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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Jogadores de poquer trabalham em (e para) Wall Street...

Faz todo sentido...

Nos Estados Unidos, corretoras contratam jogadores de pôquer
Gustavo Poloni
iG São Paulo, 05/07/2010

Eles não estudaram economia e não têm experiência no mercado financeiro. Mas a habilidade no pôquer os levou a Wall Street

Os funcionários recém-contratados pela Susquehanna International Group recebem dois livros durante a semana de treinamento da empresa. Um deles é A Teoria do Pôquer, no qual o jogador profissional David Sklansky ensina os principais conceitos do mundo das apostas. O outro é Pôquer Hold’em. Publicado em 1976 pelo mesmo autor, é até hoje considerado um dos mais importantes livros para os iniciantes do Texas Hold’em, a modalidade mais popular do jogo. Engana-se quem pensa que a Susquehanna está contratando croupiers, os homens e mulheres que distribuem cartas e controlam as apostas, para trabalhar nas mesas de pôquer em cassinos em Las Vegas, nos Estados Unidos, ou Macau, na China. O treinamento faz parte do processo de formação de novos funcionários da corretora para trabalhar em Wall Street. “Ensinamos as pessoas a tomar decisões em meio a incertezas”, disse Patrick McCauley, responsável pelo treinamento da Susquehanna, ao jornal americano Los Angeles Times. “É ciência pura, não se trata do estereótipo de ser bom no blefe”.

As novas corretoras de Wall Street estão contratando jogadores de pôquer: pensamento rápido e trabalho sob pressão

A Susquehanna não é a única empresa a dar importância para o pôquer na hora de aumentar seus quadros. Ela faz parte de uma nova linhagem de corretoras que está transformando o mercado financeiro nos Estados Unidos ao ganhar muito dinheiro com decisões tomadas em frações de segundos. No começo do ano passado, dois sócios da Toro Trading chamaram o ex-jogador profissional Chris Fargis para uma entrevista. Ao final do bate-papo, um deles perguntou: você se importa se jogarmos algumas mãos de pôquer? Poucos dias depois, Fargis recebeu uma proposta de emprego. Sem diploma em economia ou experiência no mercado financeiro, ganhou a vaga por causa das suas habilidades adquiridas em três anos de pôquer online. Em seu blog, Fargis escreveu que parou de reclamar que estava cansado do jogo e arrumou um emprego em Wall Street. “Se a pessoa não tem interesse em pôquer acende uma luz amarela”, afirmou Danon Robinson, um dos sócios da Toro Trading, ao site Business Insider. “É como trabalhar no mercado financeiro e não ler o Wall Street Journal”.

De olho nessa nova tendência, candidatos a vagas em Wall Street passaram a incluir em seus currículos seus feitos no pôquer. Na internet, é possível encontrar fóruns que discutem a melhor forma de tocar no assunto sem parecer viciado em jogos. Uma delas: “construí e gerenciei uma conta de seis dígitos a partir de um investimento de US$ 500”. Mas é preciso cuidado para incluir a informação em seu currículo. “É preciso ser muito bom, ter ganhado algum torneio ou muito dinheiro online”, disse ao Aaron Brown, jogador de pôquer e autor do livro The Poker Face of Wall Street, sobre a relação entre o jogo de cartas e o mercado financeiro. “Para quem joga pôquer com amigos, é melhor deixar a informação de fora”. Brown sabe do que está falando. Em 35 anos de carreira, acumulou US$ 5 milhões em prêmios e hoje é professor de finanças e executivo de um hedge fund, fundo que investem em papéis de grande risco. Outra dica importante: olhar qual é o perfil do contratante. Instituições mais conservadoras, como o JP Morgan, não vêem o pôquer com bons olhos.

Raciocínio rápido
Essa não é a primeira vez que as habilidades no pôquer são valorizadas por empresas de Wall Street. Na década de 80, quando o mundo ainda não conhecia a internet e as partidas eram jogadas em clubes fechados por homens fumando charutos, os primeiros jogadores de pôquer foram contratados para trabalhar no mercado financeiro. As empresas estavam atrás de algumas habilidades como pensamento rápido, capacidade de tomar decisões e assumir riscos sob pressão e, principalmente, a capacidade de conversar socialmente sem revelar informações confidenciais. Naquela época, os jogadores de pôquer eram recrutados por bancos de investimento. “As pessoas eram mais livres, agiam mais naturalmente e se divertiam muito mais”, disse Brown. “Mas elas também procuravam outros tipos de vícios e usavam muitas drogas”. A tendência deu uma esfriada nos anos 90, mas ganharam força novamente com a popularização dos jogos de pôquer online nos últimos dez anos. Com uma diferença: quem está de olho nos jogadores são as corretoras interessadas em comprar e vender ações em frações de segundos.

A primeira aposta online aconteceu em 1998, no site Planet Poker. De lá para cá, Os sites se transformaram em celeiros de talentos para as corretoras americanas. No ano passado, 6,8 milhões de americanos jogaram pelo menos uma mão na internet apostando dinheiro. De acordo com o PokerAnalytics.com, instituto que faz pesquisas sobre o jogo, isso representa um aumento de 29% em relação a 2009 e quase três vezes mais do que há cinco anos. Hoje, o maior e mais conhecido deles é o PokerStars.com. A qualquer hora do dia ou da noite o jogador vai encontrar pelo menos 300 mil pessoas fazendo apostas em mesas virtuais. Em fevereiro deste ano, o PokerStars.com completou a marca de 40 bilhões de mãos jogadas. Ao todo, o site oferece mais de 14 modalidades de pôquer e seu principal torneio, o Sunday Million (Domingo Milionário, em tradução livre), distribui toda semana US$ 1,5 milhão em prêmios. Além de Fargis, que foi contratado há pouco mais de um ano pela Toro Trading, o americano Bill Chen, que ganhou mais de US$ 700 mil em prêmios, foi contratado para ser analista da Susquehanna.

Existem muitas semelhanças entre o operador do mercado financeiro e o jogador profissional de pôquer online. Ambos trabalham atrás de uma série de telas de computadores (negócios em andamento para o operador e mãos de pôquer para o jogador) e precisam encontrar uma forma de melhorar suas posições. Mais importante, eles precisam ter a capacidade de se recuperar rapidamente de uma grande perda. Essa característica é a mais procurada durante o processo de seleção da corretora Group One Trading. Na entrevista, a empresa quer saber quanto tempo você levou para jogar novamente depois de uma grande perda. A resposta esperada? “Voltei a jogar no dia seguinte, perder faz parte do jogo”. Se a pessoa disser que levou dias para se recuperar, perde pontos. “Outro problema é quando a pessoa nunca assumiu riscos ou assumiu e perdeu tudo”, afirmou Brown. “Assim como no pôquer, o mercado financeiro vive de riscos”. Com uma diferença: no mundo corporativo, a aposta é feita sempre na casa de milhões de dólares.

Qualidade da educacao nao é uma questao de dinheiro, apenas

A TRAGÉDIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: GOVERNO LULA NAUFRAGA DE FORMA ESPETACULAR NO DESAFIO DA QUALIDADE
Reinaldo Azevedo, 5.07.2010

O governo gastou R$ 400 milhões para melhorar nota de 1.822 municípios e de 28 mil escolas que tiveram desempenho abaixo do esperado, mas muitas cidades com nota até 2 no Ideb/2009 avançaram pouco e, no ciclo de 5ª a 8ª série, 8% pioraram seu índice

Leia trecho de reportagem de Marta Salomon e Lígia Formenti, no Estadão:

Além de medir a qualidade do ensino no País, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2009 revela o tamanho do desafio que é mudar a situação de escolas e cidades com desempenho muito ruim. Municípios e escolas com pior desempenho - cujo resultado é divulgado hoje - receberam prioridade nas ações do Ministério da Educação (MEC), mas em muitos casos, nem essa ajuda extra resolveu.

No foco do ministério encontram-se 1.822 municípios com notas inferiores a 4,2 em 2007 e mais 28 mil escolas com notas até 3,8 no mesmo ano. Desde então, mais de R$ 400 milhões foram liberados para as escolas.

Mesmo recebendo um auxílio em dinheiro e suporte técnico, pouco mais da metade dos piores municípios no ranking nacional conseguiu melhorar o indicador no intervalo de dois anos, entre as duas últimas edições do Ideb (2007 e 2009), a ponto de superar suas respectivas metas.

A reportagem do Estado selecionou 155 municípios com notas até 2 na segunda etapa do ensino fundamental (de 5ª a 8ª série). A nota 2 equivale a menos da metade da média nacional (4,6). O levantamento revela que, na avaliação do desempenho, quase a metade (45%), o que corresponde a 70 municípios, ou não conseguiu alcançar a meta ou piorou a nota - nesse universo, 58 municípios (37,4%) evoluíram, mas não alcançaram a nota, e 12 (8%) andaram para trás entre 2007 e 2009. Os outros municípios melhoraram a ponto de, pelo menos, alcançar a meta.

Na amostra das 4.ª séries selecionada pelo Estado, com 47 municípios que tinham nota 2 no Ideb de 2007, 25 cidades, o que dá pouco mais da metade (53,1%), alcançaram a meta. Outros 22 municípios (47%) não alcançaram a meta. As metas variam de escola para escola e de município para município, dependendo do ponto de partida de cada um.

Um exemplo de município que andou para trás é Chaves, no Pará. Em 2007, a educação da cidade recebeu nota 2 até a 4.ª série. Dois anos depois, quando a meta era chegar a 3,2, a nota foi de 1,4. Itatuba, na Paraíba, está na mesma situação: no intervalo de dois anos, a nota piorou, caindo de 1,8 para 1,4, ainda mais distante da meta de 2,6. O Nordeste concentra as piores situações.

Também houve casos de melhora significativa, a ponto de a meta ser ultrapassada com folga. Foi o que aconteceu em Tucano, na Bahia. Em dois anos, a nota mais do que dobrou, de 2 para 5,4, superando a média nacional. A meta para 2009 era 3.

“Os primeiros resultados deverão aparecer a partir do Ideb de 2011″, avalia Maria do Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do MEC.

Nas próximas duas semanas, técnicos do ministério cruzarão dados do Ideb para avaliar o comportamento das escolas e municípios com pior desempenho. “Reformas educacionais demoram até uma geração, porque há fatores importantes como a escolaridade das mães e a formação de professores”, alega.

Apoio técnico
Maria do Pilar conta que houve dificuldades para definir o apoio técnico e financeiro aos municípios com pior desempenho. O ponto de partida para a ajuda era a apresentação de um plano pelos municípios e escolas. Inicialmente, de cada 10 planos apresentados ao MEC, 7 eram devolvidos, por serem inadequados. “Em um caso, o maior problema era a alfabetização de crianças, mas o plano previa a reforma da cozinha. Isso consumiu o ano de 2008 inteiro. E, no final, apenas um em cada dez planos era devolvido”. Pilar se diz otimista: “Trata-se de uma mudança estrutural, que depende de mobilização, não é pirotecnia.”

Mercosul na lata de lixo da História...

Calma: apenas ressaca da Copa:

O velho Kissinger: o realismo cínico de um grande intelectual e um estadista sem escrúpulos

Aproveitando a (duvidosa) homenagem que se faz o intelectual e homem de Estado (ver post Os novos Kissingers), transcrevo um artigo que escrevi em 2008.

