleitorais” (p. 178). Desde
a abolição do tráfico, obra de um gabinete conservador puro, todas as demais
leis foram de conservadores: Ventre Livre, por Rio Branco em 1871; Lei dos Sexagenários
por Cotegipe, em 1885; Abolição total, por João Alfredo, em 1888 (pp. 179-180).
(b) Liberais e Conservadores:
“A filiação política nem sempre quis dizer identidade ideológica.” (p. 181) No
império, famosos liberais eram conservadores, como Alves Branco, Afonso Celso
de Assis Figueiredo, visconde de Ouro Preto, que era uma espécie de anti-Ruy em
seu partido.
(c) Igreja: havia no partido “atitudes de franca hostilidade à Igreja”
(p. 185).
Outros temas abordados por JCOT em
seu capítulo XI (“A grande tarefa”), são:
(a) Democracia: muitos conservadores eram liberais políticos e liam os
grandes doutrinários estrangeiros da democracia. Mas, “o que todavia
configurava a posição ‘saquarema’, além desta sóbria, austera e realista defesa
do caráter benéfico, útil e justo da autoridade, era o reconhecimento de que o Brasil...
não era a Inglaterra” (p. 191). Eles tinham consciência das diferenças econômicas
e sociais, e não apreciavam o “governo das maiorias”.
(b) Unidade nacional: para eles, foi a monarquia quem fez a unidade
nacional, acima dos interesses locais, das paixões políticas. O Regresso fez na prática essa unidade,
criando uma polícia e uma Justiça de bases nacionais, depois restaurando o
Conselho de Estado, que estabeleceu uma jurisprudência uniforme para todo o país.
(c) Sociedade aberta num mundo agrário: também feita e simbolizada pelo
imperador, solidamente apoiado pelo Partido Conservador.
(d) Conservadorismo e desenvolvimento: Segundo JCOT, “liberais e
conservadores se opunham a respeito de certos objetivos gerais do Estado. (...)
grosso modo, os liberais eram mais sensíveis aos motivos ligados à liberdade
dos indivíduos em face do Estado, consideravam que a garantia da autonomia das
pessoas era... uma questão sagrada e ressentiam a tradicional ojeriza liberal
pela autoridade...” (p. 205). “Os conservadores, porém, amavam a comunidade e
aceitavam o Estado como uma condição da vida social – o homem não pode viver senão
em sociedade e importa que haja uma autoridade capaz de manter a ordem” (p.
206). Por isso, eles aceitavam grandes responsabilidades para o Estado, daí o
seu nacionalismo, ao passo que os liberais tendiam a ser “livre-cambistas”.
Tavares Bastos, por exemplo, como bom liberal ortodoxo, “não era nacionalista,
e queria o Brasil aberto a todos os povos” (p. 208), tanto que ele se batia
pela internacionalização do rio Amazonas (p. 209), e também pela navegação de
cabotagem aberta aos estrangeiros. Para JCOT, o desenvolvimento do Brasil no século
XIX exigia a criação de um mercado interno consumidor, a obtenção de energia a
bom preço, a substituição da mão de obra escrava pelo trabalho livre e o
protecionismo alfandegário (p. 209). Este último sempre foi conservador, a
começar pela equalização de tarifas a 15% para todos os países, realizada em
1828 por Bernardo Pereira de Vasconcelos, um liberal regressista, assim como a Tarifa
Alves Branco, de 1844, um liberal moderado, ou conservador, segundo Paulino.
JCOT resume esse capítulo, e termina
o livro, por esta frase:
“Enquanto os liberais defendiam os
cidadãos contra o poder, os conservadores queriam a grandeza do Império, grande
política e econômica.” (p. 214).
O livro ainda contém em Apêndice, uma descrição de cada um dos
gabinetes conservadores a partir de 23 de março de 1841, com a nomeada dos
ministros, até o de João Alfredo, presidente do Conselho em 10 de março de
1888, o último da monarquia, do Império e do conservadorismo (pp. 215-221).
PRA:
Pode-se dizer que, mesmo abolidos
pela República, os dois partidos continuaram representados na política
brasileira, com uma nítida predominância dos conservadores, transformados em
republicanos em praticamente todos os estados da federação. Ruy Barbosa,
monarquista federalista, converteu-se em republicano justamente por esse
motivo, mas continuou um liberal perfeito, defendendo os direitos dos indivíduos
em face do Estado.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de agosto de 2019
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