Não tenho e nunca vou ter qualquer afiliação partidária. Mas nas democracias imperfeitas -- e elas sempre serão assim -- o exercício da política passa pelos partidos. Dito isto, eu consigo ver nos partidos pessoas que são melhores do que outras para governar, e consigo ver pessoas que, em qualquer partido, seriam as piores soluções da e na política para nos governar.
Por isso, recomendo a leitura do texto abaixo de Rodrigo Constantino.
Por instinto, por conhecimento da história, por experiência vivida, sou contra toda e qualquer concentração de poder, e por isso mesmo SOU CONTRA qualquer tipo de LÍDER SALVACIONISTA, mesmo que ele fosse o ser mais puro, o mais intelectual, o mais preparado de todos. Tudo isso à parte, consigo, por exemplo, farejar quem tem espírito FASCISTA, isso no Brasil, ou numa grande democracia, como os EUA.
Recomendo, portanto, a leitura deste posicionamento do Rodrigo Constantino, não porque eu seja um liberal (não tenho essa pretensão de me encerrar num rótulo), mas porque esse texto traz todos os argumentos RACIONAIS para evitarmos uma nova aventura salvacionista.
Paulo Roberto de Almeida
Brasilia, 12/07/2017
A DIFERENÇA ENTRE O PROJETO DE MUDANÇA DO PARTIDO NOVO E O PERSONALISMO SALVACIONISTA DE BOLSONARO
Rodrigo Constantino
Gazeta do Povo, 11 de agosto de 2017
Quando comentei sobre o pronunciamento de Jair Bolsonaro em evento de lançamento do Patriota, novo nome que o PEN deverá adotar para endossar sua candidatura, abordei como um dos principais pontos de fraqueza o fato de se tratar do “exército de um homem só”. Ou seja, as questões chatas permanecem: como exatamente um herói honesto vai chegar ao poder e fazer toda a diferença?
Para quem quer ficar apenas na primeira etapa do “raciocínio”, entendo que essa seja uma pergunta incômoda. Muitos não chegaram tão longe assim. Bolsonaro é tido como íntegro e honesto, enfrenta com coragem os comunistas, e nada mais importa. Será a solução para nossos problemas, a salvação do Brasil (e é fácil perceber o tom messiânico de muitos dos seguidores ali, que trocaram Deus por um político).
Mas alguns levantaram uma questão legítima: essa dificuldade que apontei vale apenas para Bolsonaro? E o Partido Novo, que, como muitos sabem, eu apoiei desde o começo? Não seria também um caso de um partido pequeno, sem base, que não teria condições de governar sem acordos ou parcerias? Esse texto é uma resposta a essa pergunta.
De cara, a resposta é “sim”, o Novo também teria a mesma dificuldade, assim como qualquer outro partido pequeno. Foi o caso de Collor, lembram? Na verdade, pode-se até argumentar que não se governa sem o PMDB nesse nosso querido e vasto Brasil, ao menos não por enquanto. É o centrão fisiológico que está sempre no poder, e que todos precisam de certa forma engolir.
Serve quase sempre para o mal, para impedir reformas estruturais contra o “deep state” (do qual é o representante) que possibilitariam um avanço maior de nossa economia. Mas de vez em quando serve como poder moderador, para impedir golpes totalitários, como foi o caso com o PT. Se o PMDB nos impede de virar o Chile, também nos livrou de virar a Venezuela, justiça seja feita.
E aqui começa a resposta para valer: os seguidores aguerridos de Bolsonaro querem eliminar o PMDB, o PSDB, certamente o PT, querem destruir “tudo e todos” de forma um tanto jacobina, num passe de mágica, por decreto. Querem detonar o “sistema”, acabar com os “socialistas”. Nesse sentido, são revolucionários também. O discurso é todo antipolítica e personalista: Bolsonaro não precisará desses “conchavos” pois terá ao seu lado o povo!
Basta ler inúmeros comentários no meu texto para ver como não são poucos os que pensam assim. Percebe-se que não se debruçaram sobre as questões delicadas e práticas de um governo efetivo. Ou então são mesmo autoritários e antidemocráticos, não ligam para a democracia representativa e desejam um “déspota esclarecido” (ou, no caso, um “déspota íntegro”, já que esclarecido seria forçar demais a barra). Isso é um perigo!
Por que eu defendi o projeto do Novo desde o começo? Porque o Novo deixa claro que não pretende depender de algumas pessoas, mas sim defender ideias e princípios. Ou seja, trata-se mais de um movimento de mudança da mentalidade do que um projeto de poder político. Até aceito que pode ser meio ingênuo mesmo, que “fazer política” não é trivial, não é coisa para amadores, para engenheiros com boas intenções.
O Novo também tem essa pegada antipolítica, quer trazer os “outsiders”, já que a classe política não goza de credibilidade alguma. Quer evitar carreiristas políticos, o que pode ser romântico, já que uma vez acumulado o capital político, dificilmente ele será jogado no lixo (Bolsonaro está em seu sétimo mandato, não custa lembrar, e com três filhos também na política).