O legado de Henry Kissinger
Paulo Roberto de Almeida
Mundorama, 05/06/2008

Não, o velho adepto da realpolitik ainda não morreu. Mas tendo completado 85 anos em maio de 2008, o ex-secretário de Estado e ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Henry Kissinger aproxima-se das etapas finais de sua vida. Seus obituários – não pretendendo aqui ser uma ave de mau agouro – devem estar prontos nas principais redações de jornais e revistas do mundo inteiro, e os comentaristas de suas obras preparam, certamente, revisões de análises anteriores para reedições mais ou menos imediatas, tão pronto este “Metternich” americano passe deste mundo terreno para qualquer outro que se possa imaginar (na minha concepção, deverá ser o mundo das idéias aplicadas às relações de poder).
Talvez seja esta a oportunidade para um pequeno balanço de seu legado, que alguns – por exemplo Cristopher Hitchens, em The Trial of Henry Kissinger – querem ver por um lado unicamente negativo, ou até criminoso, como se ele tivesse sido apenas o inimigo dos regimes “progressistas” e um transgressor consciente dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos. Ele certamente tem suas mãos manchadas de sangue, mas também foi o arquiteto dos acordos de redução de armas estratégicas e da própria tensão nuclear com a extinta União Soviética, além de um mediador relativamente realista nos diversos conflitos entre Israel e os países árabes, no Oriente Médio. Sua obra “vietnamita” é discutível, assim como foi altamente discutível – ou francamente condenável – o prêmio Nobel da Paz concedido por um simplesmente desengajamento americano, que visava bem mais a resolver questões domésticas do que realmente pacificar a região da ex-Indochina francesa.
Pode-se, no entanto, fazer uma espécie de avaliação crítica de sua obra prática e intelectual, como reflexão puramente pessoal sobre o que, finalmente, reter de uma vida rica em peripécias intelectuais e aventuras políticas. Sua principal obra de “vulgarização” diplomática, intitulada de maneira pouco imaginativa Diplomacia simplesmente, deve constituir leitura obrigatória em muitas academias diplomáticas de par le monde. Seu trabalho mais importante, uma análise do Congresso de Viena (1815), é mais conhecido pelos especialistas do que pelo grande público, mas ainda assim merece ser percorrido pelos que desejam conhecer o “sentido da História”.
O legado de Henry Kissinger é multifacético e não pode ser julgado apenas pelos seus atos como Conselheiro de Segurança Nacional de Richard Nixon, ou como Secretário de Estado desse presidente e do seguinte, Gerald Ford, quando ele esteve profundamente envolvido em todas as ações do governo americano no quadro da luta anti-comunista que constituía um dos princípios fundamentais da política externa e da política de segurança nacional dos EUA. Esse legado alcança, necessariamente, suas atividades como professor de política internacional, como pensador do equilíbrio nuclear na era do terror – doutrina MAD, ou Mutually Assured Destruction -, como consultor do Pentágono em matéria de segurança estratégica, e também, posteriomente a seu trabalho no governo, como articulista, memorialista e teórico das relações internacionais.
A rigor, ele começou sua vida pública justamente como teórico das relações internacionais, ou, mais exatamente, como historiador do equilíbrio europeu numa época revolucionária, isto é, de reconfiguração do sistema de poder no seguimento da derrocada de Napoleão e de restauração do panorama diplomático na Europa central e ocidental a partir do Congresso de Viena (1815). Sua tese sobre Castlereagh e Metternich naquele congresso (A World Restored, 1954) é um marco acadêmico na história diplomática e de análise das realidades do poder num contexto de mudanças nos velhos equilíbrios militares anteriormente prevalecentes. Depois ele foi um fino analista dessas mesmas realidades no contexto bipolar e do equilíbrio de terror trazido pelas novas realidades da arma atômica. Ele se deu rapidamente conta de que não era possível aos EUA manter sua supremacia militar exclusiva, baseada na hegemonia econômica e militar e no seu poderio atômico, sem chegar a algum tipo de entendimento com o outro poder nuclear então existente, a União Soviética, uma vez que, a partir de certo ponto, a destruição assegurada pela multiplicação de ogivas nucleares torna ilusória qualquer tentativa de first strike ou mesmo de sobrevivência física, após os primeiros lançamentos.
Daí sua preocupação em reconfigurar a equação dos poderes – aproximando-se da China, por exemplo – e em chegar a um entendimento mínimo com a URSS, através dos vários acordos de limitações de armas estratégicas. O controle da proliferação nuclear também era essencial, assim como evitar que mais países se passassem para o lado do inimigo principal, a URSS (o que justifica seu apoio a movimentos e golpes que afastassem do poder os mais comprometidos com o lado soviético do equilíbrio de poder). Numa época de relativa ascensão da URSS, com governos declarando-se socialistas na África, Ásia e América Latina, a resposta americana só poderia ser brutal, em sua opinião, o que justificava seu apoio a políticos corruptos e a generais comprometidos com a causa anti-comunista. Não havia muita restrição moral, aqui, e todos os golpes eram permitidos, pois a segurança dos EUA poderia estar em jogo, aos seus olhos.
Ou seja, todas as acusações de Christopher Hitchens estão corretas – embora este exagere um pouco no maquiavelismo kissingeriano – mas a única justificativa de Henry Kissinger é a de que ele fez tudo aquilo baseado em decisões do Conselho de Segurança Nacional e sob instruções dos presidentes aos quais serviu. Não sei se ele deveria estar preso, uma vez que sua responsabilidade é compartilhada com quem estava acima dele, mas certamente algum julgamento da história ele terá, se não o dos homens, em tribunais sobre crimes contra a humanidade. Acredito, pessoalmente, que ele considerava as “vítimas” de seus muitos golpes contra a democracia e os direitos humanos como simples “desgastes colaterais” na luta mais importante contra o poder comunista da URSS, que para ele seria o mal absoluto.
O julgamento de alguém situado num plano puramente teórico, ou “humanista” – como, por exemplo, intelectuais de academia ou mesmo jornalistas, para nada dizer de juizes empenhados na causa dos direitos humanos ou de “filósofos morais” devotados à “causa democrática” no mundo -, tem de ser necessariamente diferente do julgamento daqueles que se sentaram na cadeira onde são tomadas as decisões e tem, portanto, de julgar com base no complexo jogo de xadrez que é o equilíbrio nuclear numa era de terror, ou mesmo no contexto mais pueril dos pequenos golpes baixos que grandes potências sempre estão aplicando nas outras concorrentes, por motivos puramente táticos, antes que respondendo a alguma “grande estratégia” de “dominação mundial”. Desse ponto de vista, Kissinger jogou o jogo de forma tão competente quanto todos os demais atores da grande política internacional, Stalin, Mao, Kruschev, Brejnev, Chu En-lai, Ho Chi-min e todos os outros, ou seja, não há verdadeiramente apenas heróis de um lado e patifes do outro. Todos estão inevitavelmente comprometidos como pequenos e grandes atentados aos direitos humanos e aos valores democráticos.
Não creio, assim, que ele tenha sido mais patife, ou criminoso, do que Pinochet – que ele ajudou a colocar no poder – ou de que os dirigentes norte-vietnamitas – que ele tentou evitar que se apossassem do Vietnã do Sul (e, depois, jogou a toalha, ao ver que isso seria impossível cumprir pela via militar, ainda que, na verdade, os EUA tenham sido “derrotados” mais na frente interna, mais na batalha da opinião pública doméstica, do que propriamente no terreno vietnamita). Ou seja, Kissinger não “acabou” com a guerra do Vietnã: ele simplesmente declarou que os EUA tinham cumprido o seu papel – qualquer que fosse ele – e se retiraram da frente militar.
Seu legado também pode ser julgado como “comentarista” da cena diplomática mundial, como memorialista – aqui com imensas lacunas e mentiras, o que revela graves falhas de caráter – e como consultor agora informal de diversos presidentes, em geral republicanos (mas não só). Ele é um excelente conhecedor da História – no sentido dele, com H maiúsculo, certamente – e um grande conhecedor da psicologia dos homens, sobretudo em situações de poder. Trata-se, portanto, de um experiente homem de Estado, que certamente serviu ardorosamente seus próprios princípios de atuação – qualquer que seja o julgamento moral que se faça deles – e que trabalhou de modo incansável para promover os interesses dos EUA num mundo em transformação, tanto quanto ele tinha analisado no Congresso de Viena.
Desse ponto de vista, pode-se considerar que ele foi um grande representante da escola realista de poder e um excelente intérprete do interesse nacional americano, tanto no plano prático, quanto no plano conceitual, teórico, ou histórico. Grandes estadistas, em qualquer país, também são considerados maquiavélicos, inescrupulosos e mentirosos, pelos seus adversários e até por aliados invejosos. Esta é a sina daqueles que se distinguem por certas grandes qualidades, boas e más. Kissinger certamente teve sua cota de ambas, até o exagero. Não se pode eludir o fato de que ele deixará uma marca importante na política externa e nas relações internacionais – dos EUA e do mundo – independentemente do julgamento moral que se possa fazer sobre o sentido de suas ações e pensamento.
Por uma dessas ironias de que a História é capaz, coube a um dos presidentes mais ignorantes em história mundial (Ronald Reagan) enterrar, praticamente, o poder soviético com o qual Kissinger negociou quase de igual para igual durante tantos anos. Ele, que considerava o resultado de Viena um modelo de negociação – por ter sido uma paz negociada, justamente, não imposta, como em Versalhes – deve ter sentido uma ponta de inveja do cowboy de Hollywood, capaz de desmantelar o formidável império que tinha estado no centro de suas preocupações estratégicas – e que ele tinha poupado de maiores “desequilíbrios” ao longo dos anos. Seu cuidado em assegurar o “equilíbrio das grandes potências” saltou pelos ares com o keynesianismo militar praticado por Reagan, um desses atos de voluntarismo político que apenas um indivíduo totalmente alheio às grandes tragédias da História seria capaz. Talvez Kissinger tivesse querido ser o arquiteto do grande triunfo da potência americana, mas ele teve de se contentar em ser apenas o seu intérprete tardio. Nada mau, afinal de contas, para alguém que foi, acima de tudo, um intelectual…

A frase do dia - Shakespeare

Suit the action to the world, the world to the action, with this special observance, that you overstep not the modesty of nature...

William Shakespeare

Os novos "Kissingers" - Foreign Policy

A revista Foreign Policy, de março-abril de 2010, traz os perfis do que seu editor associado chama, talvez abusivamente, de (quatro) "novos Kissingers" da atualidade. Vejamos a justificativa e a lista:

The List: The World's Kissingers
Joshua E. Keating, Associate Editor at Foreign Policy
Foreign Policy, March/April 2010

A country's foreign policy is often defined less by its elected leader than its behind-the-scenes operators and elder statesmen. Here are four figures setting the global agenda for the world's emerging powers, just as Henry Kissinger set America's for over 50 years.

1) LEE KUAN YEW
Country: Singapore
Age: 86
Position: Former prime minister, current "minister mentor" (a cabinet-level position created specifically for him)
Legacy: After shepherding Singapore to unprecedented economic growth over his 31 years as prime minister, Lee has become an apostle for the Asian model of growth, a mix of economic liberalization and rigid political control.
Lee always said that Singapore's foreign policy was dictated by its small size -- it cannot survive without international and regional cooperation. But the influence of his ideas can be seen in the "peaceful rise" and not so peaceful governance of the world's most populous country: China.

