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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 20 de novembro de 2011

Contra a soberania estatal: uma proposta para acabar com Vestfália

O trabalho abaixo transcrito tem a seguinte ficha:
1269. “Contra a soberania estatal: uma proposta para acabar com Vestfália”, Brasília, 27 mai. 2004, 3 p. Resumo para exposição oral no Simpósio trilateral da Fundação Konrad Adenauer sobre Política Social Internacional (Rio de Janeiro, 27-28/05/2004). Ampliado, a partir do trabalho sobre a redemocratização do poder mundial, para publicação em volume especial, coordenado por Wilheim Hofmeister (Fundação Konrad Adenauer), sob n. 1296. 


Contra a soberania estatal: uma proposta para acabar com Vestfália

Paulo Roberto de Almeida
Simpósio trilateral da Fundação Konrad Adenauer sobre
Política Social Internacional
(Rio de Janeiro, 27 e 28 de Maio)
  
(Notas para desenvolvimento oral, e ulteriormente texto escrito)

            Respondo sumariamente à seguinte questão que me foi colocada pelos organizadores:
“Que reformas no sistema internacional são desejáveis e possíveis a fim de se alcançar justiça social internacional?”
            Sendo telegráfico, eu diria apenas o seguinte:
O sistema de relações internacionais precisaria caminhar para a construção de uma arquitetura política e econômica que possa se basear na governança global e na democracia preventiva.
            Dito assim, parece fácil, mas o que estamos propondo resultaria, a termo, na própria extinção, eliminação ou redução substancial do sistema de Vestfália, ou seja, o da soberania absoluta dos estados nacionais.
            Talvez seja totalmente utópico, irrealista e impossível de ser implementada uma tal revolução no sistema de relações internacionais, mas acredito, sinceramente, que o direito internacional se encaminha, ainda que a passos muito lentos, nessa direção.
            Recordemos, antes de mais nada, que também Kant aspirava a uma utopia desse tipo, a paz perpétua, que para ele deveria ser baseada numa espécie de monarquia universal, o que significaria, em nossos tempos, regimes constitucionais e democráticos. Ora, o avanço do sistema multilateral, consubstanciado na ONU e na OMC, representa, de certa forma, um esboço dessa futura arquitetura política na qual os conflitos tendem a ser marginais e decrescentes.
            Se partilharmos da opinião, bastante sensata, de que regimes plenamente democráticos não conduzem guerras ofensivas e que respeitam os direitos básicos de seus cidadãos e os de todos os demais, então podemos afirmar que a democracia é um requisito essencial de todo e qualquer regime aspirando à justiça e à paz internacionais.
            Ora, sendo as ditaduras o resultado de processos políticos internos aos países e que estes são normalmente constituídos e reconhecidos segundo o modelo de Vestfália, então poderemos concluir, pela lógica formal, que a realização da democracia pode requerer, em certos casos, a abrogação gradual do sistema de Vestfália para que o ideal democrático possa ser realizado. Estou simplificando, obviamente, e nem acredito que a democracia possa ser implantada desde fora, mas creio, fundamentalmente, em valores universais que são os representados pelo Iluminismo europeu, multilateralizados na prática desde a Revolução francesa e o moderno sistema onusiano (com suas conhecidas limitações soberanistas, justamente). Desse ponto de vista, recuso o relativismo histórico e a relatividade culturalista: valores universais são valores universais, e o primado do indivíduo deve passar antes dos interesses dos Estados.
            Por isso, acredito que o próximo passo na elaboração conceitual do direito internacional esteja indicado pelo itinerário da afirmação dos direitos individuais contra os direitos do Estado e contra a razão de Estado. Não é fácil admitir este princípio, pois se teme o unilateralismo, a arrogância imperial e os abusos derivados dos interesses dos mais fortes, mas creio que o multilateralismo político já avançou ao ponto de poder limitar o poder da força e tentar afirmar, doravante, a força do direito.
            Contrariamente aos que acreditam que a intervenção americana no Iraque representou uma crise da ONU e de seu CS, creio que ela representa, ao contrário, uma reafirmação de certos princípios básicos que estarão sendo novamente defendidos pela maioria dos países membros.