Mas ao menos o Novo tem um projeto de longo prazo calcado mais em ideias do que pessoas, e isso me atraiu (apesar de minhas críticas eventuais). Não é do meu perfil, menos ainda das minhas conclusões de anos de estudo, bajular um político, endeusar uma pessoa, concentrar minhas esperanças num governante. Ao contrário: sou cético com o poder, com a política, e por isso mesmo quero descentralizar o poder, retirá-lo dos políticos em geral e devolvê-lo para a sociedade.
Mas não será com um “déspota do bem” que isso vai acontecer, com uma pessoa, um político, concentrando todo o poder para consertar tudo e depois devolvê-lo para a sociedade. Sim, alguns seguidores de Bolsonaro chegaram a pregar exatamente isso. Eu desconfio de todo candidato a Robespierre. Eu desconfio de quem quer executar uma “limpeza geral” no sistema. Eu certamente desconfio de quem quer acumular poderes tirânicos em nome do povo para depois entregar-nos a liberdade. Era o papinho da “ditadura do proletário” de Marx, que depois aboliria voluntariamente o estado para se chegar ao comunismo, lembram?
Logo, eis aí a diferença básica entre ambos, do ponto de vista da governabilidade. O Novo não depende de uma pessoa, de um político, e não promete salvação milagrosa, não foca apenas nas próximas eleições, não deposita tudo ou nada em 2018. Não é esse seu jogo, sua meta, sua razão de existir. Se o Novo emplacasse algum candidato vitorioso nas próximas eleições, teria o mesmo problema de governabilidade de um Bolsonaro eleito. E teria que fechar com o PMDB também, eis a realidade.
Se alguém de um partido nanico chegar ao poder nesse atual sistema, e antes de uma completa renovação do Congresso (o que só será possível com a mudança da mentalidade do povo e do próprio sistema político, com a adoção do voto distrital, por exemplo), não será capaz de governar sem acordo com os grandes partidos. Isso é óbvio! A alternativa é fechar o Congresso, decretar-se ditador e governar em nome do “povo”. Mas isso nunca acaba bem.
Isso não quer dizer, por certo, que alguém com um perfil melhor, mais honesto e mais liberal ou conservador, não possa realizar mudanças importantes no governo. Pode sim. Mas é preciso ser realista quanto aos limites dessas mudanças. Até porque a expectativa elevada demais produz apenas decepção igualmente alta, o que pode ser um perigo. A frustração excessiva leva justamente à perda de confiança no sistema, na democracia, e é um prato cheio para revoluções sangrentas que costumam acabar mal.
Não descarto uma situação limite em que até essa “saída” seja menos pior do que manter o “sistema”. Basta pensar no caso venezuelano, em que a democracia já foi para o espaço faz tempo, e que pegar em armas contra a ditadura é uma atitude legítima. Mas isso significa que as instituições já faliram por completo, e não creio que o Brasil tenha chegado lá (ainda).
Esse é o discurso, aliás, dos próprios comunistas: acham que o “sistema” é capitalista opressor, dominado pelas elites, uma ditadura disfarçada, e que isso justifica a violência redentora. Daí MST, MTST, black blocs e tutti quanti. Não me agrada o mesmo tipo de pensamento “do lado de cá”, à direita. Por isso defendo o projeto do Novo: por entender que é um projeto realista, de longo prazo, uma maratona em vez de uma corrida de cem metros rasos.
E que depende mais de suas boas ideias do que de estrelas, salvadores de Pátria. Eu definitivamente não sou político-afetivo, não tenho nada de idólatra, e não gosto de ver o tom religioso sendo adotado na política. Políticos não são deuses! Desconfiar deles é sempre saudável. Assim como lutar para que tenham menos, não mais poderes. É o paradoxo de todo liberal, eu sei: defendem menos estado, mas para colocarem em prática isso, precisam também chegar ao poder estatal.
É por isso que os liberais sempre focaram mais no poder das ideias, ainda que não devamos menosprezar a via política. Ela é necessária. Mas sem uma mudança no arcabouço cultural, ficaremos dependendo do tal “déspota esclarecido”. E à exceção da pequena Cingapura, desconheço casos de sucesso. Alguém pode citar Pinochet, mas o custo foi alto demais, em vidas e com a morte da democracia por duas décadas. Não acho que a democracia seja um novo Deus, mas ainda é, como disse Churchill, o pior modelo, exceto todos os outros. É o meio menos sangrento de trocar o comando na política…
Rodrigo Constantino
Rodrigo Constantino <constantino.rodrigo@gmail.com>: Aug 11 11:06AM -0400
http://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/diferenca-entre-o-projeto-de-mudanca-partido-novo-e-o-personalismo-salvacionista-de-bolsonaro/
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