2) CELSO AMORIM
Country: Brazil
Age: 67
Position: Foreign minister
Legacy: A controversial former academic who once compared wealthy countries' negotiating tactics to those of Joseph Goebbels, Amorim has deftly managed the nigh-impossible balancing act between the United States and Brazil's leftist neighbors in Venezuela and Cuba while also building Brazil's alliances with other emerging powers.
Speaking of the alliance with Russia, India, and China, Amorim said, "You have a new configuration of power appearing in the world.… We can't be conditioned by the views coming from the United States and the EU. We have to look from our own perspective."

3) TURKI AL-FAISAL
Country: Saudi Arabia
Age: 65
Position: Former ambassador to Britain and the United States, ex-director of the Saudi foreign-intelligence service
Legacy: As chief of the Saudi kingdom's external intelligence service, the youngest son of the late King Faisal helped fund and organize the Afghan resistance to the occupying Soviet forces. Working as ambassador to Britain and then the United States in the years following 9/11, Turki emerged as part diplomat, part pundit. He resigned in 2006 but remains an influential advisor in Riyadh and a fixture in Washington.

4) AHMET DAVUTOGLU
Country: Turkey
Age: 51
Position: Foreign minister
Legacy: A keen student of history, the brash and outspoken Davutoglu believes in restoring Turkey's Ottoman glories so that Turkey once again carries weight in the Middle East. Under his guidance, Turkey has strengthened its ties with Arab governments and sought to play the role of mediator in Arab-Israeli conflicts.
At the same time, Davutoglu supports Turkey's eventual membership in the European Union: "Turkey can be European in Europe and Eastern in the East because we are both," he says.

Comento:
Não tenho certeza de que qualquer um desses seja um novo Kissinger. Este era, antes de qualquer outra coisa, um scholar distinguido na academia, com vasta obra de reflexão histórica e estratégica, conhecido amplamente antes mesmo de se tornar conselheiro presidencial no NSC e depois Secretário de Estado. Gostaria de ver o currículo de cada um dos quatro, antes de me pronunciar, à condição que ele não venha edulcorado por coisas que não foram efetivamente realizadas.
No que concerne ao Brasil, não me lembro de algum alto diplomata - descontando o ex-Embaixador (ex-militar e político) Juracy Magalhães, para quem o que era bom para os Estados Unidos era bom para o Brasil -- ou de algum chanceler que tenha tido a sua perspectiva diplomática condicionada pela visão do mundo de Washington. Talvez atualmente se deva reforçar o suposto "entreguismo" dos antecessores, para melhor ressaltar, e proclamar (por vezes aos altos brados), sua própria independência em relação ao império, aspecto menor mas que encanta certas platéias, estilo UNE, CUT, PT e tribos desse tipo.

Nas origens da crise financeira

Para os que ainda acreditam que foram os mercados financeiros que criaram, sponte sua, a crise financeira internacional, com origem nos EUA, caberia reler o que disse, ainda no ano final do governo George Bush, José Alexandre Scheinkman, um dos mais brilhantes economistas brasileiros, professor em Chicago e atualmente em Princeton.

Respostas de Scheickman a jornalista da revista Veja:

Os modelos de risco estavam errados?
O problema é que se criou no mercado financeiro uma atmosfera semelhante àquela que havia no mercado de arte em Nova York nos anos 50 e 60. Em seu livro A Palavra Pintada, Tom Wolfe conta que quem dissesse que a arte abstrata era ruim de imediato era considerado retrógrado, incapaz de compreender a beleza. Para parecer um entendido, você tinha de gostar de Jackson Pollock (pintor americano, 1912- 1956). Os modelos de avaliação de risco criaram uma mística semelhante no mercado financeiro. Se você dissesse não acreditar neles, ou desconfiar deles, as pessoas logo concluiriam que você não entendia nada do mercado. Isso fez nascer um excesso de confiança nos modelos de risco.

O problema, então, não foi a falta de regulamentação no mercado financeiro, que acabou permitindo que as instituições assumissem riscos enormes?
Faltou regulamentação também. As agências de classificação subavaliaram riscos importantes, e os bancos de investimento e comerciais, e mesmo outras empresas, como a AIG, uma seguradora que atua no mercado financeiro, assumiram excesso de risco.

Por que os mercados estavam tão desregulados?
Por ideologia. O presidente Bush e o próprio Alan Greenspan (que presidiu o Federal Reserve, o banco central americano, de 1987 a 2006) tinham uma atitude ideológica contra a regulamentação. Em 2004, a SEC (Securities and Exchange Commission, equivalente à CVM, Comissão de Valores Mobiliários) aceitou que os bancos de investimento adotassem alavancagens muito maiores. A partir do mesmo ano, o Federal Reserve também permitiu que os bancos comerciais excluíssem certos produtos de seus balanços. À atitude ideológica contra a regulamentação, o governo Bush aliou certa incompetência. A equipe econômica de Bush era fraca, com John Snow como secretário do Tesouro. Não concordo com tudo o que o atual secretário, Henry Paulson, está fazendo, mas ele é bem melhor que o antecessor.

Fonte: http://veja.abril.com.br/081008/p_122.shtml

domingo, 4 de julho de 2010

O seu, o meu, o nosso dinheiro (mas ele vem sendo generosamente distribuido)

Com resultados duvidosos, diga-se de passagem, em operações maquiadas que aumentam enormemente a dívida interna.
Se houvesse, no Brasil, processos por irresponsabilidade com o dinheiro público ao abrigo da LRF, esse governo todo já estaria na cadeia. Apenas que o governo federal, que cobra responsabilidade dos estados e municípios, continua a ser criminosamente irresponsável com os recursos de todos os brasileiros, comprometendo dívidas durante várias décadas. Uma irresponsabilidade total...

Opinião
O custo dos aportes ao BNDES
Editorial O Estado de S.Paulo, 4 de julho de 2010

Os R$ 180 bilhões emprestados pelo governo federal ao BNDES no ano passado e neste ano, a juros inferiores aos de mercado, representarão um subsídio de R$ 66,6 bilhões concedido pelo Tesouro Nacional até a liquidação das operações, que ocorrerá entre 2039 e 2050. A estimativa é de técnicos do banco, que defenderam os empréstimos como forma de atenuar a recessão de 2009 ? sem considerar os riscos de misturar as contas do governo e as do BNDES.

Em 2009, o Tesouro emprestou R$ 100 bilhões ao BNDES com prazo de 30 anos e 5 anos de carência, a um custo que variou entre a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) seca, hoje de 6% ao ano, e a TJLP mais juros de 2,5% ao ano. Segundo o estudo O papel do BNDES na alocação de recursos: avaliação do custo fiscal do empréstimo de R$ 100 bilhões concedido pela União em 2009, dos economistas Thiago Rabelo Pereira e Adriano Nascimento Simões, chefe e gerente, respectivamente, do Departamento de Renda Fixa do banco, o custo fiscal dessa operação será de R$ 36,6 bilhões. O valor corresponde à diferença entre o que o BNDES pagará ao Tesouro e os juros da Selic, hoje de 10,25% ao ano, que o Tesouro paga aos aplicadores nos títulos públicos entregues ao banco e vendidos no mercado.

Neste ano, o Tesouro emprestou mais R$ 80 bilhões ao BNDES, com prazo de 40 anos, carência parcial de juros por 15 anos e custo igual à TJLP seca. Numa estimativa "simplificada do custo", a perda fiscal da operação ficaria em torno de R$ 30 bilhões. "Numa extrapolação linear muito simples, pode-se calcular que o custo do empréstimo de R$ 80 bilhões é de R$ 800 milhões por ano", disse Pereira.

Mas, nos dois empréstimos, os custos fiscais são obtidos por aproximação, pois dependem da taxa Selic. Outros custos também são difíceis de estimar, pois dependem do resultado da aplicação do dinheiro pelo BNDES e do impacto sobre o financiamento dos investimentos e a receita tributária.

Do ponto de vista econômico, discute-se o mérito dessas operações, defendidas pelos técnicos do BNDES como instrumento de apoio à compra de máquinas e à contratação de obras, com efeitos estimulantes na economia e aceleração da Formação Bruta de Capital Fixo.

Trata-se de um subsídio substancial e "alguém está pagando por essa diferença", afirmou o ex-diretor do Banco Central (BC) Carlos Thadeu de Freitas. Além do mais, segundo Freitas, o subsídio "precisa constar do orçamento fiscal". E, por ora, não se sabe em que item da contabilidade pública ele poderá ser lançado.

Especialistas reconhecem, além disso, que as operações provocaram um aumento do endividamento bruto do Tesouro Nacional, que já superou os 60% do PIB ? um aumento de cerca de 10 pontos porcentuais em relação ao ano passado. Quanto mais elevada é a relação entre a dívida pública e o PIB, maior a demanda dos aplicadores por juros altos nos papéis emitidos pelo Tesouro.

No plano político, com os empréstimos federais o BNDES pode ampliar sua participação na oferta de crédito. "Os R$ 100 bilhões aportados pelo Tesouro ao BNDES para sustentar o investimento em 2009 correspondem a cerca de 25% de todo o estoque de crédito livre disponibilizado pelo sistema bancário às empresas, segundo dados do BC ao fim de 2009", afirmam os economistas do banco. Eles calculam que os desembolsos do BNDES em 2009 "corresponderam a montante equivalente a cerca de 52% do esforço agregado de investimento efetuado na economia, em máquinas e equipamentos", excluída a construção civil.

Além da mistura entre as contas do Tesouro e do BNDES, o governo patrocinou, por intermédio das operações, um aumento do controle do Estado sobre as alocações de investimento. Mesmo que o banco só conceda empréstimos de boa qualidade, o fato é que o Estado passou a ter, por intermédio do BNDES, maior ingerência para definir os grupos empresariais e os setores que quer privilegiar.

Uma Africa para cada projeto: agora em portunhol...

Viagem à África imaginária
Editorial O Estado de S.Paulo, 4 de julho de 2010

Governada há 31 anos por um ditador conhecido por seus métodos brutais, uma ex-colônia espanhola, a Guiné Equatorial, poderá ser o novo membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, se isso depender do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O apoio brasileiro foi confirmado pelo porta-voz da Presidência da República, Marcelo Baumbach, um dia antes de o presidente Lula partir para seu 11.º giro pela África. A visita à Guiné Equatorial foi programada como segunda escala. A primeira foi marcada para a Ilha do Sal, no arquipélago de Cabo Verde, para uma reunião com 13 governantes da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental. A última etapa da viagem será na África do Sul, marcada para os dias 8 a 12, certamente com a esperança de ver o Brasil na final da Copa do Mundo. A seleção da Holanda, no entanto, atrapalhou esse plano. Excluída essa justificativa para o périplo africano, restam os argumentos da diplomacia Sul-Sul e da prioridade atribuída por Lula à relação com os países da África. Os demais argumentos, incluído o econômico, são ainda menos convincentes.

O português não é falado na Guiné Equatorial, mas foi incluído em 2007 entre os idiomas oficiais, ao lado do espanhol e do francês, por decisão do presidente Teodoro Obiang Mbasogo. Acusado de fraudes, torturas e assassinatos por entidades internacionais de direitos humanos, o ditador é, segundo a revista Forbes, o oitavo governante mais rico do mundo.