            Isto, do ponto de vista da democracia e dos direitos humanos. Do ponto de vista da afirmação das aspirações dos povos a maior bem-estar, a maior justiça, pela garantia de condições mínimas de uma existência digna, creio igualmente que o caminho para essa prosperidade ampliada dos países e pessoas mais pobres ou mesmo miseráveis (que são justamente os suscetíveis de abrigarem regimes despóticos e autoritários) passa pela ampliação irrefreável da globalização, o fator mais poderoso, nos dias que correm, para a ampliação das franquias e a criação de riquezas.
            Uma globalização ampliada constitui o mais poderoso fator de convergência entre os povos, ainda que alguns acreditem que ela produz desemprego, concentração ou até mesmo miséria. Os dados disponíveis até aqui são todos inquestionavelmente em favor da globalização. O nacionalismo econômico costuma ir de par com regimes fechados, cartelizados, protecionistas, enfim, restritivos das escolhas individuais e portanto das liberdades humanas, entre elas a liberdade econômica de trabalhar e de acumular.
            Trabalhei sobre alguns dos estudos de economistas, entre eles Sala-i-Martin e Surjit Bhalla, que confirmam os efeitos inegavelmente positivos da globalização na melhoria da condição dos mais pobres.
            Dois requerimentos se impõem para ampliar a globalização: eliminar o absurdo protecionismo comercial e o subvencionismo pornográfico dos países ricos nas áreas da economia agrícola e da produção industrial labour-intensive, e reduzir o absurdo nacionalismo econômico dos países mais pobres, que só traz prejuízos aos seus povos, em benefício exclusivo de suas elites. Alguns ainda crêem que soberania econômica e capitalismo nacional são sinônimos de dignidade e bem estar, quando estes princípios, na verdade, estão associados a baixos níveis de produtividade e de desempenho econômico.
            Por isso, não hesito em afirmar: abaixo Vestfália, abaixo o soberanismo político e o nacionalismo econômico, ambos restritivos e tendencialmente autoritários. Viva a abertura, a universalização dos direitos individuais, a globalização e o internacionalismo.
            O sentido da história é este: poderá demorar um certo tempo, mas o caminho é este.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de maio de 2004


O trabalho que o substituiu, mencionado na ficha original, foi este aqui:

1296. “Governança econômica global e democracia preventiva: reflexões sobre a democratização do sistema internacional”, Brasília, 30 jun. 2004, 14 p. Colaboração a livro sobre política social internacional da Fundação Konrad Adenauer. Publicado in Wilhelm Hofmeister (org.), Política Social Internacional: conseqüências sociais da globalização (Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005, 244 p. ISBN: 85-7504-075-8; p. 111-125). Relação de Publicados n. 558.

Relacoes Mercosul –Uniao Europeia: um questionario de 2004 - Paulo Roberto de Almeida

As perguntas abaixo foram respondidas a um jornalista espanhol, que preferiu dirigir-me as perguntas em inglês, mas alertando que eu poderia responder em português. Sequer reli o que respondi na ocasião, em 24 de maio de 2004, mas todas as respostas devem ser lidas no contexto da época.


Relações Mercosul –União Européia
Respostas a questionário

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; Brasília, 24 maio 2004)

1) Do you think it is possible to concrete an agreement among The European Union and Mercosur in order to sign up the final agreement in November? What  do you thing are the major problems that could explain the fact that this  agreement had been postponed so many times?
            PRA: É, sim, possível um acordo entre o Mercosul e a UE, mas não acredito que ele seja abrangente como poderia ser, ou verdadeiramente caracterizado pelos princípios do livre comércio. Por caracterísitcas próprias a cada bloco, o acordo será o reflexo dos protecionismos setoriais que bloquiam uma verdadeira liberalização abrangente, convertendo esse acordo em algo mais do que comércio administrado. Ainda assim, a situação do comércio recíproco estará facilitada, e novos fluxos de intercâmbio vão se estabelecer.
            Os problemas principais se situam, por um lado, no renitente, reiterado e injusto protecionismo agrícola europeu e, por outro lado, no renitente, reiterado e irracional protecionismo industrial e de serviços por parte do Mercosul. Nenhum dos lado parece disposto a fazer um verdadeiro esforço para se libertar desses protecionismos setoriais, que prejudicam em primeiro lugar seus próprios consumidores, ainda que beneficiem os lobbies agrícolas, industriais e comerciais com eles identificados.
            Em outros termos, teremos liberalização parcial dos fluxos de comércio mas não verdadeiramente livre comércio.