Segundo Baumbach, o presidente brasileiro "deseja conferir importante impulso político ao processo de conhecimento e aproximação entre o Brasil e a Guiné Equatorial". A descoberta de petróleo em 1996 impulsionou a economia do país, mas não fortaleceu a democracia. Em 2000 a Guiné Equatorial começou a exportar para o Brasil e em 2008 a corrente de comércio chegou a US$ 411,22 milhões, com superávit de US$ 369,39 milhões para o país africano.

Além de falar com seu colega sobre a comunidade lusófona e o comércio bilateral, o presidente Lula poderá pedir a sua ajuda para realizar a ambição de chefiar uma entidade internacional, talvez a Organização das Nações Unidas (ONU). O chefão da Guiné Equatorial, afinal, é prodigioso. Em 2003, a rádio estatal do país o descreveu como "o deus da Guiné Equatorial" e atribuiu-lhe o direito de "matar sem ter de prestar contas a ninguém e sem ter de ir para o Inferno". Nenhum outro ditador ou candidato a ditador escolhido por Lula como amigo ou aliado chegou tão alto.

O roteiro de Lula inclui também o Quênia, a Tanzânia e a Zâmbia. Com as seis escalas programadas para esta viagem, Lula terá passado por 21 países da África em seus 2 mandatos e visitado 8 ditadores africanos - lista completada com Obiang. Também há no continente governantes comprometidos com a democracia, mas Lula não os discrimina. Afinal, nem sempre é possível escolher o interlocutor.

A prioridade atribuída à África pela diplomacia brasileira é parte da ilusão terceiro-mundista dominante no governo a partir de 2003. Somou-se a essa ilusão, depois de algum tempo, a fantasia da liderança política no mundo em desenvolvimento. Lula abriu ou reabriu 17 embaixadas na África. O comércio cresceu - já vinha crescendo nos anos 90 -, mas em 2008, antes da crise, as exportações para os africanos, excluídos os países do Oriente Médio, equivaleram a apenas 5,14% das vendas externas do Brasil. As importações corresponderam a 9,11% das compras totais. Isso se explica pelas compras de petróleo de uns poucos países. A Nigéria é de longe o maior fornecedor.

O comércio tem melhorado, embora de forma desproporcional à enorme importância atribuída à parceria com a África pela diplomacia brasileira. Politicamente o resultado tem sido muito mais pobre. Quando o Brasil apresentou um concorrente à direção-geral da Organização Mundial do Comércio, os africanos votaram em candidato próprio e na rodada seguinte apoiaram o francês Pascal Lamy. Na ONU, os governos da União Africana recusaram apoio, há alguns anos, à reforma defendida por Brasília. Na política de comércio, seus vínculos com as velhas metrópoles europeias continuam mais fortes do que quaisquer afinidades com o Brasil. É mais um caso de parceria estratégica unilateral, uma curiosa invenção da diplomacia lulista.

Caminhos da Pos-Graduacao no Brasil: mais Humanidades, menos Ciencias Duras

Humanidades puxam expansão da pós-graduação no Brasil
RICARDO MIOTO
Folha de S.Paulo, 04/07/2010

O doutorando brasileiro está cada vez mais interessado em Machado de Assis e menos em relatividade.

Ao menos é isso o que sugere um novo levantamento do governo. Ele mostra que a expansão da pós-graduação brasileira é puxada, em primeiro lugar, pelo aumento de doutores nas humanidades, e não nas ciências exatas e biológicas.

Em 1996, as ciências exatas e da Terra ocupavam o segundo lugar entre as áreas que mais formavam doutores no país, com 16,1%. Em 2008, caíram para o sexto lugar, com 10,6%.

O tombo das engenharias foi menor. A área se manteve como a quinta que mais forma doutores, mas a sua fatia caiu de 13,7% para 11,4%. Redução similar teve a área de ciências biológicas.

"Se olharmos as áreas que cresceram menos, elas ainda cresceram muito", diz Eduardo Viotti, que coordenou o estudo, realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

"É difícil criar doutorados em áreas de ciências exatas, da Terra e engenharias. Eles exigem laboratórios, não são cursos que precisam apenas de cuspe e giz", brinca.

"O custo mais baixo estimula as escolas particulares a abrir cursos nessas áreas. Os novos dados não me surpreendem", diz o especialista em política científica Rogério Meneghini, coordenador de Pesquisas do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Opas-OMS).

Não foi só por causa das particulares que o número de doutores disparou, porém. Nesses 12 anos, as universidades federais aumentaram em mais de cinco vezes o seu número de doutores.

Em 2005, aliás, elas ultrapassaram as estaduais e se tornaram as instituições mais importantes na pós-graduação do Brasil.

Algumas estaduais, porém, como a USP e a Unicamp, ainda concentram grande parte das matrículas no país (veja abaixo). E, apesar do crescimento das federais, o país ainda tem apenas 1,4 doutor por mil habitantes, enquanto os EUA têm 8,4, e a Alemanha, 15,4.

MUDANÇA DE RUMO
Para Carlos Aragão, presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a queda relativa na formação de quadros em ciências exatas é preocupante.

"Formar cientistas e engenheiros é fundamental para que exista inovação tecnológica nas empresas", afirma.

Além disso, pondera, áreas estratégicas para o país precisam dessas pessoas, como o programa espacial, o programa antártico, a política nuclear, as questões que envolvem clima, energia e agricultura e o pré-sal.

Segundo ele, o CNPq tem procurado apoiar a formação de engenheiros e cientistas lançando editais voltados para essas áreas, assim como facilitando o acesso a bolsas a alunos que se interessarem pelas áreas. "É necessário corrigir essa distorção", diz.

Os especialistas concordam, porém, que pode acontecer um movimento natural de fortalecimento das áreas que envolvem números.

"Nos últimos 20 anos o país não cresceu muito, não havia muito emprego ou interesse nas áreas de engenharia ou ciências da Terra. Direito, economia e administração, por exemplo, eram as áreas onde havia mais possibilidade de os doutores se empregarem", diz Viotti.

Com a economia do país se aquecendo e com empregos sobrando nas áreas de infraestrutura, o próprio mercado de trabalho pode incentivar alunos a buscarem as áreas de exatas, portanto.

Lula quer que Petrobras faca prospeccao em Cabo Verde

Ué, eu pensei que a Petrobras fosse uma companhia comercial, que só empreende negócios com base numa análise técnica e econômica dos resultados esperados, e que sua tecnologia fosse coisa proprietária, não para sair distribuindo de graça por aí.
Não sabia que o presidente da República fizesse parte de seu Conselho de Administração, e que pudesse sair por aí dando ordens a essa companhia, como se fosse um simples serviçal do seu palácio. Pensei também que havia certo profissionalismo na Petrobras, não que ela fosse um mero instrumentos dos desvarios presidenciais.

Lula quer que Petrobrás faça prospecção em Cabo Verde
Agência Estado, domingo, 4 de julho de 2010

Em visita ao país, presidente diz que atuação da estatal na nação africana deverá ser feita com transferência de tecnologia em exploração em águas ultra profundas

ILHA DO SAL, CABO VERDE - A Petrobrás poderá fazer prospecção de petróleo em Cabo Verde. Em visita ao país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva informou que pedirá à direção da estatal que inicie as conversas com o governo cabo-verdiano. "Queremos expandir a Petrobrás para que ela possa fazer estudos em outros lugares, sobretudo em águas profundas. Conversei com o primeiro-ministro e Cabo Verde tem interesse em fazer estudos em suas águas", disse Lula em pronunciamento conjunto com o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves.

O presidente brasileiro afirmou que assim que regressar ao País, após sua viagem por seis nações da África, conversará com a direção da estatal. "Eu assumi compromisso de, regressando ao Brasil, conversar com a direção da Petrobras para que venha gente aqui fazer uma primeira conversa com autoridades de Cabo Verde para ver as possibilidades."

Segundo Lula, a atuação da Petrobrás em Cabo Verde deverá ser feita com transferência de tecnologia em exploração em águas ultra profundas, área em que a Petrobras tem excelência no mercado mundial. "Nós não vamos abdicar da política de solidariedade. Vamos partilhar o conhecimento que nós temos com os outros países", afirmou o presidente brasileiro. "O Brasil está vivendo um momento muito especial, com perspectiva de exploração em águas ultra profundas, na chamada camada pré-sal. Há o compromisso de investir US$ 224 bilhões até 2014 na construção de sondas, navios, pesquisa e expedições", acrescentou.

José Maria Neves, por sua vez, demonstrou entusiasmo com a possibilidade de a estatal de petróleo brasileira atuar em Cabo Verde. "Há indicações de que pode haver petróleo em Cabo Verde em águas ultra profundas, e gás também", disse o primeiro-ministro. Neves afirmou que é estratégico para Cabo Verde ter o domínio do mar e das riquezas provenientes do mar do arquipélago. "Nós queremos cooperar com o Brasil para realizar os estudos técnicos necessários para saber se há recursos petrolíferos ou gás aqui em Cabo Verde. Essa é uma área fundamental de cooperação", disse o primeiro-ministro.

As informações são da Agência Brasil.

Brasil-EUA-Coreia do Sul: trajetórias divergentes

Tem gente que ainda acha que o Brasil vai crescer a 7% e diminuir a distância em relação aos Estados Unidos. Pode até ser, mas sem investir em educação (que não significa mais dinheiro apenas, e sim reformas restruturais), vai ser difícil.
O Brasil é um país totalmente preparado para não crescer...
Paulo Roberto de Almeida

Comparado a EUA, poder de compra retrocede no Brasil
ÉRICA FRAGA
Folha de S.Paulo, 04/07/2010

O Brasil teve crescimento econômico maior que o dos Estados Unidos nos últimos seis anos. Cerca de 19 milhões de pessoas deixaram de viver na pobreza entre 2003 e 2008.

Ainda assim, a enorme diferença de nível de renda que separa brasileiros e norte-americanos é maior agora do que em 1980.

O PIB (Produto Interno Bruto) per capita do Brasil medido em PPC (paridade do poder de compra) era de US$ 10.514 em 2009, equivalente a 22,7% do mesmo indicador para os Estados Unidos.

O percentual módico aumentou em anos recentes, mas segue menor que os 30,5% registrados em 1980, segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional). Ou seja, em termos relativos, os brasileiros são mais pobres que os norte-americanos hoje do que há 30 anos.

A tendência brasileira e de outras economias latino-americanas grandes, como a argentina e a mexicana, contrasta fortemente com o que ocorre em alguns países asiáticos, onde o nível de renda vem convergindo para padrões de nações desenvolvidas a um ritmo rápido.

SUCESSO COREANO
A Coreia do Sul é um exemplo marcante. Era quase tão pobre em relação aos Estados Unidos em 1980 quanto o Brasil é hoje: o PIB per capita em PPC do país equivalia a 18,8% do norte-americano naquele momento. Mas esse percentual saltou para 60,3% no ano passado.

O país asiático tem passado por um processo chamado convergência econômica, que prevê que o nível de renda de nações pobres deve gradualmente se aproximar do padrão mais alto de rendimentos de países avançados à medida que os primeiros se desenvolvam.

A principal explicação para as diferentes trajetórias entre Brasil e Coreia está ligada à capacidade de sustentar uma taxa relativamente alta de crescimento econômico por um período longo.

O Brasil cresceu fortemente nos anos 60 e 70, depois passou por duas décadas comumente descritas como perdidas em termos de expansão sustentável do PIB e, desde o início dos anos 2000, iniciou nova recuperação.

Já a Coreia do Sul cresceu fortemente e de maneira sustentada nas últimas cinco décadas.

PRODUTIVIDADE
Segundo José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos e professor da PUC-RJ, a convergência econômica ocorre normalmente depois de um período de forte crescimento de produtividade (medida importante de eficiência de uma economia).

Isso depende de investimentos em capital físico (máquinas e equipamentos) e humano (educação).

Ele ressalta que tem havido no Brasil progressos em termos de investimento em capital físico e avanços regulatórios no mercado de crédito (o que aumenta o acesso de pessoas físicas e jurídicas a financiamentos).

Esses são fatores positivos do ponto de vista de perspectivas de maiores ganhos de produtividade. Mas há outros fatores limitadores do crescimento de longo prazo:

"A principal razão para a convergência mais lenta do Brasil é o investimento ainda baixo em educação, o que limita o crescimento de longo prazo", diz Camargo.

Já a Coreia do Sul, lembra o economista, investiu fortemente tanto em educação quanto em capital físico por muitos anos.

Programa nuclear iraniano: buscando uma boia de salvacao?

E o Brasil será essa bóia?

Irã afirma estar preparando nova reunião com Brasil e Turquia
Nejme Joma
Agencia EFE, 04/07/2010


Teerã - O ministro de Assuntos Exteriores iraniano, Manouchehr Mottaki, afirmou neste domingo que seu país está conversando com o Brasil e a Turquia para a realização de uma reunião para abordar a troca de combustível nuclear.

Conforme a agência de notícias “Isna”, Mottaki fez a declaração no 28º aniversário do desaparecimento de quatro supostos diplomatas iranianos no Líbano.

“Estamos em contato com o Brasil e a Turquia para coordenar a continuação das negociações”, disse Mottaki.

O chefe da diplomacia iraniana acrescentou que levando em conta a acirrada agenda dos ministros de Relações Exteriores do Brasil e da Turquia, o Irã está negociando para uma data adequada para o encontro. Mottaki disse que a reunião deve ocorrer em Teerã.

Irã mantém queda-de-braço com a comunidade internacional ao rejeitar a suspensão da atividade do enriquecimento de urânio que afirma precisar para abastecer as suas futuras usinas nucleares.

Apesar das pressões internacionais e as resoluções da ONU, o Irã conseguiu até agora produzir e armazenar milhares de quilos de urânio enriquecido a 3,5%.

Em março, o Irã apresentou um pedido na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para a compra de combustível nuclear para seu reator científico de Teerã.

Sete meses depois, a comunidade internacional propôs em Genebra uma fórmula para o envio do urânio iraniano enriquecido a 3,5% à Rússia, em troca de combustível nuclear a 20% produzido na Rússia e França.

Em um primeiro momento a fórmula foi aceita. Depois, o regime se negou a entregar seu urânio alegando não ter garantias de recebê-lo novamente.

Irã anunciou em seguida ter começado enriquecer urânio em 20% para garantir a necessidade de seu reator de Teerã.

Após vários meses de bloqueio de negociações, os ministros de Relações Exteriores do Irã, Brasil e Turquia assinaram em meados de junho um comunicado em Teerã para solucionar a questão de troca de combustível nuclear entre Irã e o grupo integrado pelos EUA, Rússia, França e a AIEA.

Pelo acordo, o Irã enviaria à Turquia 1,2 mil quilos enriquecidos a 3,5%, para receber em um ano 120 quilos de urânio enriquecido a 20%.

Moises Naim virou keynesiano?

Ou é apenas pragmático?
Creio que ele sempre tenta épater, ou seja, surprender os leitores, pois não acredito que pretenda que a Alemanha se comporte de maneira irresponsável com os seus próprios cidadãos e contra o equilíbrio das suas contas públicas.
Por vezes, um pouco de realismo orçamentário, quaisquer que sejam os sofrimentos impostos aos cidadãos no momento, é a melhor maneira de não deixar uma herança pesada para as gerações futuras.
Mas, entendo que Naím esteja querendo apenas assegurar uma transição tranquila para o crescimento da Europa.
Não podemos esquecer que a China apenas seguiu o seu interesse próprio, sem deixar de atentar para sua posição atual na economia mundial, mas entre os dois, não se pode duvidar do que seria mais importante para os líderes chineses...
Paulo Roberto de Almeida

Alemania, 0; China, 1
MOISÉS NAÍM
El País, 04/07/2010

¿Quién se ha comportado mejor durante esta crisis económica: Angela Merkel, la canciller de Alemania, o Hu Jintao, el presidente de China? El chino.

Sé que esta afirmación resultará sorprendente. Nos hemos acostumbrado a oír que, debido a sus bajos sueldos, China presiona a la baja los salarios de sus competidores e incluso contribuye al desempleo en el resto del mundo. China también es acusada de mantener artificialmente bajo el valor de su moneda, lo que abarata aún más sus exportaciones y encarece el costo de los productos que importa. También sabemos de su autoritarismo, sus violaciones a los derechos humanos, sus constantes robos a la propiedad intelectual, su amistad con cualquier tirano dispuesto a darle acceso a materias primas, y que regímenes espantosos como los de Corea del Norte y Myanmar o los genocidas de Darfur cuentan con su apoyo.

¿En qué cabeza cabe, entonces, la defensa del Gobierno chino? He sido un duro y permanente crítico de las prácticas represivas de Pekín. Y lo sigo siendo. Pero debo reconocer que, en esta crisis, la República Popular China ha sido un actor global serio, responsable y competente. Y que Alemania lo ha sido mucho menos. Por eso hoy Hu Jintao merece loas y Angela Merkel reproches.

Millones de personas en el mundo conservan su trabajo gracias a las políticas económicas de China. Y otros varios millones en Europa y otras partes no consiguen trabajo debido a las políticas económicas de Alemania. Mientras China contribuye a generar actividad económica en otras regiones, la inacción alemana irradia presiones que la contraen.

China se ha transformado en el gran motor de la economía mundial. Cuando la segunda economía más grande del mundo crece al 10% anual levanta a muchos otros países. Gracias a China, por ejemplo, la crisis no tuvo peores consecuencias para América Latina y el resto de Asia. La economía mundial crece al 4% y China por sí sola genera el 1% de este crecimiento. En otras palabras, le debemos a China el 25% de la tasa de expansión económica del mundo.

Hu Jintao y su Gobierno reaccionaron ante la crisis con rapidez y efectividad. En 2009 aprobaron un gigantesco estímulo fiscal de 568.000 millones de dólares. Cuando vieron que en 2010 la economía mundial seguía anémica, pisaron el acelerador y aumentaron el crédito. La expansión monetaria creció un extraordinario 30% en solo dos años. Pero Pekín no solo tomó decisiones acertadas; también evitó caer en peligrosas tentaciones. En el peor momento de la crisis, en 2008, Rusia propuso a los chinos que ambos vendieran de manera coordinada y masiva su cartera de bonos de Fannie Mae y Freddie Mac, los dos gigantescos entes financieros estadounidenses. Los chinos se negaron. De haber caído en esa tentación, la crisis para el mundo hubiese sido mucho más grave.

Entretanto, en Berlín... Negación, austeridad, prudencia, confusión, lentitud y obsesión por las encuestas y la política doméstica. Alemania tiene las reservas y la fortaleza económica para ayudar a que sus vecinos salgan de su estancamiento. Pero Angela Merkel no las quiere usar. La audacia y seguridad de Hu contrastan con la cautela de Merkel. Él decide, ella duda. Y mientras, una gran parte de Europa sigue parada.

Sabemos que la conducta de las naciones no está motivada por el altruismo, sino por sus intereses. Las decisiones de Hu Jintao son tan nacionalistas como las de Angela Merkel. Pero mientras que el líder chino entendió que el bienestar de su país depende de lo que le pasa al resto del mundo, la canciller alemana parece creer que es posible aislar a su país de la catástrofe económica de sus vecinos. Es una gran ironía que la salud de la economía capitalista globalizada esté dependiendo tan críticamente de Hu Jintao, quien en 2004 aún exhortaba al Partido Comunista chino a "defender las grandes banderas del marxismo".

O capitalismo falhou nos países da ex-União Soviética?

Reflexões sobre um debate
Paulo Roberto de Almeida

Acabo de assistir a um debate na BBC World News, transmitido desde Kiev, na Ucrânia, reunindo políticos, acadêmicos e jornalistas dos países satélites ou integrantes da finada União Soviética, coordenado por uma jornalista da BBC. Os interessados em saber mais sobre esse debate podem acessar este site: http://www.intelligencesquared.com/, ou, se souberem russo, este aqui: http://www.debaty.org.
O ponto central da discussão era uma moção, votada pelos participantes e assistentes ao debate consistindo em saber se o capitalismo tinha falhado nesses países, e em torno dela os debates se desenvolveram durante quase uma hora. Antes do debate, as posições estavam quase uniformemente divididas em pró e contra essa moção: 40% a favor, 42% contra e 18% indecisos.
Após o debate, muito interessante, mas totalmente dominado por inimigos declarados do funesto regime comunista e da economia de planejamento centralizado, os votos mudaram ligeiramente, mas houve um crescimento dos a favor da moção, ou seja, daqueles que, sim, vêem nas falhas do capitalismo a responsabilidade pelos fracassos aparentes, ou visíveis, de vários países herdeiros ou saídos do grande império socialista: 41% a favor. O que cresceu, como fruto do debate, foram os contrários à moção, alcançando o percentual de 50%, com a diminuição consequente dos indecisos (apenas 9%).
O debate foi interessante, mas ele me permitiu também constatar um dos mais constantes e repetidos equívocos das pessoas, em geral, quando elas falam do capitalismo. Esse regime, ou sistema econômico, se quiserem, parece ser considerado como uma entidade dotada de poderes próprios, com capacidade para determinar o curso da economia e talvez até da política nos países tocados pela sua “graça”. Ou seja, o capitalismo é responsabilizado se, em lugar de uma democracia de mercado, capaz de assegurar plenamente as liberdades políticas, o que surge é um capitalismo mafioso, corrupto, com um Estado centralizado, ainda autoritário e comportamentos pouco virtuosos em quase todas as esferas da vida social.
Ora, o capitalismo, como sistema impessoal, não centralizado, não controlado por qualquer força política ou social – a despeito dos governos e lideres políticos que moldam, através de leis e comportamentos práticos seus contornos efetivos e suas características específicas – não pode obviamente ser responsabilizado pelas patifarias dos lideres políticos, que manipulam leis e instituições para servirem a seus objetivos pouco transparentes (enriquecimento pessoal, cartéis dominados por forças amigas, privilégios a grupos de interesse restrito, manipulação da imprensa, etc.).
O capitalismo é apenas uma forma de organizar forças produtivas, baseadas no empreendedorismo, para produzir mercadorias e acumular riquezas, apenas isso. Ele constitui, apenas e tão somente, uma pequena parte da sociedade, que vem ainda constituída por forças não capitalistas, como podem ser as associações sociais, o próprio Estado e uma série de forças sociais que não respondem aos critérios muito modestos da economia capitalista.
Ou seja, a falha das ex-repúblicas soviéticas em se transformarem em vibrantes democracias de mercado – como podem ser hoje a Polônia e a República Tcheca, em menor medida a Hungria – não tem nada a ver com o capitalismo, em qualquer de suas formas. Tem, sim, a ver, com a estrutura mafiosa dos sistemas políticos, dominada em grande medida por ex-apparatchiks e membros da velha nomenklatura comunista, que souberam se reciclar no capitalismo de Estado que eles mesmos manipulam para seu maior poder e glória.
O conceito de poder, aliás, explica muito do que houve, e confirma que os fracassos registrados não têm nada a ver com o capitalismo. Este é um sistema justamente descentralizado, feito de milhares de empresários, milhões de trabalhadores e consumidores, que não se encontram a não ser nos mercados e nas relações de trabalho, e não comandam nenhum poder, a não ser o de atrair os consumidores para os seus bens e serviços produzidos, do contrário são simplesmente expelidos do mercado. Existem, é claro, situações de monopólios e cartéis, mas que são geralmente feitos através de arranjos, ou omissões, do Estado, quando não produzidos diretamente pelos Estados (ou melhor, pelas pessoas que comandam ao Estado).
A lógica do capitalismo é a da dispersão do poder (econômico) e isso é uma característica essencial do sistema, do contrário não seria capitalismo. A lógica da política, ao contrário, é a concentração do poder, pois esta é a condição pela qual políticos podem se perpetuar no poder. Uma das piores situações que podem ocorrer é a união de capitalistas e políticos, pois os primeiros adoram um monopólio – ou seja, dominar o mercado e expulsar os concorrentes – e os segundo adoram a mesma coisa, em sua esfera peculiar de manipulação da vontade dos cidadãos.
Ou seja, o sistema capitalista não é especialmente moralista, só conseguindo ser benéfico para as pessoas quando o poder econômico se encontra disperso, o que ocorre geralmente nos verdadeiros sistemas de mercado, abertos a novos entrantes e a todas as concorrências. Nem o sistema político é moralista, só podendo ser contido com mecanismos de transparência, de controles e limites (checks and balances), de justiça independente, de controle cidadão, pelo exercício regular do voto, em um sistema aberto a novos competidores. O que os países da ex-URSS não tiveram, justamente, foi capitalismo e democracia. Sendo assim fica contraditório acusar o capitalismo de qualquer falha própria pelo fracasso dessas sociedades em realizarem o que se espera de sociedades normais. Elas ainda tem um longo caminho pela frente, mas o capitalismo é ainda uma parte pequena da resposta. Tudo depende da democracia e da livre expressão dos cidadãos, de preferência educados.