2) If the parties don´t make any agreement, do you think that might be harmful for the progresses of Mercosur carried out by Lula´s initiatives? Could this  disagreements change the mind of the members of MERCOSUR in relation to ALCA  in detriment of the European Union? Could this be perjudicial for MERCOSUR in relation to its subregional identity?
            PRA: Não há uma relação direta entre os progressos internos ao Mercosul e os acordos comerciais que este bloco possa fazer externamente, nos planos regional (com a CAN, por exemplo), hemisférico (Alca), birregional (com a UE) e multilateral (OMC). O Mercosul padece de problemas internos que derivam de suas fortes assimetrias macroeconômicas e sociais, bem como da incapacidade política dos governos dos países membros em internalizar de fato as medidas propostas, discutidas, acordadas e muitas vezes adotadas, que independem do aprofundamento da liberalização comercial externa para serem implementadas.
            Por outro lado, progressos da liberalização nos planos regional e multilateral podem estimular, ou induzir, o Mercosul a aprofundar seu próprio processo de integração, na medida em que se não o fizer ele pode se tornar irrelevante do ponto de vista das preferências internas ou retirar legitimidade intrínseca ao próprio processo de integração.
            Do ponto de vista político, persistem inclusive diferenças de percepção, entre os países membros do Mercosul, entre as vantagens respectivas da Alca e do acordo com a UE, segundo os parceiros. Uruguai e Argentina parecem privilegiar um acordo na Alca, ao passo que o Brasil, por razões essencialmente políticas do partido que agora ocupa o poder (PT), parece privilegiar um acordo com a UE, por considerá-lo mais benéfico. Trata-se, porém, em grande medida, de preconceito contra os Estados Unidos e a Alca.
            Não há uma definição clara do que poderia ser prejudicial para o Mercosul em termos de identidade regional, uma vez que a maior parte dos países parece enfatizar a importância de uma relação mutuamente proveitosa com os Estados Unidos e vêem como positivo um acordo no âmbito da Alca, ao passo que o Brasil inclina-se mais favoravelmente a um acordo com a UE.

3)  Do you think that the enlargement of the European Union can be harmful for the agreement between the European Union and Mercosur?
            PRA: Os efeitos são diversos e complexos, mas motivos de preocupação existem, na medida em que todo bloco comercial, restrito ou amplo, sempre significa um certo potencial de desvio de comércio. A ampliação do bloco europeu poderá significar maior desvio de comércio intra-bloco e portanto menores oportunidades para exportações a partir do bloco do Mercosul. Deve-se igualmente considerar os efeitos em termos de reforço de certas políticas negativas como o subvencionismo interno e externo na área agrícola, onde estão concentradas as vantagens comparativas do Mercosul.
            Ou seja, mesmo que exista um acordo Mercosul-UE, ele pode produzir efeitos limitados em vista da ampliação da UE aos novos países membros.
            Por outro lado, em outras linhas produtivas, o mercado europeu pode estar ainda mais atrativo, pela sua nova amplitude e extensão.

4)  One of the items is the beginning of a possible agreement with the Andinean  Countries and Central America, do you think it would take so more time as the negotiations with MERCOSUR?
            PRA: Já existe um acordo de princípio entre o Mercosul e a CAN, que se aproxima mais do conceito de preferências tarifárias do que de livre comércio, mas progressivamente os intercâmbios entre as duas regiões vão se intensificar.
            Não há, por outro lado, nenhum progresso real em termos de acordo comercial entre o Mercosul e países da América Central, que sempre vai estar mais vinculada aos mercados da América do Norte, a começar pelos Estados Unidos.

5)  Do you think that the cooperation between Kirchner, Lula and Chaves could benefit the estrategic assotiation between the two regions? Why this  cooperation, this new way of cooperation that was very important two in the  creation of G-3 and G-20?
            PRA: Não há essa cooperação tripartite, mas tão somente uma excelente cooperação, institucionalizada, entre o Brasil e a Argentina, com maior aproximação política dependendo dos presidentes (o que parece ser o caso agora com Lula e Kirchner), e uma certa aproximação política entre esses dois países e a Venezuela de Chavez, mas este dirigente parece ter problemas mesmo com aqueles outros líderes que poderiam ser seus aliados na defesa da legalidade, ao administrar mal a crise política da Venezuela.
            Não há esse G-3 entre os três países, pois o únicoG-3 de que se fala atualmente no Brasil é o esquema que aproxima este país da África do Sul e da Índia. O outro G-3 da América Latina refere-se a um acordo de liberalização comercial Chile-México-Colômbia, concluído na Aladi, no início dos anos 90.
            O G-20, por sua vez, tem vida própria e está mais vinculado às posições negociadoras em agricultura na OMC do que a qualquer esquema político na América do Sul.

6)  Do you think Spain is vitalizing the relations between the two regions in this third meeting? What is the balance of the Spain initiatives in the last  two?
            PRA: A Espanha tem desempenhado um papel fundamental não apenas nos processos de cooperação política e econômica (cúpulas ibero-americanas e euro-latino-americanas), como também na implementação prática da interdependência econômica recíproca, ao ser um dos maiores investidores, se não o maior, na região. Ela continuará a ter um papel relevante nesses processos político-diplomáticos e econômicos, voltando a dispor, em conseqüência, de um poder político e econômico que ela nunca mais tinha tido desde o final da dominação colonial sobre o continente. Esse poder, obviamente, é feito atualmente em benefício de todos os povos da região e da Espanha.