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 4 de julho de 2010)

Mais informações sobre o programa-debate, neste link.

Revista Brasileira de Politica Internacional: uma publicacao de impacto

Tendo participado, e de certa forma liderado, o esforço de resgate, de sobrevivência e de consolidação em Brasil (desde 1993) dessa histórica revista, que foi publicada no Rio de Janeiro de 1958 a 1992, posso igualmente sentir-me orgulhoso dessa conquista registrada abaixo.
Eu já havia feito esse registro neste post:

RBPI: uma grande revista com alto fator de impacto na area
(terça-feira, 29 de junho de 2010)

Desejo, neste momento, registrar os nomes dos dois editores que se sucederam na direção da fase brasiliense da revista, respectivamente professores Amado Luiz Cervo e Antonio Carlos de Moraes Lessa, cabendo a este último a parte essencial dos esforços que levaram ao reconhecimento agora registrado.
Desde 1993, tenho ostentado o título, mais honorífico do que efetivo, de "editor adjunto", colaborando sempre com o seu funcionamento e sucesso, embora, por razões profissionais, não possa ter estado mais envolvido, como teria desejado, com sua administração efetiva. Por isso mesmo, presto minhas homenagens aos colegas que mantiveram alto a chama da revista, mesmo com a modéstia de recursos e a falta de estruturas mais condizentes com a sua importância e potencial, nas pessoas dos dois citados editores e do atual presidente do IBRI, o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, Professor José Flávio Sombra Saraiva, cujo artigo reproduzo abaixo. Também já exerci esse cargo, no passado, e sempre estarei vinculado a seus sucessos e realizações, mesmo de forma nômade e esporádica.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 4 de julho de 2010)

Opinião
Gol das relações internacionais do Brasil
José Flávio Sombra Saraiva *
Correio Brasiliense, 04/07/2010

Taças de espumantes serão elevadas no fim de semana. Celebra-se, em várias universidades do Brasil, da América Latina e de institutos acadêmicos de outros continentes, gol de placa do Brasil. O motivo, no entanto, não se relaciona com gingas futebolísticas na copa sul-africana.

Embora tenha ocorrido no campo das relações internacionais, o gol não emana de vitória diplomática do Brasil em negociações internacionais. Nem recebemos nova adesão de algum chefe de Estado estrangeiro às pretensões do Brasil ao diretório onusiano.

As razões do júbilo não são menores. A Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), publicação de 52 anos de existência, dedicada aos estudos internacionais, à política externa do Brasil e à inserção de Estados e povos no sistema internacional, além dos novos temas, passou a figurar ao lado dos mais relevantes periódicos da área, tais como a Foreign Policy e a Foreign Affairs. Não há nenhuma revista no país e na América Latina com semelhante classificação internacional.

Apenas por mérito e juízo acadêmico externo, a RBPI foi incluída na seleta lista dos periódicos com “fator de impacto” e referência internacional. Quem isso decidiu não está sujeito a pressões de interesse ou conversas de pé de ouvido. É como um rating da academia, realizada pela prestigiada ISI-Journal Citation Report, métrica conhecida pelos cientistas das hard sciences, a alimentar perspectivas de mais projeção científica da instituição que mantém o periódico.

Em um país ainda carente de notícias serenas de agregação de valor real ao conhecimento produzido por seus cientistas e povoado por universidades que foram atropeladas por políticas populistas que desviam o sentido histórico de tais instituições, a notícia repõe a confiança no mérito. A RBPI e outra revista multidisciplinar da grande área de ciências sociais são as únicas brasileiras que alcançaram tal classificação nas ciências humanas, políticas, jurídicas e sociais na indexação do mais respeitado instituto do mundo que se dedica a tal tarefa.

Trata-se de um fato revelador que o Brasil possa contar com uma academia dedicada aos estudos internacionais que amadurece rapidamente. Ela investe na fórmula infalível: a qualidade e a competência. Se, no passado, foi muito importante o pensamento diplomático e o estratégico-militar, particularmente produzidos pela experiência prática de diplomatas e militares, a quadra é do adensamento de uma comunidade epistêmica de relações internacionais no Brasil.

A comunidade brasileira de relações internacionais está nas universidades e institutos de pesquisa e é comprometida com o Brasil, embora fique a impressão de ser pouco ouvida por quem com ela deveria se consultar. Há muita gente que, laboriosamente — e às vezes anonimamente —, trabalha e ajuda na difícil tarefa de construir o entendimento da nação e de seu papel no mundo.

A bela notícia de que o setor mais exigente de padrões de mérito acadêmico prestigia uma revista científica do Sul expõe a força emergente da comunidade de quase mil professores de relações internacionais no Brasil. Tendo como seu centro mais antigo a UnB, que teve a inteligência estratégica de iniciar tais estudos já na década de 1970, hoje esses estudiosos podem se regozijar, colhendo resultados dos investimentos iniciais e do trabalho duro. Solitário, difícil, mas compensador, o trabalho dos professores e pesquisadores que, ao longo de cinco décadas, publicaram suas reflexões na RBPI, foi reconhecido. Ofereço aos editores da RBPI que se sucederam desde Cleantho de Paiva Leite, seu fundador, essa premiação internacional.

É justo que aproximemos as taças. Façamos festa pátria no fim de semana. Não apenas a das chuteiras, mas também a da qualidade que emana da percepção do labor acadêmico, da produção científica de qualidade. Isso é fazer gol de placa. Parabéns, comunidade brasileira de relações internacionais.

* Ph. D. pela Universidade de Birmingham, professor titular de relações internacionais da UnB e pesquisador 1 do CNPq.

sábado, 3 de julho de 2010

Capitalismo de Estado e Capitalismo de Mercado: a grande disputa

Livro:
Ian Bremmer
The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?
Portfolio Hardcover, 2010, 240 p.
ISBN-10: 1591843014
ISBN-13: 978-1591843016
Formats:
Kindle Edition: $12.99
Hardcover: $17.79
Used from: $12.99

O mercado contra o Estado
Revista Época, 4.07.2010

Em seu novo livro, o cientista político americano Ian Bremmer analisa o crescimento do capitalismo de Estado no mundo – inclusive no Brasil. Para ele, o sistema de livre mercado ainda vai prevalecer. A seguir, um trecho do livro:

Em maio de 2009, recebi um convite por e-mail para discutir a crise financeira global com o vice-ministro de Relações Exteriores da China, He Yafei, junto com um pequeno grupo de economistas e acadêmicos. O vice-ministro iniciou o encontro, realizado no consulado chinês, na 12a Avenida, em Manhattan, com uma pergunta: “Agora que o livre mercado fracassou, que papel vocês acham que caberá ao Estado na economia?”.

Seu tom maliciosamente pragmático e a grandiosidade de sua afirmação quase me fizeram rir. Mas a pergunta era séria – e uma rápida olhada nas manchetes dos jornais revelava muitas evidências em seu favor. A quebra do banco de investimento Lehman Brothers, em setembro de 2008, demonstrou que a crise financeira havia atingido uma escala que não podia mais ser ignorada. As autoridades de Washington tinham assumido a responsabilidade por decisões que geralmente são tomadas pelos mercados, em Nova York. O então presidente George W. Bush assinou o Ato Emergencial de Estabilização Econômica, criando o Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Trouble Asset Relief Program, Tarp, em inglês), de US$ 700 bilhões. No início de 2009, seu sucessor, Barack Obama, avisou que, se Washington não atuasse rapidamente, os Estados Unidos viveriam uma catástrofe. Os legisladores responderam ao chamado aprovando um plano de resgate de US$ 787 bilhões.

He Yafei aguardou pacientemente por uma resposta. “Os bancos fracassaram em se autorregular, mas isso não significa que o governo vai dominar permanentemente a economia”, respondi. Robert Hormats, do (banco de investimento) Goldman Sachs, Don Hanna, do Citigroup, o economista Nouriel Roubini e outros acrescentaram suas visões à conversa. Ao longo dos 90 minutos seguintes, meus colegas americanos e eu defendemos o capitalismo de livre mercado e o senhor He defendeu o capitalismo dirigido pelo Estado. Nós encontramos algumas ideias em comum. Mas, ao final do encontro, ficou claro que tínhamos discutido os méritos de dois conjuntos incompatíveis de princípios políticos e econômicos.

Em encontros de consequências muito mais amplas, realizados agora em todo o mundo, essa incapacidade de concordar em relação ao papel adequado do Estado na economia mudará a forma de a gente viver. O exemplo mais óbvio é a mudança da mesa internacional de negociações dominada pelos chefes de Estado do G7, o grupo das nações mais industrializadas do mundo – todas elas campeãs do capitalismo de livre mercado – para o modelo do G20, no qual céticos do livre mercado, como China, Rússia, Arábia Saudita, Índia e outros países, participam da discussão. Agora, quando os líderes das democracias de livre mercado fazem o diagnóstico dos problemas da economia global, enfrentam o sorriso cético de He Yafei – e de todos aqueles na mesa que acreditam que o livre mercado fracassou e que o Estado deve ter um papel preponderante na economia. É um enorme problema, que vai trazer desafios por várias décadas. Como chegamos aqui? O fim da Guerra Fria não trouxe a vitória do capitalismo de livre mercado?
Apesar de ter cumprido as promessas de campanha, Lula não é nenhuma Margaret Thatcher

Em dezembro de 1991, um atônito Mikhail Gorbatchev anunciou a seu povo que eles estavam vivendo num mundo novo. Seis dias depois, a União Soviética acabou. Em três semanas, o líder chinês Deng Xiaoping lançou uma nova fase da reforma de livre mercado da China. Em um ano, até Fidel Castro tinha aceitado a necessidade de implementar algum grau de experimentação capitalista. Países do Pacto de Varsóvia começaram a marchar em direção à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e à União Europeia. O capitalismo de livre mercado parecia ter obtido uma vitória definitiva.

Mas, como os russos descobriram de forma dolorosa nos anos 90, há um longo caminho entre uma economia planificada e o capitalismo de livre mercado. A queda do comunismo não representou o triunfo do livre mercado, porque não colocou um ponto final em governos autoritários. O governo chinês aprendeu algumas lições importantes com o colapso da União Soviética e a revolta da Rússia contra o caos e a corrupção que se seguiram. Primeiro, reconheceu que, se o Partido Comunista Chinês fracassasse em gerar prosperidade para o povo, seus dias estavam contados. Segundo, aceitou que o Estado não pode criar crescimento econômico duradouro por decreto. Só com a liberação da inovação e das energias empreendedoras de sua vasta população a China poderia prosperar e o partido sobreviver. Terceiro, percebeu que, quando esse potencial de crescimento fosse liberado, o partido só poderia proteger seu monopólio de poder político se o Estado controlasse a maior parte possível da riqueza que os mercados viessem a gerar.

Assim como a China, governos autoritários em todo o mundo aprenderam a competir abraçando o capitalismo de livre mercado. Certos de que economias planificadas estavam destinadas ao fracasso, mas temerosos de que o verdadeiro livre mercado fugisse do controle, os autoritários inventaram o capitalismo de Estado. Neste sistema, os governos usam vários tipos de empresas controladas pelo Estado para administrar o que consideram como joias da coroa e para criar e manter um grande número de empregos. Eles elegem empresas privadas para dominar certos setores econômicos. Usam os fundos soberanos para investir o dinheiro extra e maximizar os lucros do Estado. Em todos os casos, o Estado está usando os mercados para criar riquezas que possam ser dirigidas para onde os políticos desejarem.

Esse novo modelo atraiu imitadores em boa parte dos países emergentes. No Brasil, quando a população elegeu Luiz Inácio Lula da Silva como presidente, em 2002, muitos investidores estrangeiros temiam que ele seguisse o caminho do presidente venezuelano Hugo Chávez, dando uma guinada radical para a esquerda. Apesar das garantias de campanha de que Lula manteria a disciplinada política de livre mercado, alguns temiam que ele voltasse atrás. Isso não aconteceu. Sua reputação de esquerda o ajudou a construir um consenso em favor do capitalismo de livre mercado – dentro de certos limites. Hoje, com seu mandato no fim, ele continua muito popular no Brasil.

Lula, porém, não é nenhuma Margaret Thatcher. Ele acredita que seu governo tem uma responsabilidade com os pobres e com o fortalecimento (e não com a privatização) da maior parte das estatais remanescentes. Elegeu campeões nacionais de controle privado, especialmente em setores como mineração e telecomunicações. Empresas como a Petrobras e a Eletrobrás desempenham um papel mais importante, embora o governo trabalhe para atrair mais investimento privado.

Essas intervenções não chegam perto das que ocorrem na Rússia ou na China. Ainda assim, dois fatos importantes ameaçam levar o governo brasileiro a desempenhar um papel mais ativo na economia. O primeiro é a descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, anunciada em novembro de 2007. O governo já propôs mudanças na lei de 1997, que permitiu às empresas estrangeiras desempenhar um importante papel na exploração e na produção de petróleo, e quer assegurar que a Petrobras não perderá seu papel de liderança no setor. O segundo fator potencial de mudança foi o impacto da crise financeira de 2008 no mercado interno. Com a desaceleração do comércio e a redução do crédito, o governo usou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal para injetar recursos no setor privado, aumentando a participação governamental em algumas das maiores empresas do Brasil.

Lula trabalhou para ajudar a criar campeões privados de capital nacional em alguns setores, com o objetivo de torná-los mais competitivos no mercado internacional. Mas, como essas empresas têm financiamentos de outras fontes, o Estado não pode controlá-las totalmente.

Em dezembro de 2008, o governo Lula anunciou planos de criar um fundo soberano. A ideia original era usá-lo para ajudar a financiar as empresas brasileiras no exterior e a desvalorizar o real, para estimular as exportações. O governo tomaria empréstimos em reais e compraria dólares para financiar as empresas brasileiras a comprar ativos no exterior. A retração econômica mudou os planos. Agora, o governo quer que o capital do fundo (pouco abaixo de US$ 7 bilhões) ajude a financiar investimentos do Estado no Brasil e garanta recursos às instituições financeiras estatais.

Em outubro de 2010, os eleitores brasileiros irão às urnas para eleger o sucessor de Lula e terão de tomar uma decisão difícil. O Brasil não é um país de capitalismo de Estado. Sua democracia permite o controle do poder do Estado, a opinião pública apoia o comércio e o investimento estrangeiro (inclusive no setor de energia) e seu fundo soberano é pequeno, se comparado aos da China e do Golfo Pérsico. Mas, ainda que os eleitores decidam o voto com base em outras questões, o próximo presidente terá uma influência considerável na forma como o país vai desenvolver uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o grau de abertura da economia e o tipo de exemplo que dará a seus vizinhos.

A Grande Depressão dos anos 1930 não destruiu o capitalismo de livre mercado, mesmo que as alternativas do comunismo e do fascismo tenham capturado a imaginação mundo afora. O capitalismo de livre mercado destruiu o fascismo, ofuscou o colonialismo e teve uma longevidade maior que o comunismo. Também sobreviveu a diversas crises criadas por ele mesmo. Por que ele é tão resistente? Porque praticamente todas as pessoas valorizam a oportunidade de criar prosperidade para si mesmas e suas famílias, e porque o livre mercado provou diversas vezes que pode dar poderes praticamente a qualquer um. À medida que centenas de milhões de pessoas conhecerem como os outros vivem – do outro lado da rua e do outro lado do planeta –, elas se darão conta de que uns têm muito mais que os outros. Mas muitos também verão que a riqueza, como quer que a definam, não está mais fora de seu alcance. À medida que nações antes isoladas se unirem à economia global, criando novos mercados para os bens e serviços que produzem, elas verão que a prosperidade pode ser contagiosa. As três últimas décadas provaram que o acesso ao livre mercado – e não apenas a ajuda financeira – pode incluir imensos contingentes de pobres na economia global. Os mercados livres oferecem àqueles que deles participam vantagens de longo prazo que o capitalismo de Estado não pode atender.

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Debate no site da Amazon:
Nouriel Roubini and Ian Bremmer: Author One-to-One
In this Amazon exclusive, we brought together authors Nouriel Roubini and Ian Bremmer and asked them to interview each other.

Nouriel Roubini is a professor of economics at New York University's Stern School of Business. He has extensive senior policy experience in the federal government, having served from 1998 to 2000 in the White House and the U.S. Treasury. He is the founder and chairman of RGE Monitor (rgemonitor.com), an economic and financial consulting firm, regularly attends and presents his views at the World Economic Forum at Davos and other international forums, and is an adviser to cental bankers around the world. He is the author of Crisis Economics and Bailouts or Bail-Ins. Read on to see Nouriel Roubini's questions for Ian Bremmer, or turn the tables to see what Bremmer asked Roubini.

Nouriel Roubini Roubini: Your book [The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?] suggests that an old trend, what you call state capitalism, has become much more important. What happened to change things?

Bremmer: Over the past 18 months, the Western financial crisis and the global recession have accelerated the inevitable transition from a G7 to a G20 world. That’s not just a matter of more states at the bargaining table. It’s not just about having to herd more cats to get things done on the international stage. It’s about herding cats together with other animals that don’t really like cats. And that’s not really herding.

The G7 world was one where everyone that mattered for growth in the global economy accepted the assumption that prosperity depended on rule of law, independent courts, transparency and a free media—and in the value of free market capitalism. In that world, multinational corporations are the principle economic heavyweights. This consensus has provided the engine driving globalization for the past 40 years.

The sun has set on that world. The country that has emerged strongest and fastest from the global slowdown is one that does not accept the idea that a regulated free market economy is crucial for sustainable economic growth. China’s success has persuaded authoritarians around the world that they really can have explosive growth without undermining their monopoly hold on domestic political power. China has enjoyed double-digit growth for thirty years without freedom of speech, without well-established economic rules of the road, without judges that can ignore political pressure, without credible property rights—without democracy. And the events of the past 18 months have made China more important that ever for the future of global economic growth. This is a big change with enormous implications that we had better start thinking through.

Roubini: The term state capitalism means different things to different people. How do you explain it today?

Bremmer: I’m writing about a system in which the state uses the power of markets primarily for political gain. A country’s political leaders know that command economies will eventually fail, but they’re afraid that if they allow space for markets that are truly free, they’ll lose control of how wealth is generated. They could end up empowering others who will use markets to generate revenue that can then be used to challenge the government’s authority to dominate the country’s political life. So they use national oil companies, other state-owned enterprises, privately owned but politically loyal national champion companies, and sovereign wealth funds to exercise as much control as possible over the creation of wealth within the country’s borders. And they send these companies and investment fund abroad to secure deals that increase the state’s political and geopolitical leverage in a variety of ways.

This system is fundamentally incompatible with a free market system.

Roubini: Creating friction between the state capitalists and other governments. To say nothing of privately owned companies.

Bremmer: Exactly, yes. In a free market system, multinational corporations are looking to maximize profits. In markets that are not intelligently regulated, and we’ve seen this in the United States, they're looking to maximize short-term gains at the expense of sustainable, long-term growth for their shareholders or for their own compensation. The past two years have reminded us of the sometime excesses of free market capitalism.

In a state capitalist system-- the principle economic actors are looking first to achieve political goals. Profits are subordinate to that goal. In other words, if profits serve the state’s interests, they’ll pursue profits. But if the state needs a state-owned oil company to pay through the nose to lock up long-term supplies to the oil, gas, metals and minerals needed to secure the long-term growth that keeps workers in their jobs, off the streets, and the political leaders in power, profits and efficiency can become political liabilities and these companies will pay whatever it takes to get what their political patrons want.

But the state-owned companies are competing with multinationals that won’t overpay, that can’t overpay. Here, the injection of politics into market activity distorts the outcome—in this case by raising the price that we all pay for energy and other commodities.

Roubini: When you mention the state capitalist countries, which ones do you specifically have in mind?

Ian Bremmer Bremmer: We find state capitalist powers among the Arab monarchies of the Persian Gulf-- Saudi Arabia and the United Arab Emirates are the most important. You see this trend, of course, in Putin’s Russia. There are other examples of countries that mix free market with state capitalist policies. But we wouldn’t be talking about state capitalism as game-changer for international politics and the global economy if it weren’t for China, now the world’s second largest economy and its fastest growing major marketplace.

Roubini: The End of the Free Market is a provocative title. Are you trying to out-Doom me?

Bremmer: You know I wouldn’t do that. But you have to admit, it’s not an exaggeration. It’s not that I think the United States is going to throw away its free market principles. It's not about President Obama being some kind of socialist. Washington will tighten the regulation of financial markets in coming months, and some people won’t like that. Americans will not lose their faith in the power of free market capitalism to generate prosperity. But that can’t be said for the rest of the world.

The global economic system is no longer driven by consensus around these values. There are now competing forms of capitalism. You used the word friction. That’s exactly the right word. Friction, competition, even conflict. There will be winners and losers, and the world’s political and business leaders better begin to try to sort out who those winners and losers will be.

Roubini: Do you mean that state capitalists will be winners and those who bank on free markets will lose?

Bremmer: Not necessarily. We’re going to see governments around the world that no longer feel bound to follow the Western rulebook of decades past. We’ll see multinational corporations struggling to adapt, because foreign investment will become much less predictable and much more complicated. And the backing they get from their home governments won’t carry as much weight.

Yet, some of them will be more successful than others at learning to compete on a playing field that isn’t level. There are very good reasons to doubt that the state capitalists will have staying power. But for now, they have lots of new clout and plenty of advantages. Over the next five, ten, twenty years, state capitalist governments and the companies and institutions they empower will be a serious—and global--force to be reckoned with.

The threat for Americans is that all this is happening at a moment when people are struggling, and their elected leaders have every incentive to respond to that fear and anger with promises to throw up walls meant to protect them from all these changes. Americans have always prided themselves on tearing down walls, not building them. State capitalism and American populism will put that faith to the test.

Roubini: Were you tempted to call your book The End of Globalization?

Bremmer: No, this isn’t the end of globalization. It is the end of globalization’s singular, overriding power to shape our lives and the future of the global economy. Globalization depends on access to global consumer markets, capital markets, and labor markets. State capitalism compromises all three. Globalization still matters, and it will continue to matter for the foreseeable future. But it is no longer the fundamental driver of growth in a global economy that looks increasingly toward China for the next expansion.

Transacoes nunca antes vistas na historia da diplomacia brasileira

Não existe registro nos anais da diplomacia brasileira, desde meados do século 19 pelo menos (quando o Brasil concedeu alguns créditos generosos aos líderes políticos montevideanos, para assegurar a complacência uruguaia nas disputas por espaço na região platina, contra concorrentes argentinos ou paraguaios), de concessões tão generosas quanto as que estão sendo feitas atualmente ao Paraguai, em nítida ruptura com posturas que tinham sido mantidas pelo Brasil no relacionamento com os vizinhos desde longas décadas.
Em algum momento do futuro próximo, vamos ser chamados a examinar de maneira serena, mas séria, essas concessões que estão sendo feitas alegremente, com custo certo (e muito alto) para o contribuinte brasileiro, por vezes até ao arrepio do próprio tratado constitutivo, e na complacência completa do corpo parlamentar.
A História saberá julgar os homens que nos levaram a tão tenebrosas transações...
Paulo Roberto de Almeida

Bondades em gestação em Itaipu
Notas & Informações
Editorial O Estado de S.Paulo, 3 de julho de 2010

Praticamente sem o conhecimento do público, que pagará a conta, tramita com rapidez no Congresso o projeto de decreto legislativo que autoriza a revisão do Tratado de Itaipu e, se aprovado, obrigará o Brasil a pagar ao Paraguai o triplo do que já paga pela compra da energia produzida pela usina binacional e não utilizada por seu parceiro. A revisão implicará, entre outras coisas, o pagamento adicional, pelo Brasil, de US$ 240 milhões por ano, gasto que - na conta de luz ou sob a forma de impostos - recairá no bolso do cidadão brasileiro, que não terá nenhuma vantagem com a mudança.

O decreto aprova as alterações no Tratado de Itaipu - documento firmado por Brasil e Paraguai em 26 de abril de 1973 - negociadas no ano passado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, em razão da forte pressão que o dirigente paraguaio fez sobre seu colega brasileiro para aliviar parte dos problemas políticos que enfrentava em seu país. Para atender aos interesses de Lugo, Lula concordou com algumas mudanças, que exigirão a utilização do dinheiro do contribuinte e do consumidor brasileiros.

O Tratado de Itaipu é claro ao determinar que Brasil e Paraguai têm direito, cada um, à metade da energia gerada pelo usina binacional. A energia não utilizada por uma parte será vendida à outra. Os dois sócios recebem royalties e rendimentos iguais. São igualmente responsáveis pela dívida contraída para a construção da usina, e que vem sendo amortizada regularmente, com a utilização de cerca de dois terços da receita da usina.

Logo que tomou posse, Lugo quis mudar essas regras para assegurar ao Paraguai a livre disponibilidade da energia de Itaipu a que tem direito, mas não utiliza - e que, pelas regras do Tratado, deve ser obrigatoriamente vendida ao Brasil. Alegava também que sua remuneração deveria corresponder ao que chamava de "preço justo" da energia cedida. Exigia, ainda, a "revisão completa da dívida" de Itaipu e maior controle do orçamento da empresa binacional.

Não havia, como não há, nenhuma razão técnica concreta para se rever o Tratado de Itaipu. Mesmo assim, em nome de uma política externa marcada por bondades frequentes com alguns parceiros ideológicos - e que pouco ou nada atende aos reais interesses do País -, o presidente Lula cedeu às pressões. Em julho do ano passado assinou com Lugo uma declaração segundo a qual, entre outros compromissos, o Brasil assumiu o de iniciar a construção de mais uma ponte entre os dois países sobre o Rio Paraná, de construir linhas de transmissão de energia no país vizinho, estudar a possibilidade de o Paraguai vender energia livremente no mercado brasileiro e aumentar o valor pago anualmente ao parceiro.

São essas mudanças que estão em exame no Congresso. O governo quer vê-las aprovadas o mais depressa possível e, por isso, solicitou urgência na tramitação da matéria, que se encontra na Câmara dos Deputados. A oposição, por ver nas mudanças lesão aos interesses dos brasileiros - consumidores de energia elétrica e contribuintes em geral -, vem tentando retardar o andamento do projeto.

Na quarta-feira passada, por indicação do deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR), as Comissões de Minas e Energia e de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara realizaram uma audiência para discutir o projeto. Na ocasião, o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, observou que o custo do pagamento adicional onerará o bolso dos brasileiros e que, em 2023, o Paraguai se tornará dono de 50% da usina, já livre das dívidas, "sem ter pago nada por isso", pois, como lembrou, "o Brasil assumiu 100% da construção".

Os brasileiros esperam que também os parlamentares da situação levem em conta esses fatos e decidam de acordo com eles, para preservar os interesses do País - que não são necessariamente iguais aos interesses políticos do presidente.

Tempo e oportunidade para isso eles têm. Por causa da ampla repercussão que as mudanças no Tratado de Itaipu podem ter, o projeto precisa passar por, pelo menos, quatro comissões técnicas da Câmara. Na de Minas e Energia já há um parecer favorável à sua aprovação assinado pelo deputado Pepe Vargas (PT-RS). No dia 7, deve ser examinado pela Comissão de Relações Exteriores.

A esquerda brasileira rumo à irrelevância politica - Ethan Edwards

Direto ao Ponto
A jornada da esquerda petista em direção à irrelevância
por Ethan Edwards
Blog de Augusto Nunes, 03/07/2010

“A cada vez que Lula sentia necessidade de enforcar alguém, parte da esquerda corria a lhe oferecer um pedaço de corda, outra lhe trazia um pescoço”, constata Ethan Edwards em mais um texto admirável, que amplia e ilumina o post sobre a subordinação do PT à vontade de Lula e à cupidez do PMDB. É o tipo de leitura que não se adia:

Em 1980, a esquerda entregou a Lula a direção do processo de construção do PT. Compreendia que, de outro modo (isto é, com base nos princípios do marxismo ─ na hipótese de que alguém os conhecesse), não conseguiria construir o partido com que sonhava. Ou entregava a chefia do partido a Lula e seus amigos despolitizados (sabendo que daquilo adviria, na melhor hipótese, um partido populista) ou ficava à margem desse processo onde já se encontravam embarcados os militantes da Teologia da Libertação e o “novo sindicalismo”.

Optou, depois de pensar um pouco (na verdade, bem pouco), por associar-se a estes e ajudar a construir o partido que se dizia “dos trabalhadores”, reservando-se a ilusão de que, com o tempo, acabaria por arrebatar do operário personalista e seus cortesãos o comando do processo. Essa capitulação tinha um fundo realista. A esquerda já suspeitava (embora nunca tenha examinado de frente essa suspeita) que, em vez de complicados problemas teóricos, o que tornava impossível, no Brasil, a construção de um partido “verdadeiramente revolucionário” era algo bem mais difícil de “equacionar”: o povo brasileiro.

Cristão, conservador, respeitador das hierarquias, profundamente ligado à família, avesso a regras impessoais, o máximo de “comunismo” a que o brasileiro comum alguma vez se permitiu foi o de Dias Gomes e de João Saldanha, que estavam para Lênin e Trotsky assim como a umbanda está para a reforma protestante. Quem insistisse em construir no Brasil um partido marxista estaria condenado a viver num gueto. Lula, ao contrário da esquerda que o cercava, falava diretamente ao coração do “brasileiro médio”. O mais inteligente era entregar-lhe a chefia do novo partido.

Trinta anos depois, a situação da esquerda petista não melhorou. Na verdade, deteriorou-se por completo. Se lhe serve de consolo, entretanto, deve-se registrar que nessa jornada em direção à irrelevância a esquerda jamais pediu ajuda a ninguém. Caminhou sempre com as próprias pernas. A cada vez que Lula sentia necessidade de enforcar alguém, parte da esquerda corria a lhe oferecer um pedaço de corda, outra lhe trazia um pescoço. O executado quase sempre era um dos seus – mas isso não tinha importância.

O que importava, então? Boa pergunta. Aceitemos, por generosidade, que tudo não passou de um enorme erro de cálculo. Mas a pergunta que realmente interessa, no entanto, é outra, e não se refere ao passado: por que, trinta anos depois daquela decisão infeliz, a esquerda continua, como um velho serviçal desfibrado, a apoiar todos os atos, mesmo os mais desprezíveis, de um governo banalmente populista, que enriqueceu os milionários e se aliou ao que havia de pior na política brasileira, e que evidentemente jamais abrirá caminho para a “revolução”, qualquer que seja a revolução que a esquerda diz almejar?

A pessoa ideal para responder a essa pergunta já faleceu: a Dra. Nise da Silveira. Ex-trotskista, dedicou toda sua vida madura a tratar de esquizofrênicos. Ela provavelmente compreenderia, melhor do que ninguém, o que se passa na alma de um petista que continua a se imaginar “revolucionário”. Ela lhe daria tinta e pincel e o estimularia: “Pinte, meu filho. Pinte mandalas. Você vai se sentir muito melhor”.